O desafio da recomposição de aprendizagem
Mapeamento das defasagens dos estudantes, uso de estratégias variadas para planejar as aulas e estruturação de apoio pedagógico são algumas das ações para enfrentar a questão
A partir da retomada gradual das aulas presenciais no segundo semestre de 2021, professores e gestores tiveram comprovadas as percepções já notadas no ensino remoto emergencial: alunos de todas as etapas apresentam defasagens nas aprendizagens, acentuadas desde 2020, o ano 1 da pandemia. “No contexto pré-pandêmico, menos de 50% das crianças eram alfabetizadas na idade certa. A perspectiva agora é que algo em torno de 75% das crianças não sejam alfabetizadas na idade certa”, analisa Alessandra Gotti, presidente-executiva do Instituto Articule e colunista de NOVA ESCOLA.
Nesse contexto de grande vulnerabilidade, redes de ensino de todo o país compreenderam o quanto a recomposição das aprendizagens ocuparia parte relevante dos planejamentos para o ano letivo de 2022. “A demanda que temos atualmente é diferente das defasagens e dificuldades de aprendizagens que existiam antes da pandemia. Por isso, é preciso construir uma ação complexa e significativa que vise não só reconectar o estudante à trajetória cognitiva afetada pelo distanciamento, mas também, reduzir a desigualdade educacional”, salientou Alessandra, em sua coluna.
Organização da recomposição
Apesar das incertezas da pandemia, neste ano, as escolas têm a possibilidade de colocar em prática uma reestruturação do currículo mais organizada desde o início do ano escolar – o que não aconteceu no turbulento ano passado. Com a esperada retomada de atividades presenciais na integralidade, as instituições de ensino podem estudar a aplicação de modelos variados de aprendizagem, testar novas metodologias, conectar conteúdos de anos anteriores aos do ano atual (continuum curricular) e criar métodos personalizados, entre outras estratégias recomendadas por especialistas.
Para Débora Vaz, coordenadora pedagógica de uma escola particular na capital paulista, o momento exige reflexão: “O foco deve ser naquilo que temos, e não apenas naquilo que perdemos”, avalia. “É tempo de refletir sobre as aprendizagens conquistadas, especialmente porque novos conhecimentos se conectam ao que já conhecemos.”
Por isso, antes de traçar os planos da recomposição, as escolas precisam investigar e ter clareza do cenário para atuar de forma consistente. “Na volta às aulas, é fundamental que seja feita a avaliação diagnóstica para identificar quais são as deficiências de aprendizagem com base nas habilidades essenciais do currículo de cada uma das etapas de ensino”, analisa Alessandra. Para Débora, além de avaliações, vale a pena abrir rodas de conversa com os alunos para também compreender melhor como eles sentem o momento e a própria aprendizagem. “Só com essa identificação será possível estruturar um plano de recomposição de aprendizagem, com tempo estendido de ensino, seja no contraturno, seja aos sábados, com atividades na própria escola e mesmo com o uso da internet, que é importante aliada na reorganização da aprendizagem”, explica a colunista de NOVA ESCOLA.
A Secretaria de Educação de Mogi das Cruzes (SP) realiza um trabalho de recomposição que inclui também o de recuperação. Em janeiro, cerca de 1,4 mil estudantes já estão tendo aulas de reforço antes mesmo do início do ano letivo, que começará no dia 4 de fevereiro. “Também avaliamos a realização de atividades extras, inclusive nos fins de semana, e com turmas menores, com no máximo 12 alunos, ao longo deste ano”, conta o secretário André Stábile. O foco central é o letramento matemático e a alfabetização.
A recomposição pode ter formatos variados, inclusive sem a determinação de atividades no contraturno, como planeja a rede estadual de Mato Grosso do Sul. Lá está prevista a criação de uma aula por semana específica de recomposição, ministrada no turno, por professor específico, que “será um curinga, um articulador entre todos os docentes das demais disciplinas”, conta Helio Daher, superintendente de políticas educacionais da Secretaria de Educação de Mato Grosso do Sul. A metodologia será focada na pesquisa, com temas que retomem assuntos importantes contidos no currículo do ano anterior, por exemplo. A secretaria dará apoio ainda para ações que demandem recurso extra, como a organização de feiras temáticas, por exemplo.
Apesar da aula específica, a recomposição guiará o trabalho de todos os profissionais da rede sul-mato-grossense, que terão formação a respeito do tema: em janeiro, participam diretores, e, em fevereiro, coordenadores pedagógicos e professores. “O objetivo é detalhar a atuação dessa nova rotina escolar e também reforçar que todos devem assumir um compromisso com a recomposição”, explica Helio. No ano passado, foi criado um currículo de referência de habilidades essenciais, que seguirá apoiando os trabalhos previstos para 2022. “As escolas terão liberdade para completar, evoluir, revisar ou retirar habilidades dos currículos de acordo com as realidades locais”, afirma. A volta das aulas na rede está prevista para março.
Resultados a longo prazo
Mesmo com os projetos de recomposição engatilhados, gestores e especialistas em Educação ainda preveem um longo período de trabalho para voltar aos patamares pré-pandêmicos de aprendizagem – que, como foi dito, já eram delicados. “Esperamos um pouco mais de estabilidade nos resultados da aprendizagem até 2024”, analisa André, de Mogi das Cruzes (SP).
Em entrevista no ano passado, o secretário estadual de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, afirmou que seriam necessários até 11 anos para reverter os atrasos de aprendizado causados pela pandemia de covid-19. A análise foi feita com base em pesquisa com mais de 21 mil alunos paulistas, na qual foi apontado que estudantes do Ensino Fundamental precisam ampliar o conhecimento na comparação com os desempenhos anteriores à pandemia: três vezes mais em Português e 11 vezes mais em Matemática.
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