Para usar com a família

5 sugestões para manter um bom diálogo sobre gênero com a família

O assunto é polêmico e mexe com as convicções e crenças dos pais ou responsáveis

Ilustração de professora conversando com um pai. Balões de conversa ilustram a cena.
Ilustração: Renata Miwa/NOVA ESCOLA

Em alguns casos, as discussões sobre papéis de gênero podem despertar desavenças entre famílias e a escola. Como a sociedade é pautada por esses papéis, o simples fato de um menino brincar de boneca, por exemplo, pode ser motivo de reclamação dos pais. Por isso, dependendo de como for apresentado, o trabalho pedagógico pode mexer em pontos sensíveis no modo como a família entende que deve ser a Educação das crianças.

Assim como em todos os assuntos, a escola deve estar sempre aberta para ouvir as dúvidas e reclamações das famílias, pois só a partir dessa escuta será possível entendê-las e construir um diálogo construtivo que privilegie, acima de tudo, o desenvolvimento e o bem-estar infantil.

Para encontrar caminhos que permitam lidar com essas e outras possíveis situações, conversamos com especialistas que também estudam questões de gênero. O resultado é um conjunto de cinco sugestões práticas para conduzir melhor a conversa. Confira:

1. Invista na sua própria formação e na da equipe

Em sua tese de mestrado, Osmar Arruda, diretor escolar na Prefeitura Municipal de Rio Claro (SP) e mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisou a experiência de professores em um curso sobre gênero e diversidade na escola e constatou algumas dificuldades dos docentes na hora de tratar sobre essas questões. “O professor não vira outra pessoa quando está na sala de aula, mas mantém ali sua formação de vida. Percebi que quando lidamos com a formação profissional também estamos lidando com a formação do sujeito”, diz ele. Para Osmar, além da necessidade de que existam disciplinas sobre o tema na grade obrigatória dos cursos de pedagogia, professores e gestores precisam ter o interesse de buscar formação continuada e discussões sobre o tema, que não devem ser consideradas supérfluas. Caso contrário, a escola não saberá trabalhar para a igualdade ou reagir bem a uma série de situações cotidianas.  

2. Proponha o assunto

Não é necessário receber um questionamento dos pais para começar a falar sobre o tema. Nas reuniões e comunicados enviados às famílias, explique que crianças de diferentes gêneros, raças, classe social e com ou sem deficiência devem receber as mesmas oportunidades de experiências e brincadeiras. “O papel da Educação Infantil não é padronizar as crianças, mas entender que elas são diferentes, que cada uma gosta de certas coisas e que essas opções não vão determinar sua sexualidade (o que é um medo de alguns pais). A brincadeira proposta deve ser a que possibilite aprendizagens potentes, não as tidas como corretas”, defende Clemerson Elder Trindade Ramos, formador e professor de Educação Infantil da CMEI Deusdete Lêdo David, em Aparecida de Goiânia (GO). 

3. Explique a importância das experiências para o desenvolvimento das crianças

É preciso entender que o papel da escola é ampliar o conhecimento das crianças e não subestimá-las. Temas tidos como polêmicos demais para serem tratados com elas, como gênero, raça e morte, existem e fazem parte de suas vidas. Ou seja, a diferença está em fazer daquilo um aprendizado positivo e mediado por um adulto responsável em vez de tornar a questão um tabu ou punir os pequenos por um questionamento ou atitude. Por exemplo: se os pais reclamarem que um menino brincou de boneca, primeiro pergunte o que isso representa para a família. Depois, explique que os homens também precisam desenvolver certas habilidades e que, para as crianças, a compreensão do mundo, o desenvolvimento cognitivo e de sociabilidade acontece de forma lúdica. Ou seja, assim como ele observa o próprio pai, mãe ou outro adulto cuidando dele, pode experimentar essa mesma experiência social na forma de uma brincadeira.  

4. Saiba explicar a diferença entre gênero e sexualidade

Além de classificar as brincadeiras pelo gênero, muitas pessoas acreditam e temem que isso possa estar ligado à orientação sexual que as crianças terão. Caso perceba que o questionamento das famílias está relacionado a isso, os professores precisam esclarecer as diferenças entre alguns termos. 

Identidade de gênero refere-se ao modo pelo qual alguém se identifica (homem, mulher ou pessoa não binária). Na escola, isso é trabalhado pelo respeito, pela convivência e pela garantia de igualdade a todos, seja qual for essa identificação, não tendo o professor nenhum poder para influenciar o modo como cada um se identifica. Já a sexualidade na Educação Infantil não diz respeito a conversas sobre sexo ou orientação sexual, mas ao conhecimento do próprio corpo e seus limites, incluindo a proteção contra abuso sexual (que pode acontecer com meninas e meninos).

5. Esteja disposto a aprofundar a conversa

“Muitas pessoas têm filhos e acham que estão automaticamente capacitadas para educar, mas isso não é verdade. Precisamos ter a disponibilidade emocional de aprender e entender como a criança se desenvolve, como aprende”, explica Jane Felipe, professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero. O objetivo de todos os adultos relacionados às crianças deve ser tornar a convivência e o respeito às diferenças, sejam elas quais forem, algo normal e cotidiano desde a infância. No entanto, como para os adultos o modo de apreender o mundo pode ser mais complicado que para as crianças, não tenha medo de aprofundar essa conversa com os pais, ler, compartilhar, e quando preciso, sintetizar bons conteúdos sobre gênero. Afinal, há muitas fake news sobre o tema e só o conhecimento pode vencer a desinformação.

Mais sobre esse tema