Para aprender sobre a prática

Como fazer das cartas uma declaração de afeto

Mara Mansani resolveu usar esse gênero para despertar, nas crianças, o respeito e a admiração às mulheres

Ilustração: Marcella Tamayo/Nova Escola

Qual professor nunca ouviu frases como “meninas são frágeis e meninos são fortes”, “meninas são fofoqueiras” e “meninas não são para a área de exatas” no ambiente escolar? A premiada professora de alfabetização Mara Mansani afirma que esse tipo de discriminação está presente em situações comuns do dia a dia de uma escola, até mesmo quando se formam grupos separados por gênero, nos quais um não se mistura com o outro.

Com 30 anos de experiência, a educadora conta que sempre trabalhou o respeito mútuo entre os alunos por meio de projetos e atividades temáticas. Uma delas ocorre todos os anos durante a semana do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. Por meio de cartas, Mara Mansani trabalha a valorização da mulher na sociedade ao instigar meninas e meninos a pensarem em mulheres inspiradoras que fazem parte de suas famílias e comunidades. 

Ao mostrar para os alunos figuras femininas que marcaram a história do Brasil e do mundo em diversas áreas do conhecimento, a professora teve a ideia de propor às crianças que procurassem identificar mulheres de destaque próximas a elas, fossem da família, do bairro ou da escola. “A referência dos alunos era a Mulher Maravilha, então decidi trazer o debate para a realidade das crianças para que elas buscassem essas figuras, não necessariamente nas mães, mas nas mulheres da vida delas de modo geral”, explica.

Essa identificação ocorre por meio das referências apresentadas pela professora em um processo chamado de modelização. Biografias de Carolina Maria de Jesus, Zilda Arns, Chiquinha Gonzaga, Malala Yousafzai, Irmã Dulce, Maria da Penha e Luiza Mahin são alguns dos materiais explorados nas aulas de Mara Mansani. Ela também aposta em entrevistas, vídeos, fotografias e músicas que abordem a temática da valorização da mulher na sociedade.

Em tópicos, Mara apresenta à turma o que essas mulheres fizeram e, com leitura compartilhada, debatem o que cada uma delas têm em comum. Então, a professora faz perguntas como: O que torna essas mulheres tão especiais? Quem vocês conhecem que luta ou que lutaram para ajudar a família e a comunidade? “Isso foge da ideia de olhar somente para a mãe e faz perceber outras mulheres do entorno delas”, reforça Mara.

Para a pedagoga e mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas pela PUC de São Paulo, Marly Barbosa, a temática do empoderamento da mulher e o trabalho com cartas pessoais em um contexto de alfabetização pode dar espaço para reflexões sobre alguns dilemas da vida dessas mulheres, e até aproximar mulheres com vidas parecidas ou totalmente diferentes. 

Exploração do gênero carta

Depois de contextualizar os alunos com biografias e outros materiais sobre mulheres inspiradoras, Mara passa então a explorar o gênero textual. Para isso, são várias as referências utilizadas. Cartas escritas por mulheres, como Clarice Lispector e Cecília Meireles, são o ponto de partida, junto com livros que abordam as cartas e suas características.

Agora com repertório, as crianças escolhem a mulher a quem querem falar e escrevem suas mensagens. Mas não termina aí. “Se uma carta é escrita, ela precisa ser enviada”, ressalta Mara Mansani. Ela ressalta que não faz sentido escrever uma carta para ficar na escola e que, por isso, a correspondência é enviada, seja pelos correios ou entregue pela própria escola. Assim, o ciclo da atividade é encerrado com novos olhares e aprendizados.

“Quando a gente escreve parece que temos mais coragem de colocar o que sentimos no papel. Ao ler as cartas que as crianças escrevem, percebemos muito amor por essas mulheres, mas também, antes disso, relatos como: ‘minha mãe só cuida da gente’ ou ‘minha mãe não trabalha’. Ou seja, um olhar ruim que precisa ser debatido também”, pondera.

Por isso que, de acordo com Marly, o que não se pode fazer é reduzir o estudo de cartas pessoais à análise da estrutura. “A carta é muito mais que isso. Trata-se de relações entre pessoas representadas por marcas de emoção, de apreciação diferenciadas nos textos, de acordo com o contexto em que foram produzidas”, comenta.

Para os alunos de Mara, a carta é mesmo mais que um gênero: é uma declaração carinhosa a mães, avós, tias e muitas outras mulheres especiais na vida deles.

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