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“Há gráficos que são fotografias, outros que são filmes”

O jornalista de dados Marcelo Soares conta as dificuldades para monitorar os casos de covid-19 no Brasil e dá dicas aos professores de como levar o tema para as aulas

Para Soares, é importante olhar para além dos números frios dos gráficos e observar o componente humano dos registros. Ilustração: Micro One/Deposit Photos/Caronte Design

O jornalismo de dados tem vivido dias agitados com a crise do novo coronavírus. É uma área de atuação essencial para aqueles que procuram informações em tempo real oferecidas por profissionais acostumados a lidar com grandes bases de informações públicas. “Entrevisto os dados como outros entrevistam artistas e políticos”, define o jornalista de dados Marcelo Soares em sua plataforma que monitora diariamente os casos de covid-19 nos municípios brasileiros.

Não é fácil acompanhar a evolução do número de infectados e de óbitos em todas as cidades brasileiras. Marcelo recorre às secretarias de Saúde das 27 unidades da federação para obter informações que nem sempre são precisas ou uniformes. Cada estado tem sua própria forma de apresentar dados de covid-19. Na entrevista a seguir, Marcelo detalha como tem sido a experiência de “entrevistar” dos dados de covid-19 e dá algumas dicas interessantes para os professores trabalharem conceitos matemáticos e gráficos sobre a doença.

Nova Escola: Por que você decidiu iniciar esse monitoramento dos casos de covid-19 nos municípios do país?
Marcelo Soares: Ele começou por causa de uma frustração. O Governo Federal colocou no ar um painel próprio em fevereiro, quando apareceram os primeiros casos, mas só havia dados por estado, e não por município. O Brasil é muito grande, há estados que são do tamanho de países da Europa, com dinâmicas muito distintas. Numa mesma unidade da federação, o clima e as interações entre cidades podem variar muito como, por exemplo, entre São Paulo e Campinas. Assim, passei a buscar os dados das secretarias de Saúde. 

Quais as dificuldades de se trabalhar com esses dados?
Há uma discrepância muito grande na maneira como os estados fornecem seus dados. A única informação que consigo levantar em todos os municípios são os casos confirmados de covid-19 e os óbitos. Também há uma desigualdade grande de testes. Um estado que testa mais vai identificar mais casos brandos. Aquele que se concentra apenas em casos graves vai ter uma taxa de letalidade (mortos por casos confirmados) muito maior. O parâmetro mais ou menos identificável é que o coronavírus mata de 1% a 1,5% dos pacientes. Se formos olhar os mortos por covid-19 no Brasil divididos pelos confirmados, dá próximo de 7%. Ainda há uma deficiência de testagem. 

Qual o peso da subnotificação nos dados de coronavírus?
Existe a subnotificação porque muitas pessoas são assintomáticas e não procuram o Sistema de Saúde. Também existe quando a pessoa apresenta sintomas leves e não vai ao médico. Além da subnotificação, existe o subdiagnóstico, que é a falta de confirmação de casos suspeitos. Há também outra deficiência que são os diagnósticos errados, quando um caso de doença pulmonar não é testado para covid-19, por exemplo. Considerando isso, precisamos estar mais confortáveis com as incertezas. Provavelmente nunca saberemos quantas pessoas exatamente pegaram covid-19 no Brasil e no mundo. 

O Brasil tem tido sucesso em “achatar a curva” e retardar a propagação do coronavírus?
É claro que o distanciamento social reduz o número de casos por haverem menos encontros e apertos de mão. Mas acho muito difícil afirmar que já estamos achatando a curva. A curva continua exponencial. Nos finais de semana, cai o número de casos pois há menos equipe trabalhando nos hospitais por causa dos plantões, mas também se acumulam registros para serem inseridos no sistema durante a semana. 

Nos municípios, só consigo saber os dados por dia de registro. Seria crucial saber o dia de ocorrência, quando se iniciaram os sintomas, e o dia da morte, no caso dos óbitos confirmados, para dizer se o isolamento social está funcionando. Quando o Ministério da Saúde fala sobre esses registros, é comum vermos chamadas na imprensa de que morreram tantas pessoas morreram em 24 horas. Mas elas não morreram nas últimas 24 horas, apenas uma parte. Muitos são casos acumulados. 

O que você aconselharia a um professor de Matemática que quer trabalhar com dados de covid-19 com seus alunos?
A primeira coisa é lembrar que às vezes os dados parecem muito frios e exatos, mas na verdade eles são profundamente humanos. Eles são registrados por profissionais que estão trabalhando sob condições inglórias. Quem está registrando esses casos no sistema está atendendo a dezenas de pacientes.

É importante lembrar que há dois tipos de gráficos que você pode mostrar aos seus alunos. O primeiro é uma fotografia, como é o caso dos mapas que contabilizam o número de casos por município (veja aqui). Nesse caso, mostra-se uma foto do que se sabe hoje sobre a doença no país. O outro tipo de gráfico é um filme, como os de linha, que mostram a evolução da doença. 

Uma outra sugestão é trabalhar a noção do que é crescimento exponencial, porque talvez seja um dos pontos mais difíceis de compreender. É possível pensar em outras situações do cotidiano, como juros compostos, por exemplo.

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