PARA REPENSAR O ANO

Como ajudar as crianças que mudarão de etapa em 2021

Apesar dos obstáculos, a situação de pandemia pode ser uma boa oportunidade para os professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental se aproximarem e construírem juntos essa transição

As famílias também devem ser incluídas no processo de transição. Ilustração: Nathalia Takeyama/NOVA ESCOLA

A transição entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental deve ser sempre pensada com muito cuidado pelos professores e gestores de ambas as etapas. Em 2020, com a paralisação das atividades educacionais presenciais em virtude da pandemia de Covid-19, esse trabalho se torna ainda mais delicado. As crianças perderam o contato direto com docentes, colegas e com o espaço da escola. Em muitos casos, infelizmente, a comunicação remota com as famílias é difícil e há pouco retorno de quais atividades as crianças estão realizando em casa e como estão se desenvolvendo. Em um cenário como esse, como organizar a transição?

NOVA ESCOLA conversou com especialistas para entender o que pode ser feito no caso de uma futura volta à escola ainda em 2020 ou de as atividades continuarem a ser desenvolvidas a distância. Confira o que dizem Selene Coletti, formadora na Secretaria de Educação de Itatiba (SP) e colunista de NOVA ESCOLA; Evandro Tortora, professor e colunista de Educação Infantil de NOVA ESCOLA; e Maria Grembecki, coordenadora da Escola de Educadores. 

1. Quais são as principais preocupações que a escola deve ter com as crianças que farão a transição?

A Base Nacional Comum Curricular é um bom ponto de partida para se pensar a transição no atual contexto, pois ela apresenta uma seção específica para tratar da mudança das crianças para uma nova etapa da vida escolar. No documento, fica claro que deve haver uma continuidade entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. A primeira etapa, portanto, não deve ser vista como um estágio preparatório, comenta Maria Grembecki. “Isso ainda é um desafio para muitos professores, que tendem a achar que um é inferior ao outro. Esse é o primeiro complicador na hora da transição”, comenta Maria Grembecki.

No que diz respeito à situação específica dos anos 2020 e 2021, a maior preocupação dos professores deve ser a de observar quais foram as conquistas de cada criança  em relação ao que se pretendia no início do ano e quais pontos ainda precisam ser desenvolvidos. Durante o isolamento social, professores precisam manter um diálogo com as famílias para acompanhar como estão as crianças. E, quando as atividades presenciais voltarem, conversar com a turma e observar como elas estão e como se comportam nesse retorno. 

Em 2021, os professores do Ensino Fundamental precisam estar abertos a mudar seu olhar e forma de planejamento. Provavelmente, devido ao longo tempo longe de um acompanhamento educacional presencial, muitas crianças chegaram com menos ganhos de aprendizagem do que é geralmente esperado. 

2. Como construir uma comunicação entre professores, gestores e escolas das duas etapas durante a pandemia? 

Selene Coletti considera que, apesar das dificuldades, a pandemia traz a oportunidade de se discutir e organizar melhor essa transição. “Um bom caminho é fazer uma reunião on-line entre a escola de origem e a de destino. Os educadores da creche podem contar e mostrar para a futura unidade escolar da criança o que trabalhou com ela e o que foi proposto a distância. A partir disso, a escola de Ensino Fundamental vai ver o currículo e se planejar”, recomenda. 

Dessa forma, os professores do Ensino Fundamental poderão conhecer melhor as referências de seus futuros alunos e, inclusive, repetir algumas atividades já conhecidas por eles para recepcioná-los e adaptá-los na nova escola. “É a mesma criança que termina uma etapa e começa a outra. Nas férias de um ano para o outro, ela não muda completamente”, lembra Maria Grembecki. 

3. Qual é a importância de fazer a síntese das aprendizagens das crianças e organizar seus portfólios para os professores de Fundamental 1?

Ao construir um bom relatório com a síntese das aprendizagens de cada criança, o professor que a receber no ano seguinte saberá qual o repertório, facilidades e dificuldades de seus alunos. Assim, terá mais ferramentas para respeitar os conhecimentos prévios de sua turma e não começar o trabalho “do zero” (leia mais sobre o tema e baixe um modelo de ficha de transição aqui)

Entretanto, outras formas de sondagem também devem ser usadas. “O relatório é uma das ferramentas, mas só ele não basta. É preciso conversar com os educadores anteriores para saber como o trabalho foi feito, ver as produções, fotografias. As crianças também podem contar o que aprenderam e o que ainda desejam aprender. Tudo para entender o caminho construído até ali” diz Maria.  

4. Quais questões socioemocionais das crianças devem ser consideradas para a transição em tempos de pandemia?

Gerenciar emoções é importante antes, durante e após a pandemia, ressalta Selene. “Quando retornarem à creche, muitas crianças estarão fragilizadas. Situações difíceis podem ocorrer e o professor tem de ser o adulto da situação. Por isso, ele também precisa trabalhar suas emoções.” 

No retorno às atividades presenciais, o trabalho em grupo será muito importante para fortalecer os vínculos da turma e o olhar para o outro. Caso as atividades presenciais não voltem em 2020, as crianças precisam saber que em 2021 irão estudar com um novo grupo de professores e alunos. A professora pode sugerir que ainda em casa as famílias organizem atividades em grupo, como fazer um desenho em conjunto com o pai e o irmão, por exemplo. 

Quando professores e familiares conversarem com as crianças sobre essa transição, é importante que o tom não seja de tristeza pela despedida ou de saudosismo. Ela precisa se sentir curiosa e empolgada sobre a nova etapa e saber que será bem recebida. “Caso não seja possível realizar uma visita presencial com as crianças no novo espaço, temos que aproximá-las de alguma forma: trazer filmagens, um depoimento de uma criança que já estuda nessa escola, foto dos adultos para dar boas-vindas”, recomenda o professor Evandro Tortora. 

Perdas pessoais também podem afetar muito o comportamento da criança e podem ser informadas no relatório de transição. O professor não precisa contar para toda a turma sobre a perda da criança, mas saber da situação pode ajudar a entender melhor seu comportamento. Além disso, é comum que em alguma conversa ou atividade a própria criança traga essa questão à tona (para se aprofundar no tema, confira o box “Como falar de morte com as crianças”)

5. Como apoiar as famílias na transição? 

Apesar do foco estar nas crianças, as famílias também estão passando por uma transição e devem ser incluídas nesse processo. “Nas reuniões, conversamos com as famílias sobre essa mudança, pois elas também estão apegadas à Educação Infantil, conhecem o espaço e os professores. É importante deixar claro que a escola vai estar sempre ali para quando as crianças e os pais quiserem visitá-la”.

Sugira também, se possível, que os pais levem os filhos para visitar sua futura escola até o final do ano. Outra ação muito importante é tranquilizar os familiares em relação à aprendizagem das crianças. Explique e deixe claro que mesmo em casa elas continuam aprendendo em sua vida cotidiana. Reforce também que processo de letramento é iniciado na Educação Infantil, mas a alfabetização é uma conquista prevista para os primeiros anos do Ensino Fundamental.

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