Como duas redes públicas pretendem acompanhar o desenvolvimento das crianças
Em Campina Grande (PB) e Cascavel (PR), o foco será nas vivências das crianças em casa e na abertura para que se expressem e sejam escutadas no retorno
Ainda pode levar algum tempo, mas o retorno das crianças ao ambiente escolar, depois de meses em casa, será um acontecimento inédito, tanto para os pequenos quanto para as famílias e professores. Diferentemente do período de férias, todos tiveram suas rotinas comprometidas e parte dos seus direitos de aprendizagem ficou limitada às circunstâncias da pandemia.
Compreender esse contexto tem sido o elemento norteador do debate sobre a volta das atividades no ambiente escolar. Nesta reportagem, duas educadoras de diferentes municípios brasileiros contam sobre como suas redes públicas estão se preparando para o retorno e quais suas expectativas.
A formadora de educadores Vládia Maria Eulálio Raposo Freire, que orienta um grupo de professores em uma creche em Campina Grande (PB), afirma que a palavra-chave desse planejamento está sendo “sensibilidade”.
Segundo Vládia, as conversas com as professoras têm tido como objetivo promover a reflexão de que, apesar da adversidade do momento, o principal desafio no retorno das crianças será olhar para elas com ainda mais sensibilidade, além de permitir que elas se expressem das mais diferentes formas - por meio de falas, gestos, brincadeiras etc. “Os educadores devem promover situações em que a criança possa ser escutada”, afirma.
Assim como Vládia, Márcia Baldini, secretária municipal de Educação de Cascavel (PR) e vice-presidente da União dos Dirigentes Municipais da Educação paranaense (Undime-PR), diz que o planejamento da sua rede está centrado na promoção da escuta. Atividades como a contagem de histórias, o desenho e as brincadeiras serão fundamentais para avaliar o desenvolvimento da criança longe da escola, e, a partir disso, poder replanejar o trabalho dos professores.
“A criança chegará depois de um longo tempo distante da escola. Assim como ela pode vir com vontade de falar e colocar tudo para fora, ela também pode retornar com medo”, ressalta Márcia.
Ambas as educadoras apontam que não se deve apressar o tempo da criança no processo de readaptação. “Não podemos abrir mão do espaço para a brincadeira e do tempo livre para que a criança possa se expressar. Quanto mais ela brinca e faz a representação dela no jogo simbólico, mais elementos teremos para conhecer quais são os sentimentos que ela carregou. E, a partir disso, a gente observa e compreende. Tudo isso nos dá parâmetros para planejar ações para apoiar a criança”, defende Vládia.
Na rede de Cascavel, está em análise como a transição entre os anos acontecerá, explica Márcia. “Estamos considerando a perspectiva, de acordo com a própria orientação do Conselho Nacional da Educação, de fazer a junção desse ano de 2020 com 2021. Então, agora é o momento de não ter pressa nem atropelar o currículo. É o momento de ouvir as crianças, trabalhar sua socialização e sua sensação de segurança e construir uma rotina.”
A importância das atividades remotas como manutenção do vínculo
O acompanhamento remoto, quando possível, é um instrumento fundamental para planejamento da volta à escola, mas, sobretudo, para a manutenção do vínculo entre educador e criança.
Na creche de Vládia, grupos de WhatsApp foram criados para cada turma e a partir deles a comunicação e troca eram feitas. “O foco das atividades remotas é encontrar essas crianças, mesmo que virtualmente, para manter a construção de vínculo e a memória afetiva da escola. Através de telefonemas e chamadas em vídeo, o professor mostra-se presente e demonstra que está se preocupando com ela. Também foi uma forma de dar um suporte à família sobre o que fazer com as crianças dentro de casa por tanto tempo”, conta Vládia.
Tanto em Campina Grande quanto em Cascavel os professores telefonam para as casas dos pequenos duas vezes por semana para conversar com a família e as crianças.
Em relação às atividades, a rede de Cascavel preferiu elaborar as propostas de atividade em um modelo impresso, levando em consideração as limitações ao acesso tecnológico de algumas famílias. A cada 15 dias, um responsável pelo pequeno retira o material na escola, que inclui um relatório para os familiares contarem como foram a experiência e as dificuldades ao realizar as atividades em casa.
Segundo Márcia, as observações das atividades remotas é mais um instrumento para que o educador prepare essa volta.
Na rede de Cascavel, as famílias receberam das educadoras de seus bebês um guia para orientar os pais e responsáveis sobre como estimular o desenvolvimento das crianças a partir da rotina construída dentro de casa. “Juntamente com esse guia, os professores de Educação Infantil confeccionaram brinquedos, de acordo com o tema proposto no material, e enviavam para as crianças de zero a 3 anos”, explica Márcia.
Já para as crianças pequenas, atividades sugeridas pelos professores permitiram que as famílias comentassem essa produção por meio de fotos e vídeos. A secretária de Educação de Cascavel conta que o trabalho dos professores de se reinventarem neste período foi surpreendente e refletiu na adesão das famílias às atividades propostas.
Na rede de Cascavel, que conta com 30.580 crianças, 502 familiares não foram buscar o material em um primeiro momento, alerta Márcia. Quando as educadoras fizeram um trabalho de explicar a importância das atividades para os pais, através de diversas tentativas, esse número foi reduzido para 41 famílias.
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