Relação família e escola

Como lidar com dúvidas e preconceitos em relação ao ensino híbrido

Especialistas explicam as principais questões que costumam gerar perguntas de estudantes e familiares sobre essa abordagem inovadora

Ilustração abstrata de amigas lendo um livro em um quarto.
Ilustração: Nathalia Takeyama/NOVA ESCOLA

Implementar uma novidade pedagógica como o ensino híbrido, que transforma a dinâmica da sala de aula e as formas de ensinar e aprender, implica complicações para além do trabalho em si.

"Existe uma representação simbólica de que quem ensina é o professor e quem aprende é o estudante. Quando essa direção unívoca deixa de existir, causa estranhamento", diz Maura Bolfer, coordenadora pedagógica do colégio Uirapuru, em Sorocaba (SP), que desde 2019 vem trabalhando com o ensino híbrido.

Esse cenário é especialmente acentuado porque poucos dos adultos de hoje tiveram a oportunidade de experimentar aulas em que foram convidados a assumir esse papel protagonista e criativo. E isso gera uma insegurança muito justificada de familiares e responsáveis pelos alunos sobre o ensino híbrido garantir aprendizagens. "Já os estudantes não demoram para entender o modelo e se engajar", explica Fernando Trevisani, professor, doutorando em Metodologias Ativas e organizador do livro Ensino Híbrido: Personalização e tecnologia na Educação (ed. Penso).

Em relação às famílias, uma ação divertida nas escolas com que Fernando trabalha tem apoiado a comunicação do que se trata o ensino híbrido. Os alunos são desafiados a atuar como professores de suas famílias, montando uma aula em algum dos modelos do ensino híbrido. "Quando se colocam no lugar dos filhos e experimentam esse tipo de aula, os familiares enxergam a potência do ensino híbrido", conta o especialista.

Confira algumas falas que costumam se repetir por parte de professores, estudantes e familiares quando a escola começa a trabalhar com o ensino híbrido, entenda o que há por trás delas e o que é possível fazer.

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1. “O ensino híbrido é modismo, só foi adotado por causa da pandemia”

Essa abordagem não nasceu ao longo da pandemia, embora venha ganhando mais peso e espaço diante desse fato que abalou o mundo. É pautada por extensas pesquisas e estudos do campo educacional. No Brasil, por exemplo, vem sendo estudada desde 2014, com implementações de práticas em ensino híbrido em escolas públicas e privadas. E práticas dessa natureza já haviam sido pesquisadas em escolas dos Estados Unidos, como se relata no livro Blended: Usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação (ed. Penso). Já a implementação em escolas brasileiras é descrita na obra Ensino Híbrido: Personalização e tecnologia na Educação, em que educadores contam como esses modelos de aula chegaram ao Brasil e como podem contribuir com a personalização do ensino em nossas escolas.


2. "Então agora o professor não faz mais nada?"

Quando nos lembramos das aulas de antigamente, pode mesmo parecer que o professor agora, na perspectiva do ensino híbrido, "não está fazendo nada". Mas não é bem assim. Na verdade, no decorrer das atividades de qualquer uma das modalidades, ele tem dois papéis essenciais e muito ativos: observar e registrar o desenvolvimento dos estudantes e mediar as aprendizagens deles, instigando a turma a encontrar o caminho para obter as respostas que busca. Antes e depois das aulas, o trabalho docente também é intenso: "Cada atividade exige um planejamento extenso, o preparo de toda a organização da sala, dos materiais, das estações ou das propostas de trabalho. Depois, cabe ao professor coletar e analisar os dados, planejar as próximas atividades com base nessas informações e dar uma devolutiva para a turma", diz Maura. A origem desse preconceito também tem a ver com a mudança de atuação dos alunos. Antes, eles eram mais passivos, praticamente receptores de informações. Nessa perspectiva, ocupam posições protagonistas, o que às vezes parece ocultar a função docente.

3. "Meu professor não dá mais aula"

Para além das famílias, os próprios estudantes podem compartilhar dessa percepção, daí a importância de envolvê-los constantemente nas tomadas de decisão e na corresponsabilização pela aprendizagem, dialogando sobre os objetivos de cada aula e o que se espera deles. "É fundamental conversar o tempo todo com a turma, principalmente sobre o que foi aprendido em cada aula. Isso ajuda a perceberem seu próprio desenvolvimento", orienta Leandro Holanda, que também é autor de Ensino Híbrido: Personalização e tecnologia na Educação, diretor da Tríade Educacional e professor na pós-graduação do Instituto Singularidades. Fernando complementa que é comum os estudantes se questionarem se estão aprendendo mesmo e, por isso, precisam de maior validação por parte do professor.


4. "Agora a aula é muito livre e os estudantes podem fazer o que eles quiserem"

Durante o desenvolvimento das propostas, os alunos realmente ficam para lá e para cá, criam engenhocas, conversam quase o tempo todo com os colegas, tomam várias decisões e a sala pode até acabar uma bagunça no fim do dia. Mas nada disso significa liberdade irrestrita. Na perspectiva do ensino híbrido, o professor de fato tem menor controle do caminho da aula, o que é positivo. “A gestão da aula e do tempo fica mais na mão dos alunos, porque eles passam a ter papel mais ativo. Mas por trás disso tudo há muito planejamento e intencionalidade pedagógica", reforça Fernando


5. "O ensino híbrido acaba com as aulas expositivas e com as provas"

Não. As aulas expositivas ainda têm o seu lugar e podem ser mescladas às propostas de trabalho com as modalidades de ensino híbrido. E a avaliação, embora aconteça de forma processual e formativa, também pode aparecer na forma de prova final para contribuir com a contabilização das notas, por exemplo.


6. "Como o ensino híbrido ajuda os alunos a estudarem e a passarem no vestibular?"

A educação, tradicionalmente, tem uma tendência de privilegiar as atividades escritas e se pautar nas avaliações e vestibulares. O ensino híbrido propõe que tudo isso continue a ser garantido, mas dá um passo além. Segundo Leandro, os conteúdos seguem os mesmos, mas agora, com a possibilidade de desenvolver criatividade, comunicação, colaboração, protagonismo, competências difíceis de se desenvolver em aulas expositivas.


7. "O ensino híbrido não funciona para quem não tem recursos tecnológicos adequados na escola e/ou na casa dos estudantes”

Mito. É fato que as tecnologias digitais são parte fundamental do ensino híbrido porque promovem a alfabetização e a cultura digital, potencializam as aprendizagens e facilitam a coleta de dados por parte dos professores. Mas precisa ficar claro que é possível, de acordo com Fernando, implementar essa abordagem sem ter acesso a recursos digitais. “Nesse esquema, o professor vai precisar de mais tempo para coletar e analisar os dados, mas segue sendo possível colocar as modalidades em prática, sim", diz Fernando.


8. "Os estudantes não costumam ser participativos, então, não vão se engajar nas propostas de ensino híbrido"

Na verdade, vale a pena pensar “será que os estudantes não vão se engajar nas propostas de ensino híbrido justamente porque não foram, até então, convidados a trabalhar de forma participativa?” Ocupar um lugar protagonista e investigar, produzir e construir são ações que costumam aparecer de forma muito pontual nas escolas atualmente. É preciso possibilitar essas vivências para a garotada para que os alunos desenvolvam esse papel mais ativo. "É importante que a implementação de modalidades de ensino híbrido seja feita aos poucos, para dar tempo dos estudantes e dos professores desenvolverem as competências necessárias para terem sucesso", orienta Leandro Holanda.

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