O que mudou

O que a BNCC propõe para a alfabetização?

Veja quais são as principais novidades para os primeiros anos do Ensino Fundamental

Ilustração: Rita Mayumi/Nova Escola

Quanto tempo é necessário para alfabetizar? Qual a melhor maneira de ensinar a ler e a escrever? O que significa, no fim das contas, estar alfabetizado? Essas foram algumas das polêmicas sobre alfabetização levantadas durante a tramitação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Com o documento aprovado, essas questões foram apenas parcialmente resolvidas. O documento mantém os principais pressupostos presentes em diretrizes anteriores, como os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCNs), mas também incorpora mudanças. Oficialmente, a BNCC não traz direcionamentos sobre as abordagens que devem ser adotadas, mas existe uma perspectiva que está por trás da elaboração do texto: nela, o trabalho com algumas relações entre fala e escrita é enfatizado. O documento justifica essa ênfase como um reconhecimento de que a apropriação do sistema alfabético de escrita tem especificidades e colocando-a como foco principal da ação pedagógica nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Abaixo, você vai conhecer as demais propostas conceituais do documento.

Linguagem como forma de interação

A BNCC assemelha-se aos PCNs quando assume a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, reconhecendo que ela é uma atividade humana e faz parte de um processo de interação entre os sujeitos. A linguagem materializa-se em práticas sociais, com objetivo e intenção. Por essa razão, estabelece a centralidade no texto como unidade de trabalho e indica a necessidade de sempre considerar a função social dos textos utilizados. Durante a alfabetização, isso sinaliza para a importância de que os alunos trabalhem com textos reais – e não exclusivamente criados para o trabalho escolar como “Ivo viu a uva”.

O documento também aponta para uma continuidade do que é feito na Educação Infantil, deixando mais claro que há uma ponte entre os dois segmentos. É preciso compreender que ambos estão interligados, portanto, nos anos iniciais do Fundamental será possível intensificar e estruturar as experiências com a língua oral e escrita iniciadas na Educação Infantil.

Alfabetização explícita

A BNCC reconhece a especificidade da alfabetização e propõe a mescla de duas linhas de ensino: a primeira indica para a centralidade do texto e para o trabalho com as práticas sociais de leitura e escrita, a segunda soma a isso o planejamento de atividades que permitam aos alunos refletirem sobre o sistema de escrita alfabética (estudar, por exemplo, as relações entre sons e letras e investigar com quantas e quais letras se escreve uma palavra, e onde elas devem estar posicionadas ou como se organizam as sílabas).

Ao assumir essa postura, o documento considera as contribuições da perspectiva construtivista, principalmente os estudos sobre os processos pelos quais as crianças passam para se apropriar da escrita. Mas, também, aponta ser preciso um trabalho com a consciência fonológica e com conhecimento das letras para ajudar a criança a evoluir em suas hipóteses de escrita.

Essa opção pela alfabetização explícita gerou muitas discussões e resistência entre os especialistas durante a elaboração da BNCC, mas prevaleceu o entendimento de que as crianças aprendem de diferentes maneiras e esta pode ser uma opção para a parcela que não tem sido alfabetizada apenas pelas propostas das diretrizes anteriores. Indicar a inclusão de atividades específicas sobre notação alfabética não significa desprezar a imersão no texto e sua função social nem estabelecer uma ordem de prioridade entre os dois trabalhos. Até porque não basta dominar o sistema de escrita para estar alfabetizado. É preciso também ser capaz de ler e escrever textos de diversos gêneros. Um processo que o próprio documento indica ter continuidade a partir do 3º ano, quando a ênfase é na ortografização.

Vale frisar que, ao contrário dos PCNs, que ofereciam ao professor orientações didáticas e elementos para avaliação, a Base não trata dessas partes. O documento concentra-se na proposição das competências e habilidades essenciais que todos os alunos devem desenvolver a cada ano e etapa da Educação Básica, ou seja, o foco está em “o que ensinar”. A construção do “como ensinar” virá nos currículos, cuja revisão está a cargo de redes, escolas e docentes.



Alfabetização em dois anos

O ano de escolaridade limite para uma pessoa aprender a ler e escrever foi uma das questões mais discutidas durante a elaboração da BNCC. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), que é a diretriz anterior, coloca como prazo-limite o 3º ano. A BNCC antecipou para o 2º ano e aponta que, no 3º ano, o processo continua com mais foco na ortografia.

Muitas redes de ensino municipais e estaduais já atuam nesse formato. Mas há aquelas que deverão aproveitar a revisão dos currículos para fazer ajustes. De qualquer maneira, para dar conta de alfabetizar os alunos ao fim do período indicado, torna-se fundamental, como a Base indica, a articulação entre os currículos de Educação Infantil, nos quais a criança já estará imersa em experiências de leitura e escrita, com os dos anos iniciais do Fundamental, quando se aprofunda e sistematiza o trabalho.



Campos de atuação como eixo estruturante

Novidades importantes trazidas pela BNCC, os campos de atuação representam, na organização do documento, papel de eixo estruturante tanto quanto as práticas de linguagem. Essa opção evidencia a proposta de contextualizar a construção do conhecimento. A ideia de que as práticas de linguagem estão na vida social e devem ser levadas à escola em situações reais em que se fazem necessários os seus usos. Para os anos iniciais, são quatro campos: vida cotidiana, artístico-literário, práticas de estudo e pesquisa e vida pública.



Destaque para o multiletramento

A ampliação no uso da tecnologia alterou as práticas de linguagem na sociedade atual. A BNCC reflete isso ao dar ênfase ao ensino das especificidades da leitura e da escrita em ambientes digitais, entre outros. Os gêneros clássicos (conto, crônica, entrevista, notícia, tirinha, receita etc.) estão presentes no documento, mas este abriu espaço também a novos gêneros (como chats, tuítes, posts, e-zines etc.) e a textos multissemióticos e multimidiáticos, que consideram, além do escrito, imagens estáticas (fotos, pinturas, ilustrações, infográficos, desenho) ou em movimento (vídeos, filmes etc.) e som (áudios, música) – componentes que também atribuem significado à mensagem. Para os anos iniciais, cabe ao professor contribuir para a construção desse multiletramento e qualificar as produções e a utilização das ferramentas digitais, considerando também os aspectos éticos, estéticos e políticos.

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