PARA O GESTOR

Como organizar a formação da equipe no retorno às escolas

A atenção às condições socioemocionais de estudantes e educadores indica os caminhos para o planejamento e a reorganização do trabalho pedagógico. Saiba como gestores de diferentes etapas e regiões do País têm retomado o processo formativo em suas escolas

Ilustração de equipe docente e de gestão em sala de aula.
Ilustração: Rafaela Pascotto/NOVA ESCOLA

Identificar as demandas formativas dos professores é um desafio recorrente na rotina dos gestores escolares. Esse esforço se amplificou no retorno às aulas presenciais, já que existe muita angústia por parte dos docentes, em especial para lidar com as defasagens de aprendizagem dos estudantes. Basta notar um dos reflexos diretos da volta paulatina dos alunos: cada um deles tem diferentes lacunas e demandas e se integrou à turma em momentos distintos. 

“A cada dia o professor abre a porta para mais um aluno entrar nessa viagem, e ele está entrando atrasado, só que almeja o mesmo destino... Isso exige um planejamento inclusivo, que selecione pontos importantes e convoque o estudante para tirar dúvidas no contraturno”, detalha Jacqueline Bezerra do Carmo Costa, diretora da Escola de Referência de Ensino Fundamental Laurindo Gomes, em Buenos Aires (PE). Ela começou a receber presencialmente os mais de 200 estudantes do 6º ao 9º ano a partir de maio deste ano. 

“O professor carrega muitas perguntas sem resposta. Temos promovido formações individuais por área para que ele prepare atividades diferenciadas e sinalize para o aluno que a construção do aprendizado é um processo. O momento exige menos cobranças e mais apoio”, diz a gestora, que aposta no trabalho colaborativo entre os docentes, para que ninguém se sinta isolado. O fortalecimento da autoestima, nessa hora, é importante tanto para o estudante quanto para o professor. 

“A tarefa do coordenador pedagógico é entender se os professores têm consciência da importância do engajamento e da necessidade de um planejamento minucioso para conquistar ou reconquistar os estudantes na retomada das aulas”, diz a consultora deste box, Sônia Guaraldo, doutora em Educação pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), que tem experiência como coordenadora pedagógica, diretora de escolas públicas e secretária de Educação em Birigui (SP). A especialista preparou um roteiro e materiais para capacitar o coordenador pedagógico e o diretor para que compreendam seu grupo de professores e suas dificuldades, organizem momentos formativos, discutam sobre como os docentes deverão lidar com os níveis diferentes de aprendizagem apresentados nas avaliações diagnósticas e façam escolhas de acordo com a observação da situação socioemocional dos alunos (confira os outros conteúdos desse box).

Diagnóstico, construção conjunta e monitoramento

Segundo Sônia, há três pontos que a equipe gestora não pode deixar faltar nos encaminhamentos de uma formação desse tipo: 

1. Diagnóstico: É preciso reunir informações para conhecer o grupo de professores e de estudantes e compreender o que é necessário para propor e construir a formação. 

2. Construção conjunta: Vale reforçar que os momentos formativos não podem se desvincular do fazer concreto dos professores e orientar que o trabalho seja feito em uma perspectiva colaborativa. As ações devem ser embasadas por referenciais de pedagogia e leituras prévias, para que o grupo faça as ligações entre teoria e prática e se dedique ativamente às dinâmicas dos encontros.  

3. Monitoramento: As ações que devem ser colocadas em prática em sala de aula precisam ser fruto das reflexões conjuntas produzidas pelas ações formativas promovidas na escola.  Informações como o planejamento e a autoavaliação dos alunos precisam ser acompanhadas para identificar resultados na aprendizagem ao final do bimestre/semestre ou a necessidade de utilizar novas estratégias de ensino.    

Josiane Gomes de Freitas, coordenadora pedagógica da SEMEB Manuel Bandeira, em Itapevi, na região metropolitana de São Paulo, explica que sua escola fez uma sondagem geral do 1º ao 5º ano para entender as principais defasagens de conhecimento dos alunos. “Estruturamos um reforço para saná-las, mas os professores ficam bem preocupados, principalmente os que trabalham com as turmas de 4º e 5º ano, que passam por avaliações externas”, conta a gestora. 

No início da pandemia, a rede de Itapevi ofereceu formações sobre ensino híbrido e formas de ensinar. “Muitos não sabiam trabalhar com metodologias ativas, mas se aprofundaram e colocaram em prática o modelo que acharam mais adequado: sala invertida, rotação por estações”, relembra ela, que segue sugerindo atividades e conteúdos digitais e apoiando a revisão dos planejamentos. 

A escola tem 38 professores e 760 alunos, que retornaram de forma escalonada a partir de maio – alguns nos dias pares, outros nos ímpares –, seguindo os protocolos de saúde do município. 

Como gestores têm retomado a formação no contexto semipresencial

Em Rolim de Moura, cidade de 55 mil habitantes em Rondônia, as aulas presenciais só foram retomadas em agosto. Ainda assim, apenas 40% dos estudantes da EMTI Tancredo Neves vão até a escola. Os outros acompanham de modo remoto. “É uma nova adaptação com os professores, a coordenação pedagógica precisa fazer um bom alinhamento para que a sobrecarga de trabalho deles não aumente. Tentamos usar estratégias parecidas no ensino presencial e no online”, comenta a coordenadora pedagógica Maria Carolina de Oliveira dos Reis. 

Um exemplo: nas disciplinas de práticas experimentais, os procedimentos feitos pelos alunos no laboratório são gravados para serem apresentados posteriormente para os que estudam a distância, com direito a comentários e plantão de dúvidas do professor. A escola soma 450 estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental ao Ensino Médio; destes, 163 cursam o Ensino Médio em tempo integral, modelo implantado em 2020. 

“Muitos alunos ainda se sentem inseguros para retornar, outros estão trabalhando para ajudar as famílias que perderam renda na pandemia. O nosso maior desafio é restabelecer os vínculos com a escola, mas o projeto de educação integral, baseado na pedagogia da presença, ajuda bastante”, explica Carol. 

O estudante do EMTI segue um projeto de vida e escolhe um professor-tutor, que acompanha seu rendimento escolar e o acolhe (cada professor tutora entre 10 e 15 alunos). “Nunca tivemos tanta urgência em trabalhar com as habilidades socioemocionais e percebemos o quanto o gerenciamento das emoções impacta a aprendizagem”, diz a coordenadora, que cursa um MBA em neurociência e psicologia positiva. 

A especialista Sônia Guaraldo ressalta que essa urgência demanda, ao mesmo tempo, reconhecer as dificuldades dos professores em se trabalhar com essas habilidades de forma intencional e constante e, a partir delas, organizar momentos formativos para apoiar a equipe docente.

Funcionando também no modelo de Ensino Médio em Tempo Integral, o Centro de Ensino Médio Paulo Freire, em Araguaína (TO), recebe 50% de seus alunos em uma semana, e 50% na seguinte, em esquema de revezamento. São cinco aulas presenciais diárias e um roteiro de estudos quinzenal comum para quem está presente fisicamente ou estuda de casa. 

“No retorno, os professores estavam muito fragilizados, pois perdemos dois colegas para a covid-19. Mas, como nesse tipo de escola o acolhimento é constante, aos poucos o medo do contato foi superado”, conta Muriel Ferrer de Sousa, supervisor de gestão e orientação educacional no Centro. As atividades presenciais (nesse formato semipresencial ou misto) foram retomadas só em agosto e se notaram mudanças nos professores e nos alunos, consequências diretas da pandemia. 

“Os estudantes estão mostrando seu protagonismo. Essa semana, a professora precisou sair, deixou para eles o material para uma prática experimental de biologia. Quando voltou, a atividade estava feita e os relatórios prontos.” Sousa também notou que os professores hoje dão muito mais importância ao planejamento, até porque precisam atender quem está presente e quem está remoto. “Planejar e alinhar as iniciativas é a principal estratégia da equipe.”

Os educadores do CEM Paulo Freire também puderam conhecer melhor a situação dos estudantes – 55% dos familiares recebem até 1 salário-mínimo – e suas dificuldades. A questão do engajamento passou a ser analisada, mudando conceitos antes enraizados. 

“Ao corrigirem os roteiros de estudos e dar feedback aos alunos, os professores buscaram valorizar os feitos. Em vez de se prenderem a acertos e erros, passaram a ter interesse em tirar as dúvidas, estimulando as tentativas e os contatos e ressignificando a avaliação”, completa Muriel. São novas formas, mais empáticas, de acompanhar as aprendizagens, que podem ser trabalhadas por todos. 

Cabem aos gestores levantarem as questões mais relevantes e os desafios específicos de cada rede e convidar os professores para construir em conjunto novas estratégias para reconectar crianças, adolescentes e jovens com a escola.

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