Para pensar a prática

Como apoiar a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental

Esta mudança não precisa - nem deveria - representar uma ruptura. Entenda o porquê e como organizá-la

Animação mostrando a diferença entre os objetos e brinquedos usados na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.
Ilustração: Yasmin Dias/NOVA ESCOLA. Fotografia: Lana Pinho/NOVA ESCOLA

A entrada na escola de Ensino Fundamental é um momento muito esperado por crianças e famílias, mas que se não for organizado de modo cuidadoso pode representar uma ruptura. O ambiente, os professores, o modo como a sala e a rotina são organizadas são outros, por isso, é importante preparar as crianças para essa mudança e estar preparado para recebê-las. 

Considerando que, na maioria das vezes, as crianças passam a frequentar outra escola quando vão para Fundamental 1, é necessário que a gestão e os professores da instituição de origem e de destino se esforcem para organizar essa transição. Quando a mesma escola oferece as duas etapas, o diálogo fica mais fácil e a mudança mais tranquila, o que não isenta os educadores de planejarem a adaptação à nova fase. 

Uma ação prática que as escolas podem organizar é uma visita das crianças do último ano da Pré-Escola a uma escola de Ensino Fundamental. Nesse passeio, elas poderão observar o espaço em que irão estudar no ano seguinte (ou um similar ao que frequentarão), o modo como as carteiras são organizadas, a decoração da sala, os espaços de brincadeira e outros aspectos. Outra ação que pode contribuir para a aproximação é convidar um aluno do 1º ano para contar como é estudar na escola. 

Segundo Paula Sestari, professora de Educação Infantil da rede municipal de ensino de Joinville (SC), as dúvidas das famílias também precisam ser esclarecidas para que não haja expectativa equivocada sobre cada etapa. Ela conta que é comum os pais e responsáveis perguntarem se a criança deveria ter a leitura e a escrita mais desenvolvidas ao final da Educação Infantil. Para lidar com isso, a escola precisa estar preparada para explicar qual é o esperado para cada fase. "Às vezes, os pais questionam muito as brincadeiras, mas aos poucos vão vendo qual o sentido do brincar. O momento da pandemia foi importante para eles perceberem de perto, em suas casas, qual o sentido da Educação Infantil e entenderem que estamos estimulando aprendizagens importantes”, comenta a professora. 

Além disso, esta fase não é apenas uma preparação para o Fundamental, ela precisa ser vivenciada em sua totalidade. Nesse sentido, é importante valorizar as duas etapas e não considerar uma mais importante do que a outra. “As duas instituições têm de criar maior afinidade, entender suas dinâmicas e saber que a criança vem com um histórico que não pode ser desconsiderado”, explica Paula. Por isso, conversar com a turma e ver seu portfólio de atividades é essencial para o professor do 1º ano. 

Valquiria Regina Fagundes, professora na CEI Américo de Souza, na capital paulista, e mestre em Educação com enfoque na formação de professores de creche, defende que um ponto de atenção sobre a transição de etapas é o lugar que o brincar passa a ocupar na rotina das crianças. Para ela, por mais que a intenção não seja essa, mudanças bruscas na rotina e nas possibilidades de interação podem ser abruptas para a criança e para a família. “Em muitas escolas de Ensino Fundamental, o lugar da brincadeira restringe-se apenas ao momento do intervalo. Fora dele, a brincadeira não faz parte integrante do currículo”, comenta.

Segundo Valquíria, isso acontece porque a brincadeira deixa de ser considerada fundamental para a vivência infantil. “É preciso estabelecer esse processo de diálogo e respeito entre as redes para que a transição ocorra de forma que a criança seja respeitada, o que inclui continuar respeitando o brincar no currículo”, reflete a professora. “Os educadores estão dentro de uma estrutura que ainda é muito rígida quanto ao uso de tempos e espaços que se pode construir para as crianças nas escolas. Romper com isso é um desafio que a escola precisa encarar”, complementa.

Considerando que uma parcela das crianças vivenciou a Educação Infantil no modelo remoto, a transição ganha novos desafios. “Um fato é que elas perderam, sim, muitas oportunidades de convívio com outras crianças, o que foi um prejuízo social, mas o currículo da Educação Infantil é o cotidiano. Em casa, a infância não deixou de acontecer, apenas aconteceu de forma diferente”, comenta Elisiane Andreia Lippi, professora de Educação Infantil e assessora pedagógica. Por isso, é essencial que os professores de todas as etapas de ensino invistam mais nos momentos de interações, brincadeiras e conversas entre a turma.  

Apesar de muito necessária, a parceria entre escolas para organizar a transição pode ser difícil de ser concretizada quando não há um planejamento prévio. No fim do ano, é natural que a demanda de tarefas e eventos de todas as escolas aumente. Por isso, o contato entre instituições deve ser feito o mais cedo possível durante o ano letivo.

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