Após o conselho de classe: como apoiar os alunos que tiveram dificuldades em 2021
Tornar o estudante protagonista no processo de avaliação, pensar de forma ampla na recuperação de aprendizagens para 2022, consolidar ou construir uma nova relação com as famílias e ter sensibilidade sobre o tema da retenção são alguns dos pontos-chave para se estar atento
Considerando o contexto de ensino remoto e as dificuldades socioeconômicas intensificadas pela pandemia, muitos alunos tiveram dificuldades para continuar estudando. Os professores perceberam isso já no início das aulas remotas, mas o conselho de classe realizado no fim de 2021 deve deixar isso ainda mais claro. Para além das reclamações e lamentos, é imprescindível pensar em soluções para cada problema levantado durante o conselho.
Antes de tudo, é preciso que o próximo ano letivo comece com a equipe pedagógica já consciente da necessidade da mudança de perspectivas sobre a Educação. Para recuperar o que foi perdido em quase dois anos sem aulas presenciais, é preciso mais do que ações isoladas. Toda a escola tem de participar de um projeto institucional. O planejamento deve considerar o conjunto dos alunos, uma vez que a falta de vivência presencial na escola afetou a todos, mas é preciso levar em consideração que algumas famílias foram mais afetadas que outras.
Houve um aumento das desigualdades no país, muitas pessoas passaram ou ainda passam por dificuldades financeiras e emocionais graves e há alunos que perderam familiares próximos. A volta às aulas presenciais não resolveu todos esses problemas, portanto, é preciso ampliar e humanizar o processo de ensino e de avaliação para garantir o direito de todos à Educação.
Novas formas de ensinar, aprender e avaliar
Nos últimos dois anos, os professores perceberam a necessidade que os alunos entendessem melhor seu próprio processo de aprendizagem e conseguissem falar sobre ele, para que assim soubessem como cada um estava estudando em casa. De volta ao presencial, a escola pode investir nas rubricas para que a voz dos estudantes também seja considerada na avaliação. Para isso, é necessário esclarecer quais habilidades e competências serão avaliadas depois.
“O professor explica para os alunos quais são os processos que envolvem aprender um conteúdo e que a avaliação é apenas um deles? Se eu entendo que a avaliação é poder, eu burlo. Se entendo que é para o meu bem, para me ajudar, sou sincero”, diz Jane Reolo, coordenadora de projetos socioeducacionais no Instituto Unibanco e diretora aposentada da Rede Municipal de Educação de São Paulo.
Recuperação o ano inteiro
Para isso, os professores precisam contar com o apoio constante dos gestores, que precisam pensar em como ajudá-los a planejar e executar as mudanças necessárias. Além das funções burocráticas, os gestores precisam realizar formações, ajudar a planejar boas aulas e estratégias de recuperação baseadas em evidências.
“É muito importante que essa recuperação esteja no foco do professor de cada turma e considere todos os alunos. Não é só encaminhá-los para o professor de reforço e continuar trabalhando como sempre. É a ação do professor que está ali no dia a dia que vai impactar os estudantes. Não dá para tratar essa necessidade de modo simplista”, comenta Sônia Guaraldo, doutora em Educação, consultora pedagógica e especialista em formação continuada.
As estratégias utilizadas vão depender do apoio oferecido pela rede de ensino, da realidade e da necessidade da comunidade escolar. Além da mudança no planejamento das aulas, que deve considerar a necessidade de retomar conteúdos do ano anterior, algumas possibilidades de projetos de recuperação de aprendizagem envolvem ações, tais como: monitoria entre pares, plantões de reforço com professores específicos para isso e tutoria de docentes (para que cada um da equipe seja responsável e acompanhe de perto um número específico de alunos).
“A escola tem de montar um grande projeto de recuperação de aprendizagens e vivências que o coletivo perdeu, e isso não se resolve em apenas uma aula. Todos precisam admitir que tiveram perdas, mas que em 2022 vão, todos juntos, correr atrás. Ninguém pode ter vergonha de falar ‘não aprendi o que deveria ter aprendido durante a pandemia’”, comenta Jane.
Uma nova relação com as famílias
A relação entre escola e família nunca foi tão próxima como precisou ser durante a pandemia. Infelizmente, isso não significa que a comunicação entre docentes e responsáveis foi totalmente harmoniosa e de cooperação durante esse período. Considerando o que foi observado nos últimos dois anos, a equipe pedagógica tem de iniciar o ano de 2022 sabendo que há alunos com pais que os acompanham e outros que não recebem o apoio familiar necessário (por motivos diversos).
Uma preocupação deve ser a de manter o contato com as famílias que já deram um bom retorno durante a pandemia e procurar formas de se aproximar das que pareciam mais distantes. Afinal, para ter um bom desempenho escolar, é essencial que os estudantes contem com o apoio dos professores na escola e dos responsáveis em casa.
Ao longo do ano, a escola pode tentar estabelecer uma cultura de participação efetiva das famílias. Caso isso ocorra, futuramente as famílias podem ser convidadas a participar do conselho de classe, que é um fórum deliberativo. “Para que eu tenha pessoas que exerçam ação neste fórum, tenho que primeiro construir a cultura de participação em outros espaços de escuta e reflexão, como reuniões de pais e assembleias da comunidade escolar”, explica a coordenadora Jane.
Aprovação e retenção de alunos
O tema já era motivo de polêmica entre educadores muito antes da pandemia, mas agora é inegável ser preciso olhar com mais cuidado para a aprovação ou retenção de estudantes. Considerando que todos os professores tiveram inúmeras dificuldades para ensinar remotamente e que todos os alunos se viram em um processo de ensino-aprendizagem para o qual eles, seus professores e suas famílias não estavam totalmente preparados, é preciso considerar qual foi o conjunto de habilidades e competências que cada aluno deixou de desenvolver e se isso o impede de continuar o processo de aprendizagem no ano seguinte.
A reprovação não pode ter caráter punitivo. A depender dos critérios utilizados pela escola e do que ela planeja fazer ou não para recuperar as aprendizagens no próximo ano, se o aluno for aprovado com defasagem pode ter a continuidade do processo de aprendizagem prejudicado. Por outro lado, é preciso considerar o contexto do ano, as dificuldades, o esforço que ele pode realizar e o trauma que uma reprovação pode gerar. Isso pode ser mais difícil de lidar do que uma recuperação de conteúdos perdidos.
“Os gestores precisam tranquilizar os pais que têm essa ideia de 'se ele não aprendeu prefiro que reprove'. O próximo ano também vai ser atípico. No fim de 2021 precisamos saber o que eles aprenderam, não para punir e classificar, mas para repor isso no ano que vem e avançar. A escola tem de ser transparente sobre essas ações, sobre como está se organizando para 2022”, reflete Sônia.
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