10 respostas sobre Educação Inclusiva
De legislação à relações pessoais, respondemos às dúvidas mais comuns sobre inclusão
Embora a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas tenha avançado nas últimas décadas, muitos educadores sentem dúvidas e se preocupam sobre qual seria a melhor maneira de atuar com os cuidados, o currículo, a relação com as famílias e a legislação. Para responder a 10 dessas perguntas e apoiar o educador, conversamos com um time de especialistas no assunto. Confira:
1. A quais recursos uma pessoa com deficiência têm direito na escola?
A lei garante o direito a todos os recursos necessários para o aluno aprender. De intérprete de Libras a biblioteca em Braille, de profissionais de apoio a banheiros acessíveis, há uma infinidade de especificidades cobertas pela lei. O documento A Consolidação da Inclusão Escolar no Brasil 2003-2016, publicado pelo Ministério da Educação (bit.ly/consolidacao-mec), descreve cada item a que os alunos têm direito. Para fazer valerem esses direitos, a Nota Técnica nº 4, de 2014, prevê que a escola deve criar um grupo de estudo que reúna a gestão e o corpo docente e o professor de Educação especial da rede ou da própria escola (se ela tiver). É esse corpo técnico que vai avaliar pedagogicamente caso por caso e levantar quais são os recursos necessários. Cada rede possui trâmites próprios para formalizar essas solicitações, mas a escola tem respaldo legal para fazê-las com base na Lei Brasileira de Inclusão, de 2015.
2. As salas que tenham alunos com deficiência devem ser menores?
Não existe um número de alunos estabelecido para todo o país. Segundo o Guia Prático: O direito de todos à Educação, publicada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (disponível em bit.ly/guia-mpsp), a recomendação da Secretaria de Educação Especial do MEC é que “cada município deve ser capaz de estabelecer números e parâmetros específicos, sem que seja necessária a padronização dos sistemas educacionais”. Por isso, as normas que organizam a distribuição das matrículas podem variar. Mais importante do que o número de alunos por classe, entretanto, é a proporção de alunos com deficiência em cada turma. Não se pode, por exemplo, colocar todos os estudantes com deficiência numa mesma sala, sob o risco de reproduzir o modelo de salas especiais segregadas - que até se aplica em alguns casos, como o das classes bilíngues que trabalham com alunos surdos, mas não devem ser a regra. O guia do Ministério Público sugere que uma proporção adequada poderia tomar como referência o número de pessoas com deficiência na população geral, que gira em torno de 10%. Ou seja, numa sala com 30 estudantes, três seriam alunos com deficiência.
3. Um aluno com deficiência pode ser reprovado?
O aluno com deficiência está submetido às mesmas regras que qualquer outro, portanto, ele pode, sim, ser reprovado e receber notas baixas. O importante, porém, é não baixar as expectativas, exigindo deles o máximo, e repensar os processos de avaliação como um todo. “Currículo não é uma lista de conteúdos, mas tem a ver com as habilidades e competências que cada um desenvolve. Se a avaliação for conteudista, esses estudantes podem ficar em desvantagem, mas essa não é uma boa maneira de avaliar”, diz Biancha Angelucci, pesquisadora pesquisa de Políticas de Educação Especial da USP. Além disso, a avaliação precisa ser acessível e respeitar as funcionalidades do aluno, isto é, a forma com que ele se organiza no mundo. Por exemplo: um aluno surdo não pode ser avaliado em Língua Portuguesa da mesma maneira, pois, para ele, o português é uma segunda língua e é desenvolvido apenas na forma escrita.
4. Como se aproximar de uma família que não aceita o diagnóstico do filho?
É preciso ter muita sensibilidade para compreender que a chegada de uma criança com deficiência pode ser um golpe duro para alguns pais. “As famílias vivem uma espécie de luto quando se dão conta do diagnóstico, e é preciso compreender as dores delas”, explica Cristina Inafuku, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP e fundadora do Instituto Lugar de Vida, em São Paulo. Escutar atentamente as angústias dos pais e falar das potencialidades que o aluno apresenta podem ser caminhos interessantes para conduzir o diálogo. É importante, porém, não forçar a aceitação e não dar demasiado foco na doença.
5. O que fazer quando os pais não confiam na escola?
É normal que os pais de alunos com deficiência se sintam mais inseguros ao deixarem seus filhos na escola, especialmente quando as crianças têm condição de saúde mais frágil. Mais uma vez, o diálogo constante sobre o trabalho que será desenvolvido é fundamental. Leve os familiares para conhecerem todos os espaços da escola, apresente a equipe de funcionários - merendeiras, auxiliares de limpeza, funcionários da secretaria, por exemplo. Procure também contemplar as necessidades de saúde do aluno. Algumas escolas possuem agentes especializados em auxiliar esses estudantes com procedimentos de higiene, alimentação e até com algumas rotinas na administração de medicamentos - prescritos por profissionais de saúde, é claro. O importante é demonstrar que a escola se preocupa com a integridade física e moral do estudante, e que todos estão empenhados em garantir um ambiente sadio para todas as crianças, independentemente das condições.
6. Como lidar com alunos agressivos?
O primeiro passo é descobrir quais situações disparam esse comportamento, e isso pode variar muito de aluno para aluno. Alguns ficam estressados em ambientes barulhentos, outros podem se sentir pressionados a cumprir tarefas em um tempo muito curto, e assim por diante. Uma vez identificada a possível causa da crise, pense em estratégias para eliminá-la ou minimizá-la na rotina da escola, e analise os resultados obtidos. Também pode ser útil conversar com a família para saber se a agressividade também tem se manifestado em casa, e em quais situações.
7.Posso deixar o estagiário cuidando do aluno com deficiência?
Não. A responsabilidade pelo estudante dentro da sala de aula é do professor. O profissional de apoio, estagiário ou não e independentemente da formação, pode dar uma assistência geral ao docente, ajudando na preparação de materiais ou no trabalho em pequenos grupos de alunos, circulando por entre a turma. O papel do auxiliar, portanto, é facilitar a inclusão de todos, e não desenvolver atividades separadamente.
8.Qual é o papel do professor do Atendimento Educacional Especializado?
O nome do cargo pode variar de rede para rede, mas a função é basicamente a mesma. O professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um profissional, geralmente especializado em alguma deficiência ou em educação inclusiva, que auxilia o corpo docente da sala regular a fazer o diagnóstico pedagógico e a construir o planejamento de atividades a serem desenvolvidas. Parte do trabalho, portanto, é direcionada ao professor que convive com a criança diariamente, e não ao aluno. Em algumas redes, como a de São Paulo, o professor do AEE realiza atendimentos na sala de aula em dias e horários combinados. E, em geral, é esse profissional que desenvolve, no contraturno, atividades mais focadas em certos objetivos. As redes não são obrigadas a contratar um professor especializado para cada escola. Cada município ou estado tem autonomia para desenhar a estrutura do AEE conforme as necessidades e possibilidades locais.
9. Como ensinar Língua Estrangeira para surdos?
O professor pode aplicar a mesma estratégia válida para a Língua Portuguesa: limitar-se à expressão escrita da Língua Estrangeira ensinada, seja Inglês ou Espanhol. A Educação para surdos é considerada bilíngue porque a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é, como o nome diz, uma língua própria, distinta do português e própria do Brasil. Os americanos, por exemplo, possuem a American Sign Language (ASL), a sua própria língua de sinais. A Libras, portanto, não serve para comunicação com os estrangeiros.
10. Minha escola é cheia de escadas e não possui banheiro adaptado. O que fazer?
O Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) garante o dobro de verba por aluno para as matrículas de pessoas com deficiência, e o propósito disso é justamente garantir recursos para que a escola possa fazer investimentos em obras de acessibilidade e aquisição de equipamentos como a máquina de escrever em Braille, por exemplo. A gestão da escola pode consultar a Diretoria de Ensino ou a Secretaria de Educação à qual está ligada a respeito da aplicação dessas verbas. Outro ponto de atenção é o momento da escolha dos materiais didáticos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O catálogo do programa inclui obras didáticas e paradidáticas acessíveis, tanto impressas quanto em formatos audiovisuais. Cabe à escola incluir isso na hora de solicitar, com base nas necessidades da comunidade, os itens do catálogo.
Fontes: Eliana Cunha, coordenadora de Educação Inclusiva da Fundação Dorina Nowill para Cegos; Elaine Millmann, especialista em autismo do Centro Lydia Coriat, em Porto Alegre (RS); Cristina Inafuku, especialista em autismo do Instituto Lugar de Vida, em São Paulo (SP); Cristina Abranches, diretora do Centro de Atendimento e Inclusão Social (Cais) em Contagem (MG); Biancha Angelucci, especialista em política pública inclusiva da USP; A Consolidação da Inclusão Escolar no Brasil -2003 a 2016, do Ministério da Educação; e Guia Prático: O direito de todos à educação, do Ministério Público de São Paulo, 2012.
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