Para repensar a prática

Xeque-mate: use o xadrez para aproximar meninas e meninos da Matemática

O jogo cria espaço para as crianças atuarem de igual para igual, desenvolvendo raciocínio lógico e estratégico e a capacidade de resolver problemas

Ilustração de sala de aula com alunos em carteiras e a professora a frente explicando sobre xadrez
Ilustração: Paola (Papoulas Douradas)/NOVA ESCOLA

Elizabeth Harmon, a personagem principal da minissérie O Gambito da Rainha, da Netflix, ganhou o coração da garotada. Na história, a jovem enxadrista, genial e complexa, torna-se uma estrela do jogo e desafia os padrões da época. O sucesso da série foi tão grande que as buscas no Google pelo termo “xadrez” dispararam, atingindo o nível mais alto desde 2013. Para os professores, o jogo de tabuleiro pode ser uma oportunidade de trabalhar a Matemática de forma divertida, estimulando o gosto dos alunos pela área, em especial o das meninas, que costumam ser desestimuladas a seguir pelo caminho das Ciências Exatas.

“Não percebo uma diferença entre meninos e meninas em termos de desempenho ou interesse pela Matemática, para além das afinidades individuais de cada estudante. Mas as próprias escolas, muitas vezes, acabam produzindo uma diferença entre eles”, explica Maria Carolina da Silva Caldeira, professora no Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A docente vê esse processo ser construído quando um professor diz, por exemplo, que os meninos são inteligentes e as meninas são dedicadas ou ainda que os meninos são bons com contas e as meninas são boas com palavras. Às vezes, o educador reforça essas noções mesmo sem dizer nada, como quando atende mais às demandas ou incentiva a participação de um ou de outro grupo durante as aulas.

“É preciso atenção para não passar a impressão de que existem carreiras ou modos de raciocinar próprios de cada gênero. Romper com esses estereótipos pode ajudar a manter o interesse natural que as crianças nessa fase têm pela Matemática”, orienta Maria Carolina.

Diferentemente do que é comum observar em estudantes a partir do Ensino Fundamental 2, nessa etapa inicial a educadora percebe que todas as crianças demonstram, cada uma à sua maneira, alguma curiosidade em aprender sobre o universo dos números. Esse interesse, contudo, costuma ser minado aos poucos, quando a Matemática é reduzida a práticas muito mecânicas.

“O ensino da Matemática deve ser estimulado como um conhecimento construído historicamente e que pode ser utilizado como ferramenta para entender o mundo, e não para resolver uma lista de exercícios”, diz Maria Carolina.  

A potência dos jogos 

Tanto para promover a equidade quanto para tornar a aprendizagem mais significativa e lúdica, os jogos de tabuleiro, sobretudo o xadrez, podem ser boa opção. 

“O jogo, realizado com intencionalidade pedagógica, é um espaço em que as crianças atuam de igual para igual. No caso das meninas, ele estimula a autoestima e o pensamento independente, mostrando a elas o quanto são capazes e inteligentes”, afirma Isis de Melo Nicolau Lima, professora da rede estadual de Sergipe.

Já em relação às habilidades e competências matemáticas, os jogos podem contribuir para o aprendizado sobre o plano cartesiano, incentivar o raciocínio lógico, estratégico e abstrato, e a interpretação e resolução de problemas. Se a turma desejar confeccionar as peças e os tabuleiros, também pode aprender sobre formas geométricas, área, perímetro, retas, ângulos, divisão e números racionais.

Os jogos de tabuleiro também colaboram para o desenvolvimento integral das crianças, por promoverem a interação entre os estudantes, estimularem a criatividade e fazerem com que elas enfrentem o desafio de entender as regras e descobrir estratégias para vencer dentro das possibilidades criadas pelo jogo. 

O xadrez, em especial, contribui para os alunos compreenderem o impacto de suas ações na maneira do outro agir. “Serve para pensar em problemas do cotidiano, em que devemos escolher dentre vários caminhos possíveis, analisando os prós e os contras de cada situação, e as consequências que uma decisão ou outra vai acarretar”, analisa a professora Isis.

Como utilizar jogos nas aulas de Matemática

Para o primeiro ano, as especialistas recomendam utilizar opções como o jogo da velha, memória, trilha, dominó ou pega-varetas. Para o segundo e o terceiro ano, damas e bingo, em que os alunos devem encontrar o resultado de uma multiplicação, por exemplo, são uma boa pedida. Já o xadrez pode ser introduzido nos últimos anos do Fundamental 1.  

Na hora de escolher um jogo, o essencial é refletir e planejar o que deseja que os estudantes desenvolvam a partir dessa atividade. Pode ser uma habilidade de Matemática, mas também, conteúdos de outras áreas do conhecimento. 

Para explorar o potencial dos jogos na aula de Matemática, Maria Carolina recomenda: “Apresente ou construa com as crianças as regras, de forma clara e aberta para que elas façam perguntas. Durante o jogo, deixe os estudantes jogarem livremente e só faça intervenções se necessário. Depois da atividade, promova um debate para que eles reflitam sobre as estratégias utilizadas, o que deu certo ou não deu, porque esse processo é importante na construção do conhecimento matemático”.

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