Para refletir

Como a gestão democrática da escola pode ajudar no retorno às aulas presenciais

Saiba como uma gestão participativa pode tornar mais acolhedor o momento delicado de retorno, total ou parcial, às aulas presenciais

Ilustração abstrata de reunião entre docentes e familiares de alunos em sala de aula.
Ilustração: Tayná Marques/NOVA ESCOLA

No último ano e meio, a pandemia de coronavírus impactou todas as escolas do Brasil - sejam elas adeptas dos princípios da gestão democrática ou não. No entanto, a maior abertura ao diálogo, transparência e união de todos em torno da resolução dos desafios é capaz de tornar o momento do retorno às aulas presenciais, seja ele total ou parcial, mais acolhedor e sensível às questões trazidas pela comunidade escolar. 

“Acho que a escola na volta da pandemia não será a mesma. E é bom que não seja a mesma, porque era muito ruim. Não é normal um país que nunca sai do médio”, analisa Maura Barbosa, coordenadora pedagógica da Comunidade Educativa CEDAC, citando os resultados das escolas brasileiras em índices com o Ideb. “Veja o caso de Marabá, no Pará. A cidade tem 60 mil alunos na rede pública. E quando você olha para o Ideb, só 280 alunos se encontram no nível adequado! Claro que não foram todos os 60 mil que fizeram a prova, só os alunos do 6º ao 9º ano, mesmo assim é um quadro que não pode continuar. Precisa haver uma reviravolta.”


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Joice Lamb, coordenadora pedagógica da EMEF Adolfina J.M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS), prevê mudanças nas relações interpessoais na escola e também na atitude dos professores com relação às tecnologias. 

“Os adolescentes estão muito abalados. Nós temos muitos jovens que voltaram medicados, com depressão. E não são poucos. Temos 350 adolescentes na escola, e em torno de 10% deles estão indo a psicólogos, tomando medicação, há alguns casos bem graves, de jovens que não conseguiam voltar à escola, até tentativa de suicídio houve. A pandemia tem sido pior para os adolescentes do que para as crianças porque eles estão na idade de trocar um mundo de coisas entre si e se viram obrigados a ficar isolados, todos no celular. E as relações na internet nem sempre são saudáveis”, reflete.  Por outro lado, a tecnologia para comunicação parece que veio para ficar.


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“Descobrimos que é possível fazer boas reuniões e até dar boas aulas pelo Google Meet, ou com alguma ferramenta parecida. Esse foi um ganho. Claro que não dá para ser sempre virtual, nós precisamos também do contato humano, mas houve uma aceleração no uso da tecnologia, até porque era isso ou nada”, comenta Joice. “A escola, que sempre foi arredia ao uso da tecnologia, precisou aceitar. E esse cenário não vai mudar, ele veio para ficar.”

Já Lúcia Cortez, de Manaus (AM), acredita que a escola em que atua como diretora esteve mais preparada para lidar com os problemas graves trazidos pela crise e pela pandemia. 

“Com todas as dificuldades, já tínhamos tirado o foco do professor na sala de aula e estávamos explorando diversos territórios novos de aprendizagem. As crianças agora têm mais autonomia para pesquisar, esse modelo de gestão democrática, participativa, facilita muito a aprendizagem. Tivemos muita sorte de termos iniciado esse processo lá em 2016”, reflete.

Leia, a seguir, três pontos em que os princípios da gestão democrática podem ser apoio no retorno às atividades escolares em 2021. 

1. Solidariedade e união como caminho para superar as adversidades 

Além de decidir coletivamente que nenhum aluno ficaria para trás, sem celular ou acesso à internet, Lucia Santos, diretora da EMEF Professor Walter Garcia, Manaus (AM), lembra que a realidade social agravada pela crise econômica e sanitária ficou em primeiro plano. 

Ao levarem os equipamentos para as crianças, a comunidade escolar percebeu outro problema: a fome e o tamanho da vulnerabilidade das famílias dos alunos. A escola recebe muitos refugiados que, ao longo da pandemia, perderam as fontes de renda e passaram a viver em abrigos. 

“Essas crianças que antes da pandemia tomavam café, lanche, almoçavam e depois tomavam outro lanche que já era quase uma janta na escola, passaram a não ter o que comer, porque seus pais, que na maioria são refugiados e vivem de vender coisas no Centro, perderam as fontes de renda, não conseguiam mais pagar aluguel e precisaram voltar aos abrigos”, relata. Quem estava na escola uniu-se para fornecer cestas básicas para as famílias no vácuo do poder público. “Nos mobilizamos então para, além de entregar os equipamentos, fornecer cestas básicas para essas famílias, porque o poder público demorou muito a agir, levou meses, e a gente não podia deixar as crianças com fome.”

De maio a dezembro de 2020, a escola decidiu abrir os portões para acolher as crianças em situação de maior risco. Os pais precisavam voltar a trabalhar e não tinham com quem deixar os pequenos. “Foi muito difícil ver essas crianças passando fome e sem ter onde ficar! Conseguimos alguns voluntários, inclusive professores, que ficaram trabalhando na escola até perto de dezembro, quando precisamos fechar porque daí Manaus virou um caos”, conta Lucia. Entre dezembro de 2020 e início de 2021, a capital amazonense viu o sistema de saúde colapsar, inclusive com falta de oxigênio nos hospitais para atender aos pacientes. Hoje, mesmo com todas as dificuldades, a escola voltou a respirar: com máscaras e distanciamento, as assembleias e o espírito de união continuam parte da rotina. “Acho que a pandemia veio nos mostrar que a escola precisa ser esse espaço cada vez mais humano e humanizador. Porque a escola é feita de gente, não de parede de tijolos. Os processos precisam estar a favor das pessoas, não as pessoas a favor dos processos. A pandemia obrigou todos na educação a repensarem suas práticas pedagógicas.”

2. Transparência e comunicação com a comunidade escolar 

Para Maura Barbosa, formadora do Cedac, um possível resultado da pandemia na maneira de os diretores gerirem o espaço escolar é lidar com mais humanidade no trato com aqueles que acessam a escola. 

“A pandemia mostrou que muitos pais se sentiam excluídos da escola por uma série de razões, e será preciso repensar a comunicação com a comunidade. É preciso romper o silêncio. Os pais vão para a escola e ficam em silêncio. Existe um silêncio velado na escola e é preciso provocar o movimento, trazer os problemas e pensar junto para romper esse silêncio. Agora, por exemplo, com a pandemia, falar em conteúdo significa falar em acesso à tecnologia, e isso é ser democrático”, reflete ela. 

Lucia Cortez, diretora da EMEF Waldir Garcia, em Manaus, conta que a primeira decisão em grupo tomada pela escola durante a pandemia foi garantir que todos os alunos estivessem conectados. Afinal, como manter a rotina de assembleias a distância quando havia crianças que nem tinham celular? Sem recursos para garantir o acesso, professores e familiares organizaram uma vaquinha para comprar 27 aparelhos de celular e colocar internet nas casas sem conexão.

O acolhimento também passa a ser um conteúdo da gestão neste momento. Será preciso acolher, e não só os alunos, os professores e os funcionários: aqueles que estão na direção da escola também precisam de respaldo e acolhimento. “O diretor, para que ele possa acolher bem a sua equipe, também precisa de respaldo neste momento, precisa ser acolhido. Há os protocolos de segurança, mais do que nunca é preciso ter clareza de que estamos falando de preservação da vida. E as pessoas estão voltando fragilizadas, umas mais e outras menos, mas a pandemia mexeu com todos”, diz Maura.

3. Atenção para não retroceder na participação de todos

Joice Lamb lembra-se de que, antes da pandemia, as relações de trocas entre alunos e professores da EMEF Adolfina J.M. Diefenthäler eram muito intensas. Isso, no entanto, não impediu que eles também sofressem as consequências do isolamento do ensino remoto emergencial. 

“Quando retornamos, isso aconteceu em turmas pequenas, isoladas, e todo aquele movimento mais participativo recuou”, conta ela.

Além disso, o discurso de que os alunos estão com grandes perdas na aprendizagem e que é preciso recuperar o tempo perdido o quanto antes levou os professores a tentarem corrigir essas perdas de maneira conteudista, deixando de lado as propostas colaborativas.

“Pedagogicamente, acho que houve um retrocesso na pandemia. A mídia fica martelando que os alunos tiveram grandes perdas de aprendizagem. Daí, quando chegamos na escola os professores querem corrigir essas perdas com práticas mais conteudísticas, dando um monte de exercícios para os alunos fazerem sozinhos. Retornamos, infelizmente, alguns passos na educação nesses dois anos”, reflete a coordenadora.

“Foi bem difícil, principalmente no começo da quarentena, porque estávamos acostumados a ter os pais sempre presentes na escola. Foi preciso aprender a trabalhar à distância sem voltar à carga de conteúdos do formato tradicional”, diz Lucia. “Como a escola já estava trabalhando com protagonismo, com roteiros de estudo e metodologias ativas, isso foi meio caminho andado na hora do ensino on-line.”

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