Para refletir a prática

Anos Finais: o desafio de reconquistar os alunos

Promover espaços de escuta e construir estratégias para envolver os alunos no processo de aprendizagem serão essenciais para garantir a permanência dos jovens na escola

Ilustração animada de alunos do ensino fundamental 2, compartilhando fones de ouvido, em momento de acolhimento.
Ilustração: Yasmin Dias/NOVA ESCOLA

Resgatar o sentido da escola para estudantes dos Anos Finais já era um desafio colocado aos educadores desde antes da pandemia. Os pré-adolescentes e adolescentes, de 11 a 14 anos, são alunos mais autônomos, com poder de decisão, e que, apesar da maior habilidade digital para participar do ensino remoto emergencial, compõem faixa etária crítica na retomada às aulas presenciais. 

Segundo relatório global apresentado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em janeiro, um em cada dez estudantes brasileiros de 10 a 15 anos afirma que não planeja voltar às aulas assim que sua escola reabrir neste ano letivo. Em novembro passado, o estudo intitulado Permanência Escolar na Pandemia, feito pelo centro de pesquisas educacionais Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) e pelo Comitê de Educação do Instituto Rui Barbosa (IRB), já apontava que ao menos um em cada dez alunos do 9º ano estava em risco de evasão.

“Esse aluno vai precisar gostar da escola para voltar em 2022”, analisa Sônia Guaraldo, formadora de gestores escolares. “Precisará ser reconquistado, ser instigado a sentir prazer por aprender, ser seduzido pelo conhecimento”, completa. Há um longo caminho a ser percorrido, que já começa com as especificidades trazidas pelos estudantes que iniciarão o 6º ano em 2022. “São praticamente os mesmos alunos do 3º ano, ou seja, com conhecimentos daquele ano que foi o último em que tiveram contato com a escola de forma mais regular, antes da pandemia”, aponta Sônia.

Para essa turma, a nova etapa de ensino demanda a adaptação a uma nova escola, já que a estrutura de ensino muda drasticamente, com os conteúdos divididos por componentes curriculares e o relacionamento com professores diferentes para cada uma delas. Ou seja, uma escola que exige mais responsabilidade e autonomia do estudante.

No acolhimento dos alunos do 6º ano, a escola precisa transmitir com clareza essa nova divisão de componentes para que eles entendam a nova rotina. “Vale abrir rodas de conversas frequentes para que possam falar abertamente sobre as expectativas, tudo pelo que passaram na pandemia e também tirar dúvidas sobre essa nova estrutura”, recomenda Angela Di Paolo, professora de Pedagogia e Psicopedagogia do Instituto Singularidades.

Pacto coletivo da escola

As dificuldades são ainda maiores para esses alunos que estão mudando de etapa porque, em muitos casos, eles trazem na bagagem deficiências ligadas à alfabetização (leia mais a respeito desse ponto aqui). “Para 2022, são necessários investimento e apoio de todos os professores para garantir a autonomia de leitura e escrita do estudante de 6º ano”, afirma Walkiria Rigolon, formadora de professores e de coordenadores pedagógicos.

Para Sônia, a mobilização precisa contar com o envolvimento central da direção e da coordenadoria pedagógica: “Gestores têm papel fundamental na organização dessa estratégia coletiva e também na missão de engajar os professores”, reforça.

Outro caminho de acolhimento pedagógico para o momento é o comprometimento dos educadores em um amplo trabalho em torno dos processos e procedimentos de estudo para contemplar todos os estudantes dessa etapa de ensino. “Como eu ensino o meu aluno a estudar? Para cada ano, a escola pode pensar em processos diferentes”, alerta Walkiria, e exemplifica: pedir que os alunos façam anotações enquanto o professor fala ou um vídeo é transmitido, grifar trechos importantes em um texto, detalhar os passos de uma pesquisa e fazer fichamentos e resumos, entre outras estratégias. "É importante criar situações em que eles possam treinar esses procedimentos, com atividades para ajudar a refinar o olhar para o texto e, assim, apoiar o estudante a desenvolver um artesanato intelectual que é fundamental para aumentar a capacidade de estudo ao longo da vida escolar”, indica.

Os processos de estudo poderão ajudar também no seu relacionamento com os colegas, ainda mais se forem feitos coletivamente, em grupos, como pretende reforçar em suas aulas a professora Bárbara Munhoz de Freitas, que ministra História para turmas dos Anos Finais no Colégio Mater Amabilis, em Guarulhos (SP). “Na retomada às aulas em 2021, era perceptível entre os alunos uma diminuição na capacidade de resolver conflitos, de lidar com frustrações e de serem empáticos. Os trabalhos em grupo ajudam na percepção de que existem outras opiniões e colaboram na formação da própria personalidade do estudante”, afirma.  

A professora sugere a realização de atividades coletivas para discutir angústias, anseios e desejos e estimular a identificação e a empatia entre os alunos. A seguir, o passo a passo da proposta.

divisória de atividade

Atividade: roda de conversa para falar de sentimentos

Coloque a turma para compartilhar angústias e dificuldades acumuladas nos anos de pandemia


Indicado para: Anos Finais 


PASSO A PASSO

1. Reúna a turma e convide-a para realizar a atividade. Proponha aos alunos que façam uma reflexão de como foram os últimos anos, com ensino remoto emergencial e uma série de mudanças no país e no mundo. Peça que escrevam, com letra bastão e com a mesma cor de caneta (para aproximar as escritas de todos), angústias e dificuldades que eles tiveram nesse período.

2. Recolha os escritos e os classifique. Agrupe as informações em categorias, de acordo com o contexto delas: questões relativas à escola, à saúde (medo de contaminação, por exemplo), a perdas familiares e assim por diante.

3. Divida os alunos em grupos. Distribua os escritos de maneira que todos os grupos recebam uma angústia ou dificuldade relativa a cada uma das categorias.

4. Coloque-os para refletirem. Sugira que os grupos pensem, em conjunto, sobre quais conselhos dariam para a pessoa que escreveu aquela angústia/dificuldade. A ideia é oferecer uma oportunidade de acolhimento sem expor individualmente os alunos.

5. Promova um debate coletivo. Para finalizar, convide a turma a compartilhar os conselhos, garantindo que cada grupo apresente ao menos uma das propostas construídas por eles. Faça a mediação da conversa, apontando as similaridades de dores e angústias e ressaltando as sugestões de apoio. Um dos objetos é levá-los a refletirem: se eu sei que o outro tem dores parecidas com as minhas, por que não o trato como gostaria de ser tratado?

divisória de fechamento

Mais sobre esse tema