Matemática: Jogando para ganhar na aprendizagem
A palavra "lúdico" faz parte do vocabulário de todo o professor, mas não basta trazer a brincadeira para a sala de aula: é preciso ter os objetivos sempre em mente
Quem olha de fora pode achar que é bagunça: alunos conversando, rindo, às vezes até gritando. Mas não é nada disso, essa cena significa que uma aula de Matemática está acontecendo para a turma da professora Patrícia Alves Rodrigues, que dá aulas para o 3º ano da EE Constâncio Vieira, em Estância (SE). No último ano, a docente passou por formações que deram a ela pontos extras nas suas aulas e ajudaram a incluir os jogos de maneira mais orgânica. "Também recebemos materiais didáticos que propõem jogos para o início de todas as unidades de trabalho", conta a docente.
Você também, professor, já deve ter recorrido a jogos em suas aulas. A estratégia não é nova. O uso do "lúdico" para potencializar o ensino e a aprendizagem aparecem na fala de quase todo professor. "Antigamente, o jogo era um passatempo. O professor levava quando sobrava algum tempo na aula", lembra Fabrício Eduardo Ferreira, professor da rede municipal de Pindorama (SP) e mentor do Time de Autores dos planos de aula NOVA ESCOLA.
Mas esse recurso pode ser valioso para as aulas e até substituir outros recursos. "Em vez de se apresentar uma lista de exercícios ou problemas repetitivos, o professor pode levar um jogo", sugere Fernando Barnabé, diretor da rede Trilhas do Saber e da Edu.co Ensino Consultoria (leia entrevista completa com ele).
Ao selecionar um jogo – ou adaptá-lo –, é importante considerar, portanto, que os desafios enfrentados ao jogá-lo precisam estar relacionados às habilidades que estão sendo desenvolvidas, de acordo com o currículo. "O jogo é uma situação-problema não convencional", explica Flávia Cury, professora do 4º ano e assessora de Matemática para anos iniciais do Colégio Vital Brazil, em São Paulo. E assim como toda situação-problema, ele deve ser desafiador para os estudantes e ajudá-los a avançarem em seus conhecimentos.
A hora do jogo
Ao se planejar uma sequência didática, jogos podem entrar em diferentes momentos. "Ora ele é um disparador, ora ele vai ser uma forma de sistematizar determinado conteúdo", explica Flávia.
Nas aulas da professora Patrícia, os jogos são utilizados para iniciar sequências didáticas. Um exemplo é o Super Trunfo dos Dinossauros (baixe ele aqui). Para ganhar a competição, feita em duplas, os alunos precisavam comparar características desses animais pré-históricos, como peso e tamanho. "Muitos se deparavam com a necessidade de confrontar quilogramas com toneladas e isso criava um problema que eles precisavam resolver para descobrir quem ganhava", conta a educadora.
Há outros momentos, em que jogos podem ser utilizados para que estudantes coloquem em prática conhecimentos que já possuem – e consigam aprofundá-los, é claro. Um exemplo é o bingo da Tabuada, realizado por Flávia com suas turmas (conheça aqui as regras). Nele, a professora costuma chamar resultados de multiplicações e os estudantes devem procurar, nas cartelas, as contas que chegam àquele número. Nesse processo, exercitam o cálculo mental e a memorização da tabuada, mas não apenas. "Quando discutimos o jogo e compartilhamos estratégias para ganhá-lo, as crianças pensam em regularidades ligadas à tabuada", explica a professora.
Patrícia também vê a importância de usar o jogo como forma de avaliação, diagnóstica ou não. "No começo ou fim de sequências didáticas, é normal a gente perguntar o que os alunos conhecem sobre um tema, mas quando damos um jogo, eles precisam colocar isso em prática e conseguimos ter uma ideia melhor", diz.
Jogar na escola ou por diversão
Para Patrícia, outra grande mudança na maneira como os jogos são utilizados ocorreu ao conhecer melhores estratégias para realizar esse trabalho com a turma. Esse aprendizado se deu por formações realizadas pelo grupo Mathema com professores da rede onde ela trabalha.
Um dos pontos destacados foi a importância de jogar mais de uma vez. "A primeira é só para que as crianças se familiarizem com as regras e conheçam o jogo", explica Flávia. Nas vezes seguintes, normalmente feitas em outros dias de aula, os estudantes vão se aprofundando e entram em cena novas estratégias, tais como a discussão e o registro. "O professor deve pensar em quais temas poderão ser debatidos durante ou ao final do jogo e também pedir para que os alunos desenhem ou anotem informações", defende Fabrício. Essas estratégias destacam a intencionalidade do professor ao promover a prática.
Comportamento e desenvolvimento de competências
A resistência à adoção de jogos pode se dar por uma série de motivos. O primeiro deles se dá por conta da organização da sala. "Já ouvi relatos de gestores que ficavam assustados, acreditando que a turma estava bagunçando", conta Fabrício Teixeira. Constatações assim são comuns no uso de diversas metodologias ativas, porque rompem com a lógica de professores falando e alunos quietos e enfileirados. É claro que, às vezes, os estudantes podem exagerar e surgem conflitos ou excesso de barulho. "Com o tempo e com o hábito, os estudantes se acostumam a jogar", explica o formador.
O uso de jogos, inclusive, é poderoso para abordar – além das habilidades previstas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – também algumas competências gerais e específicas: em jogos, eles precisam trabalhar em colaboração, resolver conflitos, solucionar problemas e argumentar sobre as estratégias usadas. É claro que, novamente, é preciso ter esses objetivos em mente. "Há momentos em que podemos avaliar mais atentamente questões comportamentais ou relacionais, em vez das ligadas aos conteúdos", conta Flávia Cury. O professor também pode dedicar momentos exclusivos para discutir as regras, combinados para o bom comportamento durante o jogo e resolver conflitos. "Em alguns jogos, antes de iniciar, eu faço um combinado com a turma sobre quantas rodadas faremos antes de encerrar", exemplifica Patrícia.
Aula ponto a ponto
1. Defina objetivos: tenha em mente quais habilidades do currículo e quais os objetivos de aprendizagem precisam ser trabalhados.
2. Selecione os jogos: encontre opções que apresentem desafios ligados aos seus objetivos de aprendizagem. Também é possível adaptar jogos que você já conheça para que se relacionem com suas habilidades.
3. Encaixe em seu planejamento: pense se o jogo poderá ser utilizado no início, como um disparador, ou no meio de uma sequência didática, como maneira de retomar e aprofundar conhecimentos. Em todos os casos, ele precisa ser desafiador, e não apenas um treino.
4. Jogue – e bastante: permita que os estudantes joguem várias vezes, apropriando-se das regras e criando, gradativamente, estratégias matemáticas que os ajudem a ser cada vez melhores jogadores.
5. Amplie o foco: pense em competências ligadas à convivência, ao pensamento crítico e à argumentação que possam ser trabalhadas com o mesmo jogo e estabeleça momentos e estratégias que as tenham como foco.
Mais sobre esse tema