Assembleias de classe e assembleias docentes: como fazer
Veja como implementar a prática, passo a passo, rumo a uma escola mais saudável e acolhedora
O que abordar: Questões de relacionamento interpessoal são prioritárias, mas a temática das assembleias de classe é livre, criada a partir da apuração das críticas e dos elogios da semana.
Material: Dois recipientes fechados com inscrições “Eu critico” e “Eu felicito”; papéis avulsos para escrita por parte dos alunos.
Espaço: Sala organizada em um grande círculo.
Duração: Uma aula semanal, em horário e dia definidos em comum acordo entre o professor e sua turma.
Estamos todos de acordo?
"O primeiro passo é colocar todos os envolvidos em concordância com a adoção das assembleias", faz questão de ressaltar a educadora Flávia Vivaldi, integrante do Gepem e especialista em Relações Interpessoais e Desenvolvimento da Autonomia Moral na escola: “A escola não pode cometer o erro de iniciar uma proposta como essa sem ter, inicialmente, a anuência dos alunos, dos professores e dos funcionários. Há um processo de sedução, principalmente entre os alunos, para se criar esse espaço de diálogo”, ressalta.
As assembleias de classe são indicadas para o Ensino Fundamental I e o II e para o Ensino Médio. “Na Educação Infantil existem as rodas de avaliação do dia, mas não se indica a criação de assembleias, até porque as crianças nessa faixa etária não conseguem coordenar tantas perspectivas como as demais, pois ainda estão aprendendo a escutar”, explica Flávia. Mas, claro, as assembleias docentes, sim, fazem o mesmo trabalho saneador das relações que nas outras etapas de ensino, o que explica a expansão do projeto em Artur Nogueira para incluir na formação os professores desta etapa.
Nesse período preparatório, quando a escola será apresentada ao mecanismo “Eu critico” e “Eu felicito” proposto pela metodologia do Gepem, ou seja, às caixas/latas/urnas que receberão anonimamente as manifestações que, depois, serão discutidas por todos nas assembleias de cada turma, também acontece a eleição dos alunos responsáveis pela confecção das atas.
“Paralelamente, é preciso que a escola se prepare para realizar as assembleias docentes também, porque quando se cria esse espaço de diálogo entre os alunos, eles começam a apontar algumas fragilidades da escola. Ainda que haja a regra de não se falar nomes, eles começam a denunciar a qualidade da aula, até mesmo o empenho de algum professor, além de questionarem o significado que dão para algumas aulas. E isso precisa ser cuidado para que esse professor criticado não se sinta traído pelo colega”, alerta Flávia.
A periodicidade das assembleias é diferenciada. Mensal para as dos docentes e semanal para as dos alunos. E com o compromisso, por parte do professor, de realizá-las sem falha, para que esse espaço em criação se torne legitimado pela turma. A pesquisadora do Gepem destaca que as assembleias de classe e as assembleias docentes não devem ser vistas como espaço de resolução de conflitos, embora eles muitas vezes sejam resolvidos ali: “A assembleia é um procedimento que, mais do que tudo, promove o exercício do diálogo, a escuta respeitosa, o turno de fala. É um procedimento de desenvolvimento de habilidades sociais, muito mais do que de resolução de conflitos. É claro que muitos conflitos são resolvidos ali, mas o objetivo principal é ser um espaço democrático de diálogo”, ressalta a pesquisadora.
As assembleias de classe
A cada semana, o professor coleta o conteúdo com críticas e elogios anônimos e prepara a pauta, levando em consideração alguns critérios. “A pauta da assembleia é feita previamente, na semana que antecede, a não ser que ocorra algum fato extraordinário. Ela é definida a partir dos comentários, e o professor, em conjunto com os alunos, faz uma hierarquização de importância dos temas, em termos de valor”, explica Flávia. E exemplifica: “Se vários temas colocados abordam a questão do valor da justiça que está sendo ferido, o professor pode agregar as críticas ou comentários relacionados a esse valor. E é preciso hierarquizar. Por exemplo, uma questão moral deve sempre ter prioridade nas assembleias em relação a uma questão material. Todos os temas devem ser debatidos, mas em ordem de importância”.
Nas assembleias, o professor deve conduzir as discussões a partir de perguntas ao grupo, trabalhando como um mediador. “Ele precisa fazer com que os próprios alunos reflitam sobre as questões trazidas. Para isso, ele tem algumas perguntas básicas que faz para a assembleia: ‘Por que isso acontece? Como isso acontece? O que podemos fazer para que isso não aconteça novamente?’ Esses são questionamentos norteadores para se refletir a respeito de todo tipo de conteúdo”, explica Flávia Vivaldi.
“Na medida em que você faz as indagações, vai vendo uma mudança de comportamento porque eles começam a olhar a situação de uma maneira diferente. Muitas vezes as crianças não têm maturidade para entender que tal ação é um conflito. A partir das críticas, há a percepção de que aquilo existe”, testemunha a professora Ariane Tagliaferro, destacando ainda que o caminho pela frente permanecerá cheio de obstáculos. “O conflito vai acontecer sempre. As pessoas acham que ao introduzirem as assembleias os conflitos vão acabar. Mas isso não acontece porque ele é inerente ao ser humano. Onde há mais de dois, há conflito. A questão é como ele pode ser resolvido. É um processo longo, mas eu já observo mudanças. Quando um de meus alunos diz: ‘Não é assim que se resolve, você precisa dizer pra ele que não gostou...’, eu vejo que as assembleias estão fazendo efeito. Elas são úteis porque nos fazem refletir sobre as nossas ações”, sintetiza.
A metodologia criada pelo Gepem adota os livros escritos por Luciene Tognetta, ela própria educadora integrante do grupo, como O medo da Bia ou A história da menina e do medo da menina. Há também livros que são usados nas formações com os docentes, o Passo 3 neste processo, como Respeito é bom e eu gosto!, Quando ajudar é preciso, Valores sociomorais, Da escola para a vida em sociedade e Uma balança para as virtudes, todos publicados pela Editora Adônis, bem como kits para educadores.
As assembleias docentes
Elas têm o mesmo objetivo que as assembleias de classe dos alunos. Ou seja, abrir um espaço democrático para os professores compartilharem questões de interesse coletivo que possam ser melhoradas. E o procedimento é o mesmo: a partir das críticas ou felicitações escritas pela equipe docente, a pauta é montada pelo coordenador da assembleia. Essa pauta precisa contemplar tudo aquilo que foi apontado como problema. “Geralmente, na pauta dos professores a maioria das questões tem a ver com o relacionamento entre os colegas”, explica Flávia, que também recomenda que o coordenador das reuniões docentes não seja alguém da direção da escola, para não gerar constrangimento quando surgirem críticas à gestão.
As assembleias escolares
Há ainda nessa metodologia um passo seguinte, mais abrangente: as assembleias escolares, envolvendo toda a comunidade escolar, o que inclui os funcionários e, na sua versão mais expandida, as famílias dos alunos. É o que defende o educador espanhol Josep María Puig, o mais reconhecido estudioso do tema, bem como seu principal parceiro de estudos no Brasil, Ulisses Ferreira de Araújo, da USP. “Geralmente, as escolas não conseguem atingir o terceiro estágio, das assembleias escolares, ficando nas assembleias de classe e nas docentes. Mas isso já é um grande avanço”, salienta Flávia.
PASSO A PASSO
1. Detalhar para alunos e professores a proposta de criação de espaços de fala e escuta, buscando a adesão de todos.
2. Obtida a adesão, definir um aluno (ou uma lista deles) para a função de redator da ata da assembleia de classe.
3. Instalar urnas ou caixas coletoras dos comentários (“Eu critico”/“Eu felicito”) em cada classe.
4. Elaborar a pauta da assembleia a partir das demandas dos alunos.
5. No momento da assembleia, levantar as questões e promover o debate sobre elas, lembrando que algumas podem ser novamente objeto de atenção na reunião seguinte.
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