Educação Infantil: como as competências gerais da BNCC relacionam-se com a etapa
A complexidade – e a riqueza – dessa etapa entrelaça de forma tão orgânica os campos de experiência e os direitos de aprendizagem que pode ser difícil notar onde estão as competências gerais. Mas basta um olhar atento para entender que tudo faz sentido
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta para a capacidade das crianças em utilizar os saberes que adquirem ao longo da vida para lidar com os desafios do dia a dia. Esta propõe um desenvolvimento integral das crianças, levando em conta aspectos sociais, emocionais e culturais. Na Educação Infantil, perceber como as dez competências gerais da BNCC concretizam-se pode ser algo mais complicado. Mas um olhar atento sobre os direitos de aprendizagem e os campos de experiência instituídos pelo documento mostra que há muito – muito mesmo! – das competências gerais na concepção de Educação Infantil da Base.
De acordo com Beatriz Abuchaim, gerente de Conhecimento Aplicado na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, entidade focada no fortalecimento da Educação Infantil no Brasil, as competências gerais formam um norte necessário para o professor, ainda que o documento não se refira explicitamente à primeira etapa da Educação básica. “De fato, o texto da Base, como está, não oferece uma correspondência tão direta da elaboração da Educação Infantil a partir dessas competências, pois elas são bastante amplas”, reconhece Beatriz. “No entanto, elas estão completamente inseridas nessa etapa e faz total sentido que sejam desenvolvidas desde o início da vida.”
Por isso, o trabalho de professores e gestores – sempre com o apoio da rede, é claro – é compreender e interpretar as competências gerais da BNCC. Isso ajuda a qualificar o planejamento das atividades e, principalmente, a observar na prática como esses pontos relacionam-se. “A equipe de gestão e docente deve pesquisar, ler a Base e conhecer os direitos de aprendizagem das crianças”, argumenta Vládia Freire, Mestre em Educação e Supervisora Educacional da Rede Municipal de Educação de Campina Grande (PB). Analisar os seis direitos de aprendizagem estabelecidos no documento – Conviver, Brincar, Participar, Explorar, Expressar, Conhecer-se – é um bom ponto de partida para começar a entender de que forma as competências inspiram o texto de Educação Infantil.
Uma das sugestões de Letícia Caroline da Silva Streit, assessora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo (RS), é também analisar as ementas que constam no documento da BNCC para compreender como elas se materializam no dia a dia: “Os professores podem ler esses textos refletindo em como eles se aplicam na Educação Infantil, em quais situações, do dia a dia, em quais espaços da escola é possível colocar esses conceitos em prática. A partir disso, fica mais fácil criar propostas de trabalho e experiências para as crianças”.
Competências e campos de experiências estão nos detalhes
Ao analisar as rotinas, a execução das atividades, os espaços utilizados e como as crianças reagem dentro desse contexto, é possível observar como as competências se concretizam na prática. “Todos os momentos e espaços da Educação Infantil oferecem aprendizagem concretas. Os saberes que as crianças adquirem emergem das vivências. O olhar dos educadores deve focar nesses detalhes que são característicos dessa etapa”, explica Vládia.
Pense, por exemplo, no momento da alimentação: em casa, a criança está acostumada a um tipo de alimentação e às vezes recebe comida na boca. Na escola, ela é estimulada a criar novas estratégias. Letícia descreve uma cena bem concreta para explicar esse ponto. Quando vai tomar um caldo de feijão, primeiro a criança pega a colher com uma mão, depois com a outra. Depois de algumas tentativas, descobre que, levantando um pouco o prato, é possível tomar o caldo sem ajuda da colher. “Essa aprendizagem, apesar de simples, é importante e permite entender de como a criança aprende através da experiência”, comenta Letícia.
Para Letícia, orientar a visão para essas aprendizagens é determinante para planejar melhor as rotinas e, cada vez mais, perceber como os campos de experiências e as competências gerais se relacionam. “Numa atividade como essa, você observa o desenvolvimento de um repertório cultural do como comer [competência geral 3], das noções de autocuidado [competência geral 8], e ainda promove os direitos de aprendizagem, já que a criança participa do momento de alimentação dela [em referência aos direitos Participar e Explorar]”, explica.
Vamos imaginar outra cena. Em uma atividade no pátio – uma brincadeira, uma exploração de circuito, um momento de pintura –, competências gerais, direitos de aprendizagem e campos de experiências estão entrelaçados o tempo todo. São tantas coisas acontecendo que é até difícil apontar algum desses pontos em específico. Seria possível dizer que praticamente todos os campos e grande parte das competências e direitos estão acontecendo ali. Mas, a título de análise, dá para destacar os campos Corpo, gestos e movimentos, O eu, o outro e nós e Escuta, fala, pensamento e imaginação. Além disso, aponta Vládia, ainda se desenvolvem a Argumentação (competência geral 7), comunicação (competência 4), Repertório cultural (competência 3) e Empatia e cooperação (competência 9). Essa é a riqueza da Educação Infantil: tudo está muito conectado. “Por isso, o educador deve ter muita sensibilidade para perceber isso, grande conhecimento sobre seu grupo e seja capaz de propor atividades que permitam que as crianças pratiquem seu direito de aprender e se desenvolvam por completo”, diz Vládia.
Planejamento pedagógico e compartilhamento em equipe
O planejamento das atividades é fundamental para que os professores sejam capazes de realizar e observar as atividades de maneira mais efetiva e com maior intencionalidade. Nesse sentido, a gestão precisa orientar as equipes a escolherem o caminho a seguir partindo da análise da Base e do domínio das informações sobre as crianças.
Além dos momentos de formação sobre as competências, é importante que haja também a integração entre os educadores para compartilharem o que pensam sobre as atividades e os objetivos esperados. Beatriz reforça que não adianta planejar as brincadeiras e só: é preciso ter clara a intenção, ou seja, saber qual é o objetivo, quais competências se deseja desenvolver. “E não se pode esquecer de escutar as crianças, entender como elas respondem a essas atividades e aproveitar isso para replanejar, propor projetos e atividades com mais sentido”, reflete a especialista.
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