Ideias e dicas para construir projetos interdisciplinares sobre a questão ambiental
Práticas investigativas, observação do clima e da natureza e conexões com o tempo atual são boas oportunidades para explorar o meio ambiente com os alunos do Fundamental 2
Quando o assunto é meio ambiente ou educação ambiental, restringir a discussão a um só componente curricular (como Ciências ou Geografia) ou se limitar a comentar eventos (ainda que relevantes) do noticiário ou lembrar apenas de datas específicas é suficiente?
Para o biólogo Lucas Pessoa, que dá aulas para o Fundamental 2 em três escolas privadas de São Paulo (Equipe, Escola Comunitária Arco e Alef Peretz), o mais importante é que os alunos se encantem com o tema.
“Muitos chegam nos anos iniciais do Ensino Fundamental com brilho nos olhos por saberem pontualmente sobre determinada particularidade científica, por terem assistido em casa um documentário sobre vida selvagem, ou pelo interesse que o avô tem sobre pássaros da sua cidade natal, um filme que viu sobre serpentes... Eles chegam achando que o professor de Ciências vai abrir as portas para que eles se especializem em leões, lobos-do-ártico, girafas, plantas carnívoras, cogumelos venenosos etc. Infelizmente, na maioria das vezes o que lhes é oferecido é o corte seco de seus interesses e uma infinidade de termos técnicos e um papo sobre classificações chatas e burocráticas que naturalistas criaram há séculos. Sinceramente, vejo isso como marcar um gol contra a educação científica”, comenta.
O que funcionaria, então? Fazendo a ressalva de que a escola não é feita só de acertos (“o erro é de extrema importância no processo educacional, seja no processo de formação do aluno, seja no processo de formação do professor”), ele aponta um caminho: “O que mais funciona para mim são práticas investigativas. Em minhas aulas costumo utilizar um recurso que é largamente usado na internet, as iscas de clique (clickbait). Tento fisgar a atenção da turma trazendo temas de relevância cotidiana, associados de alguma forma ao mundo ao seu redor, mas que apresentam mistérios ou dilemas que para serem solucionados necessitam de investigação mais aprofundada. Nesse momento, ofereço fontes de pesquisa, abro debates, explico em forma de uma aula expositiva ou encomendo a leitura de textos”.
Para os primeiros anos do Fundamental 2 (6º e 7º), a professora do Departamento de Geografia da FFLCH-USP Sueli Furlan recomenda começar pela observação do clima e da temperatura, que são conteúdos que atravessam áreas como Ciências, Geografia e Língua Portuguesa.
“Esse tema da mudança climática tem de ser iniciado nos primeiros anos do Fundamental e aprofundado nos anos finais, quando entra a questão do aquecimento global, mesmo que eles ainda não consigam entender o problema em toda a sua complexidade, o que só vai acontecer no Ensino Médio, quando tiverem mais noções de física e química”, destaca Sueli, que foi consultora e acompanhou a produção dos conteúdos desta Caixa.
Ela também aconselha que se estude a Amazônia: “Embora para muitos contextos geográficos a Amazônia pareça distante de nós, ela está presente em todas as escalas. Tem relevância em âmbito global, daí a grande preocupação do mundo inteiro com as queimadas nessa região; tem impacto na própria região onde se localiza e que concentra uma biodiversidade e uma sociodiversidade de povos imensa, e está relacionada à ocorrência de chuva ou à falta d’água na Região Sudeste”.
Uma boa ferramenta para uso em sala de aula, recomendada por Sueli, é o Mapbiomas (www.mapbiomas.org) – plataforma gratuita que permite aos alunos estudarem como se deu o uso da terra no seu próprio município. E essa questão, invariavelmente, levará ao tema das mudanças climáticas, aponta.
Para Eliane de Siqueira, formada em Ciências Naturais: “O objetivo principal da educação ambiental é gerar a mudança de comportamento centrada na premissa de que ‘eu só cuido daquilo que conheço e só quero mudar aquilo que me incomoda’. É preciso fazer com que as crianças percebam que estamos todos imersos em um mesmo sistema e somos todos corresponsáveis pelo que acontece nesse sistema. O problema da falta de água no Nordeste em algum momento vai chegar aqui, mesmo que eu abra a torneira e tenha água abundante”.
Eliane destaca a importância de oferecer boas experiências de aprendizagem que tragam situações reais, do contexto do aluno. “Embora tenhamos questões macro bem importantes a serem discutidas, como a devastação da Floresta Amazônica, se eu não vejo o problema do córrego aqui perto da minha escola, a conversa não avança. É bom partir dessas situações locais para, depois, discutir as questões em âmbito macro. Do local para o global”, afirma.
A fábrica de árvores
Olhar para o rio que passa na comunidade pode ser o início de uma ação que levará, mais adiante, à conscientização do problema ambiental. Nesse sentido, o educador Tião Rocha, que desde os anos 1980 está à frente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), tem um caso exemplar, que há três anos ele viu surgir em uma das rodas de conversa formada por crianças e jovens entre 10 e 17 anos em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha.
Era uma conversa sobre o passado da cidade (e a educadora exibiu aos meninos algumas fotos antigas da cidade), dentre elas uma que mostrava o rio Araçuaí, que corta a cidade, com gente nadando nele. “E as crianças diziam: 'Mas esse rio não existe! Não é o mesmo rio que passa na nossa porta, poluído, que quase não tem água’. Daí a conversa derivou para o que seria preciso fazer para se recuperar o rio”, relata. E avança como a discussão foi encaminhada: “Bem, o melhor jeito é não poluir. Mas, e o que mais? ‘Ah, também podia plantar árvores em volta das margens porque elas ajudam a proteger o rio’, alguém disse. Certo, mas quantas árvores será preciso plantar? E que tipo de árvore?”
Tião Rocha conta que, em seguida, o grupo descobriria que o melhor seria fazer uma geodésica para criarem mudas, e foi construída uma estrutura que permitia o desenvolvimento de 500 mudas por mês. “Só que, na roda seguinte, as crianças chamaram alguém que entendia do assunto, e este lhes disse: 'Olha, se vocês querem recuperar a margem do rio, vão precisar de muito mais mudas! É briga de cachorro grande, vocês topam?’ Foram, então, calcular quantas árvores seriam necessárias para proteger o rio nos 64 quilômetros em que este atravessa a cidade, para recompor a mata ciliar. São as duas margens, o que dava mais de 120 quilômetros; enfim, chegaram à conclusão de que seria preciso algo em torno de 300 mil árvores. O passo seguinte foi descobrirem que era possível se fazer pelotas de sementes para acelerar o replantio porque, só com a produção da geodésica, precisariam de mais de cem anos. Então, começaram a coletar sementes, fizeram testes com vários tipos para ver quais vingavam mais. E descobriram que a Leucena, que é um arbusto leguminoso da região, brotava muito fácil e ajudava a incorporar matéria orgânica”, conta o educador.
“Em outra roda de discussão, da qual eu participei também, diante da questão da quantidade de árvores que seria preciso plantar, uma criança disse assim: ‘A gente precisaria ter uma fábrica para produzir tanta muda de árvore. Se existe fábrica de carro, por que não pode existir fábrica de árvore?’”
Da pergunta da criança nasceria o Projeto Fábrica de Árvores Meninos do Araçuaí (Fama), que surgiu com metas ambiciosas, conta Tião: “Eles fizeram a seguinte conta: havia 250 meninos no projeto; se cada um conseguisse fazer cem pelotas de sementes por dia, teríamos ao final de alguns meses mais de 1 milhão de pelotas de sementes. E as experiências comprovam que se você lançar essa quantidade de pelotas de sementes, no máximo 30% vai vingar, por conta da chuva, dos pássaros etc. Com isso eles acabaram envolvendo outros meninos e meninas das escolas da cidade, para ajudarem nesse esforço de produção de sementes. Depois foram chamados para a Câmara Municipal de Araçuaí para apresentarem o projeto ao Conselho de Meio Ambiente da cidade”, relata Tião, com indisfarçável orgulho. E conclui: “O envolvimento com a questão socioambiental só aconteceu porque era algo concreto, e muito desafiador. Não era aquela discussão teórica de salvar o planeta, mas partiu da constatação do estado em que estava o rio e como eles gostariam que o rio estivesse daqui alguns anos”.
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