O ensino presencial neste ano está garantido?
Avanço da variante Ômicron e atraso na aplicação de vacinas em crianças de 5 a 11 anos desafiam o planejamento das redes de ensino para a retomada integral das aulas presenciais
Após dois anos de pandemia e de ensino remoto emergencial, o ano letivo 2022 desponta com desafios novos e outros, nem tanto. O cenário incerto de emergência sanitária ainda impõe a adoção de cuidados de saúde à comunidade escolar, especialmente após o aumento de casos da doença registrados em todo o mundo e no Brasil, pela variante Ômicron, a partir de janeiro.
Apesar do avanço nas taxas de contágio da covid-19 e ainda da H3N2, pensar em um novo fechamento de escolas parece algo improvável. Os argumentos contrários a um retorno ao ensino remoto giram em torno de um cenário atual pandêmico diferente do encontrado nos anos anteriores. Os gestores e professores já foram vacinados, assim como os estudantes de 12 anos ou mais – com duas doses aplicadas em sua grande maioria. As escolas também estão com protocolos de segurança consolidados. Segundo a última pesquisa sobre o planejamento das redes municipais de ensino quanto às atividades escolares, realizada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Itaú Social, em dezembro de 2021, 82,2% das redes municipais responderam já terem aplicado os protocolos nas escolas e somente 9,2% estavam em fase de construção dos mesmos.
Mesmo assim, até o fim de 2021, sete estados – Acre, Amapá, Amazonas, Paraíba, Roraima, Rio Grande do Norte e Tocantins – ainda não tinham previsão da retorno às aulas presenciais, sendo que, nos demais, o retorno aconteceu entre julho e outubro do ano passado, majoritariamente.
“As revisões de protocolos sanitários devem ser constantes, para aumentar o rigor das medidas ou mesmo para diminuí-las no contexto sanitário mais seguro”, avalia Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da Undime e atual secretário de Educação de Sud Mennucci (SP). Apesar da maturidade na aplicação dos protocolos e da vacinação, para Luiz Miguel, continua incerto que as escolas tenham a rotina normalizada já a partir de fevereiro e março, meses de volta às aulas nas redes estaduais e municipais, visto que a atual onda de novos casos da doença pode acometer e afastar das atividades muitos gestores e professores.
Na EM Professor Guita, em Macapá (AM), a semana pedagógica, que começa dia 24 de janeiro, será virtual, conta a professora Lane Patrícia Almeida da Silva. A formação continuada na UEB Professor Ronald da Silva Carvalho, em São Luís (MA), também será realizada inicialmente de maneira remota, segundo a professora Marília Barbosa de Abreu. Ambas aguardam a definição da gestão escolar a respeito de como será o início das aulas.
“Há um surto de gripe, para além dos casos de coronavírus, que tem aumentado”, conta Marília. O mesmo ocorre em Macapá, capital amapaense. “Isso gerou receios. Foi feita uma pesquisa informal no grupo da minha turma de 1º ano e a maioria dos pais que opinaram foi a favor de ter aulas on-line”, comenta Lane. Ainda assim, a educadora acredita que a escola continuará presencial. De qualquer maneira, ela aponta para a necessidade de acolhimento de todos neste retorno. “A Educação presencial é importante, podemos avaliar melhor o processo de ensino e aprendizagem. Mas as questões afetivas e emocionais também devem ser levadas em consideração. Não podemos ser simplistas: não é só questão de estar presencial ou não”, reflete.
“Devemos superar a discussão de fechamento ou não de escolas neste momento. Esta já é a maior crise humanitária da Educação mundial. Agora, devemos priorizar e defender o direito à Educação”, analisa André Stábile, secretário de Educação de Mogi das Cruzes (SP). Para ele, as redes devem se preparar, sim, para monitorar a ocorrência de novos casos de infectados nas instituições de ensino e promover o afastamento imediato de profissionais ou estudantes doentes, e assim, controlar o cenário.
“Algumas instituições estão retardando o retorno pleno às atividades presenciais, mas são instituições cuja interrupção não causa maiores transtornos. Este não é o caso da Educação”, avalia Paulo Curi, presidente do Tribunal de Contas de Rondônia (TCE-RO) e membro do Gabinete de Articulação para Enfrentamento da Pandemia na Educação de Rondônia (Gaepe-RO). “A gente espera que esse retrocesso não ocorra nas atividades educacionais do estado de Rondônia. Inclusive, há o desafio de aumentar a abrangência das atividades presenciais, porque elas aconteceram em todos os 52 municípios de Rondônia, mas não na plenitude. Ainda há escolas com retornos alternados com dois ou três dias por semana, outras que não retornaram, por exemplo”, relata.
Vacinação de crianças de 5 a 11 anos
Outro tema que impacta a retomada da volta às aulas presenciais neste começo de ano letivo, especialmente a das redes municipais de ensino, são as decisões oficiais sobre a vacinação de crianças de 5 a 11 anos. Mesmo com a aprovação favorável da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e previsão de chegada e início da aplicação das doses em janeiro, ainda está em aberto a definição de obrigatoriedade da exigência do comprovante da vacina contra a covid-19 para as crianças dessa faixa etária no ato da matrícula.
O artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina como “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Mas, para o governo federal, a aprovação da Anvisa ainda não é suficiente. Há dúvidas a respeito da necessidade de inclusão dessa vacina no Plano Nacional de Imunizações (PNI) e no calendário vacinal do Ministério da Saúde. Esse contexto abre brecha para questionamentos sobre a obrigatoriedade da aplicação da dose, levantados especialmente por movimentos antivacinas. Apesar da indefinição jurídica – o tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal, e até o fechamento deste material ainda não havia resultado definido –, gestores defendem a necessidade de um trabalho de conscientização das escolas em prol da vacinação.
Os governos estaduais também avaliam a obrigatoriedade, ou não, da exigência do comprovante e os impactos positivos (conquista de alta imunização para a doença) e negativos (afastamento dos estudantes da escola por famílias contrárias à vacinação e futuras judicializações) da medida. “Neste momento, as redes têm autonomia para avaliar o cenário regional e entender se exigirão o comprovante de vacinação para matrícula. Além disso, em muitas regiões a vacina pode demorar a chegar. Mas é bom lembrar que esse tema só está em discussão porque não há uma orientação federal consistente de estímulo à vacinação, ou mesmo garantia federal de acesso e distribuição da vacina a todos”, alerta Luiz Miguel, da Undime.
Em anúncio à imprensa, o secretário estadual da Educação de São Paulo, Rossiele Soares, posicionou-se contrariamente à exigência de vacina para a volta às aulas. “A vacina não é obrigatória nem para adultos, por que faríamos isso para a vacina das crianças?”, questiona. “Aqui nós temos o direito constitucional de acesso à Educação, portanto, em hipótese alguma vamos proibir uma criança de voltar às aulas caso ela não esteja vacinada", afirma.
Enquanto as discussões sobre as garantias sanitárias do ambiente escolar ainda estão na mesa no âmbito dos governos, os gestores podem discutir, em conjunto com a equipe docente, os aprendizados dos anos anteriores em relação aos protocolos para planejar a volta às aulas presenciais (leia mais aqui).
Outro ponto essencial e que tem sido estudado pelas redes de ensino é o planejamento para retomar as rédeas da aprendizagem diante de tantas perdas já atestadas no ensino. Segundo dados colhidos pelo Unicef, 5 milhões de estudantes brasileiros deixaram de ter acesso às atividades escolares em 2020; destes, cerca de 40% eram alunos de 6 a 14 anos, grupo cujo acesso à Educação estava universalizado no país – situação que mudou pouco em 2021. “Será essencial que a gente atue para reverter o retrocesso nas taxas de abandono escolar, que, aponta o Unicef, já se igualam às registradas há 20 anos no país”, avalia Alessandra Gotti, presidente-executiva do Instituto Articule e colunista de NOVA ESCOLA. “Para isso vai ser muito importante que haja o envolvimento não só das redes de ensino, dos professores, diretores escolares, mas também, das outras pastas – Saúde, Assistência social, Conselho Tutelar, Ministério Público, Tribunais de Contas – e toda a sociedade para pensar estratégias conjuntas para reverter o atual ciclo de perdas e recompor as deficiências resultantes das dificuldades que os alunos encontraram ao longo desses dois últimos anos”, avalia (leia mais sobre o tema aqui).
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