“O professor mais ideológico é aquele que diz que não tem ideologia ”, avalia especialista
Oldimar Cardoso, autor de livros didáticos e formador de professores, explica por que considera importante o contato com diferentes visões de mundo em sala de aula
Para o professor formador Oldimar Cardoso, a BNCC representa um avanço significativo em relação aos PCNs. Ele defende que houve um retrocesso entre a primeira versão e a final, mas faz um balanço sobre o documento: “De qualquer forma, a Base consagra um modelo de ensino mais próximo do que é realizado de fato pela maioria dos professores de História, sendo, portanto, muito mais realista e coerente”, afirma. Segundo o especialista, a grande ruptura é a ênfase na “atitude historiadora” do aluno. Veja a entrevista:
NOVA ESCOLA: A questão da ideologia nas aulas de História não aparece de forma clara na BNCC e não estava presente nos documentos anteriores. Porém, essa discussão está sendo trazida à tona, principalmente, a partir do surgimento do Movimento Escola sem Partido. É importante que o professor conheça esse debate e que se posicione?
Oldimar Cardoso: O professor precisa saber que o Escola Sem Partido existe, mas na minha opinião, não há um debate sobre isso. A proposta do movimento, que pretende estabelecer deveres e punições aos educadores, é inconstitucional e ponto final. Dizer que há um debate é dar uma legitimidade jurídica que ele não tem.
É possível tratar aspectos ideológicos em sala, sem entrar em questões políticas e partidárias?
Adotar a idade dos alunos como critério para formar classes é ideologia, organizá-los em fileiras é ideologia, aulas de 50 minutos são ideologia. Não existe escola sem ideologia e é impossível que qualquer ser humano se separe de sua ideologia para fazer qualquer coisa, inclusive para dar aula.
Então, como deve ser colocada a questão da ideologia de modo livre?
Posicionar-se ideologicamente é a única atitude profissionalmente honesta que um professor pode ter. Dizer-se apartado de uma ideologia é ser intelectualmente desonesto. Ao meu ver, não há nenhum problema em um professor defender uma determinada ideologia perante os alunos, aliás, é impossível que um professor não faça isso. O professor mais ideológico é aquele que diz que não tem ideologia. O único caminho que resolve é ter uma escola pública plural, com professores contratados por concurso público e tratados com respeito pela sociedade. Uma alternativa possível é garantir que os alunos tenham contato com professores de múltiplas ideologias ao longo da escolaridade.
Para que o aluno seja estimulado a analisar as diferentes visões de mundo antes de expressar sua opinião, respeitando a diversidade, como o professor pode se posicionar?
Posicionar-se ideologicamente não significa deixar de apresentar múltiplas interpretações das fontes e análises dos historiadores aos alunos. O professor não pode ser proibido de expor sua ideologia, essa proibição, inclusive, seria inconstitucional. Mas, ao mesmo tempo, ele tem a obrigação profissional de apresentar múltiplas perspectivas. Não é muito uma questão de posicionar-se, mas de fornecer aos alunos múltiplas fontes e permitir que eles tomem contato com elas e possam interpretá-las sem depender demais da opinião do professor.
Como as atividades em classe precisam ser pensadas para estimular esse debate e para que ele permita que os alunos avancem em seus conhecimentos?
As atividades em classe precisam conter sempre múltiplas fontes. O ideal, mas nem sempre possível, é apresentar quatro fontes diferentes porque uma fonte só é vista pelos alunos, normalmente, como a detentora da verdade. Duas fontes são vistas como a certa e a errada, três são vistas como a certa, a errada e o meio termo. A partir de quatro fontes, a lógica da multiperspectividade se descortina para os alunos automaticamente, sem que o professor precise ficar fazendo discurso nesse sentido. E, claro, as aulas expositivas em que o professor narra a história aos alunos deixam de ser importantes e passam a ser substituídas por outras atividades em que os alunos sejam protagonistas.
Na sua opinião, o que precisará ser trabalhado com mais ênfase nos documentos que virão, em relação ao componente de História?
A meu ver, o próximo passo é aprofundar a ideia de que os fatos e os conceitos não são o fim, são apenas o meio para ensinar a pensar historicamente.
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