BNCC para História: supere a ideia do "tem que estudar por que está no livro”
O conhecimento histórico escolar não é algo “parado no tempo”. A BNCC ajuda a pensá-lo a partir de questões que são colocadas no presente dos alunos e alunas
Onde o passado termina e o futuro começa talvez seja a definição de “tempo presente” mais objetiva a que poderemos chegar – e evidentemente ela é muito pouco objetiva, pois esse momento é quase intangível: no instante em que tomamos consciência de algo que acabou de nos acontecer, esse algo já não é mais presente, torna-se passado. Porém, como o Padre Antônio Vieira já pensava, o presente pode ser traduzido como os instantes em que “vamos vivendo”. Em se é os instantes em que vamos vivendo, é também os instantes em que vamos pensando, planejando, entendendo, avaliando. Talvez, portanto, o presente seja definível em poucas palavras como o tempo no qual a vida se dá, no qual a vida acontece.
Ora, mas por que estamos divagando sobre o presente, se este texto se propõe a tratar da História? No documento da Base Nacional Comum Curricular, traz o seguinte texto (pág. 395): “Todo conhecimento sobre o passado é também um conhecimento do presente elaborado por distintos sujeitos.” E um pouco mais abaixo: “As questões que nos levam a pensar a História como um saber necessário para a formação das crianças e jovens na escola são as [questões] originárias do tempo presente. O passado que deve impulsionar a dinâmica do ensino-aprendizagem no Ensino Fundamental é aquele que dialoga com o tempo atual.”
O tempo presente aparece de maneira contundente para justificar o estudo da História na escola: os objetos de conhecimento (ou conteúdos) do passado que faz sentido estudar são aqueles aos quais o presente dá sentido.
É assim - para tratarmos antes do conhecimento histórico acadêmico - que o historiador procede como pesquisador: inicialmente, há algo no presente que o inquieta e o mobiliza em direção ao passado; é do presente que surgem suas questões de pesquisa, sua vontade de saber.
Isso é possível mesmo sabendo que os estudantes da Educação Básica não são historiadores (nem devem ser tomados como tais)? Se assim se produz o conhecimento histórico acadêmico, por que, em geral, pensamos no conhecimento histórico escolar como algo “parado no tempo”, cujo interesse está em si mesmo?
O que o texto da Base pode nos ajudar a pensar é que também a História que os alunos e alunas estudam na escola deve fazer sentido a partir de questões que são colocadas no presente. Isso deve nos auxiliar na superação da ideia de que é preciso estudar (por exemplo) a colonização “porque sim”, “porque está lá no livro”, “porque é importante”.
É importante por quê? Temos de nos fazer sempre essa pergunta. Nesse exemplo, poderíamos responder que é importante porque na colonização forjou-se muito daquilo que determina a nossa sociedade brasileira até os dias atuais. Por exemplo, a exploração de pessoas escravizadas que eram trazidas para as Américas desde a África Subsaariana produziu uma sociedade que é, até os dias atuais, racista e bastante violenta. Se essa é uma questão decisiva para se compreender a nossa sociedade, então importa que a estudemos na escola.
Mas é ainda mais: a História que os alunos e alunas estudam na escola deve fazer sentido para eles e para elas. É preciso que nos empenhemos, por um lado, em descobrir os caminhos que possam levar os estudantes a tornarem deles e delas algumas das questões que nós, professores, já conhecemos. Por outro lado, temos que descobrir quais são questões que eles trazem. É dessa confluência que nascerá a vontade de saber que poderá mobilizá-los para a aventura do conhecimento.
Isso só parece possível se, enquanto professores e professoras, pudermos ler o que estará previsto nos currículos que serão elaborados a partir da Base tendo em conta duas premissas fundamentais. A primeira é que a História é algo para pensar sobre, e não para memorizar. É nesse sentido que aprender História é aprender a pensar historicamente, ou seja, incorporar à sua maneira de pensar (sobre o mundo, sobre a sociedade, sobre a vida) habilidades do pensar que são características da História.
A segunda premissa é que os estudantes são seres pensantes, que têm questões sobre o mundo em que vivem. Isso é decisivo porque só há aprendizagem (por parte dos alunos e alunas) quando há atividade intelectual (por parte deles e delas) para além da memorização.
A História na escola, portanto, precisa lidar com esse presente intangível, com esse contexto que ninguém conhecerá melhor do que o professor ou a professora de História de cada turma desse país. Aí surgirão as questões que permitirão aos estudantes se relacionarem com a História de maneira a desenvolver habilidades do pensar e, portanto, a se mobilizarem para estudar e aprender. Desde que na escola a gente estude a vida.
Daniel Vieira Helene é doutor em História pela Universidade de São Paulo com a tese A História, seu ensino e sua aprendizagem: conhecimentos prévios e o pensar historicamente, coordenador pedagógico, professor de História na Educação Básica e formador de professores.
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