BNCC: entre tantas mudanças, muitas continuidades
O texto de Língua Portuguesa atualiza os PCNs, mas não significa um rompimento grande com o que se defendia anteriormente
Mudanças curriculares sempre geram ansiedade na escola, especialmente entre o corpo docente. Não seria diferente com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Em termos práticos, todas as escolas da Educação Básica brasileira serão norteadas, de alguma forma, por esse documento. Baixada a poeira da aprovação da BNCC, ao analisar o que realmente mudará na nossa prática pedagógica, vemos que ainda há muitos sinais de continuidade com o que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) já defendiam.
O ano de 1998 foi um divisor de águas: com a chegada dos PCNs, um movimento de uniformização tomou conta das salas de aula do país, respeitando as diversidades e o contexto de uma nação continental como a nossa. Naquele documento, muitas inovações estavam presentes e parte delas permanece atual até hoje, são elas que se mantêm na proposta da BNCC.
Lendo ambos os documentos, percebemos que a concepção de linguagem continua a mesma. Aliás, é a concepção mais moderna e aceita atualmente, que entende a linguagem como produto da interação social. Continuamos com o texto como objetivo central do processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa. Seguimos com as orientações para trabalhar os gêneros discursivos e seus contextos de produção; desenvolver as práticas escritas e orais e conduzir a reflexão sobre a linguagem por meio de práticas de análise linguística. Tudo isso já compunha o norte curricular dos PCNs. Portanto, professor, professora: pode se acalmar. Nesses itens, continuamos em um bom caminho.
Mas de 1998 até hoje, já se passaram 20 anos. Uma reforma curricular não poderia ignorar esse período temporal. Foram 2 décadas de avanços nos estudos sobre ensino de língua e literatura. Assim, encontramos novos elementos que devem compor as temáticas das aulas de português. Nesse cenário, vou pontuar três aspectos que chamam mais a atenção.
1. Uma presença mais robusta da literatura
O texto literário, enquanto objeto estético fundamental na formação do indivíduo, aparece de maneira mais consistente no texto da Base. A literatura é apresentada como um campo de atuação (o artístico-literário) em todos os anos do Ensino Fundamental. Isso se manifesta nas habilidades descritas para cada ano. Além de garantir sua presença nos nove anos, o texto da BNCC menciona a importância do multiculturalismo na seleção dos textos: são recomendados desde os clássicos até as produções contemporâneas, passando pelas literaturas indígenas, africanas, afrobrasileiras, latinoamericanas e de literatura universal. Com certeza, trata-se de um avanço desde os PCNs.
2. Análise Linguística e Gramática
O documento recente tenta trazer mais luz à dicotomia entre análise linguística e gramática, explicando melhor (e dando exemplos) do que é ensinar gramática e o que é realizar a prática de análise linguística, garantindo o espaço de cada uma delas na formação das crianças e jovens.
3. Multiletramentos
Uma das mudanças mais latentes nos últimos anos, em termos de ensino de língua, diz respeito às práticas de multiletramento. Os avanços tecnológicos e a sociedade conectada foram um campo fértil para o surgimento de novos gêneros discursivos, multimodais, colaborativos e híbridos. Ler significa, em sua completude, ler múltiplas linguagens, todas presentes em um único texto, muitas vezes: verbal escrita, verbal oral, sonora não verbal, visual etc. A escola não poderia continuar à margem dessas práticas sociais.
E o professor, como fica?
Se eu pudesse dar um único conselho para o professor, eu diria: fique calmo! Você continua fazendo um trabalho muito bom em sala de aula. A BNCC não vem para romper com o que já estava sendo feito, mas para acrescentar novos aspectos, temáticas e práticas que vão atualizar o trabalho em classe. Afinal, faz parte da carreira a formação continuada, o estudo constante. Vamos nos atualizar e acrescentar essas novidades às nossas rotinas. Sem pânico. Como diz o pessoal da minha terra: “Não precisamos jogar o bebê fora junto com a água da bacia”.
Marcelo Ganzela é professor de Língua Portuguesa, mestre em Letras e coordenador do curso de Letras do Instituto Singularidades.
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