Para aprender com a prática

Como encarar o projeto político-pedagógico (PPP) da escola durante a pandemia

Para tornar o documento vivo – como ele deve ser –, a comunidade escolar precisa discutir sobre ele permanentemente, inclusive em tempos de escolas fechadas. Três educadores contam os desafios de fazer isso

Ilustração de uma reunião pedagógica acontecendo sobre ambiente abstrato.
Ilustração: Estúdio Kiwi/NOVA ESCOLA

Em uma definição formal, o projeto político-pedagógico (PPP) é um documento produzido pela comunidade escolar, cujo objetivo é descrever os planos de ação pedagógica para alcançar as metas e objetivos que a escola se propõe, além de registros sobre o perfil dos alunos e suas famílias, os recursos materiais disponíveis, entre outras informações. 

A construção desse documento é uma exigência prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Todas as instituições de ensino do país, sejam elas públicas ou privadas, devem ter o seu próprio PPP e apresentar uma cópia às secretarias de ensino.

Mas, para além de uma exigência burocrática, o PPP abre uma  oportunidade de transformação das escolas e de seus projetos pedagógicos. O documento pode e deve ser um documento vivo, acessível, que faz diferença no cotidiano da vida dos gestores escolares, professores, funcionários, pais e alunos. É nele que cada escola tem a liberdade de pensar como a instituição contribui para a formação de cidadãos livres, estabelecendo de maneira coletiva os objetivos, metas e sonhos da comunidade.

Claudio Neto, diretor da EMEF Infante Dom Henriqueem São Paulo, há dez anos, define o PPP como o grande guarda-chuva que abriga todos os projetos da escola. “O PPP é o momento em que a gente constrói a nossa concepção de Educação e de escola. Esse é o fundamental do documento. A partir disso, elabora-se a forma de atendimento, o que se entende por aprendizagem, por juventude. O PPP é um documento fundante daquilo que cada escola faz, que é ensinar”,  explica.

A experiência de Claudio na construção do projeto político-pedagógico gerou frutos duradouros. Ele conta que, quando assumiu a direção, a primeira coisa que fez foi chamar toda a comunidade escolar para escrever o PPP, um processo que durou muitos meses, mas que foi muito importante. “Em 2011 foram feitas essas conversas com o objetivo de construir essa significação compartilhada do que é escola, do que é educação e por onde a gente iria caminhar.” O documento foi finalizado só no ano seguinte, em 2012.

Segundo Claudio, as principais preocupações à época eram a indisciplina e a violência.  “A natureza do projeto político-pedagógico era dar conta desses dois grandes problemas que inviabilizavam o ensino. Foi a partir da identificação desses problemas que chegamos no PPP chamado 'os valores não tem preço'”, conta o gestor. “Faltavam à comunidade conceitos fundamentais de respeito, de cidadania, de empatia, de respeito ao imigrante… [a escola atende muitos alunos estrangeiros, especialmente bolivianos]”. O diretor conta que em 2016, depois de muito trabalho com base ao que foi previsto no documento, a indisciplina e violência foram reduzidas a  um patamar razoável para o desenvolvimento da aprendizagem em um ambiente acolhedor e sadio para todos.

Antes de chegar a esse ótimo resultado, uma das barreiras superadas foi convencer a comunidade da importância do PPP para a vida escolar. Claudio conta que quando deu início à primeira discussão sobre o tema, uma professora perguntou se antes de escrever o documento não era preciso resolver o problema da indisciplina. O diretor recorda-se da resposta que deu à colega: “Não, é justamente o projeto consistente de escola e Educação que vai trazer a disciplina para a escola".

Revisão do PPP

O trabalho de construção de um PPP nunca termina. A cada ano, os desafios mudam e é preciso ajustar o documento. Hoje, a Infante Dom Henrique vive um processo de revisão e reescrita do documento. O foco agora é ajustar as ações pedagógicas para melhorar o desempenho dos estudantes em leitura. “Notamos que  um terço dos alunos da nossa escola não apresentava desempenho correspondente ao ano. Então desenvolvemos um projeto para aumentar o porcentual de alunos com o nível de leitura adequado para 100%.” 

Na EMEF Prof. Antonio Duarte de Almeida, também em São Paulo, onde José Silveira é diretor, o processo de escrita do documento foi longo: "Levamos cerca de 5 anos para repensar o que queríamos como comunidade escolar, para que estamos trabalhando aqui, quais são nossos objetivos educacionais... Quando fazemos essas perguntas para mães, pais, professores, funcionários e estudantes, temos uma diversidade de respostas imensa. Caminhar para a sistematização disso leva tempo”.

Existem, ainda, momentos em que é necessário fazer uma revisão geral e reescrever os PPPs.  A periodicidade com que isso acontece depende da necessidade de cada instituição. No caso da escola de Cláudio, o processo de revisão começou após 8 anos. Já na EMEF Profª. Adolfina J. M. Diefenthäler, em Nova Hamburgo (RS), onde a consultora de NOVA ESCOLA Joice Lamb é diretora pedagógica, o documento passa por uma revisão mais aprofundada a cada três anos.

Problemas comuns do PPP

Entre os problemas mais comuns dos PPPs, Joice aponta dois: o primeiro é ser um arquivo morto, que é guardado numa gaveta e entregue à Secretaria para cumprir o protocolo. O segundo é o documento não estar em consonância com as práticas e o cotidiano na escola. 

“Não adianta escrever no PPP que a avaliação dos alunos é formativa e participativa se, na prática, a escola reprova um montão”, alerta Joice. “Outro exemplo é a metodologia: se está escrito que o objetivo é formar cidadãos críticos, autônomos, autores e protagonistas, mas na vida real se aplica uma metodologia tradicional, de nada adianta ter isso no documento.”

PPP no contexto da Pandemia

Ainda que o fechamento das escolas tenha exigido mudanças drásticas na forma de ensino e de relação entre os membros da equipe da escola e entre a instituição e os alunos e suas famílias, Claudio e José não veem a necessidade de incluir no PPP, documento pensado para o longo prazo, a inclusão do ensino remoto como prática recorrente. José leva em conta os limites do ensino remoto. “Um dos ensinamentos que a pandemia nos trouxe é de que o ensino presencial é indispensável para a Educação Básica. Não há nenhuma possibilidade de o ensino remoto se tornar algo permanente. Isso já está claro. Aluno e aprendizagem carecem de vínculo, olho no olho, conversar, a afetividade no processo de aprendizagem”, explica. 

Joice pensa diferente: ela concorda que estamos diante de uma situação emergencial, mas acredita que prever, em linhas gerais, como vai ocorrer o ensino remoto é importante para delinear uma estratégia de ação mais clara.

“É preciso que a escola entenda o que é ensino remoto para aquela escola naquele contexto”, diz ela, para evitar as diferentes interpretações sobre o assunto dentro da comunidade escolar. Como tudo na Educação, não existe fórmula mágica que funcione para todas as escolas - muito menos no contexto excepcional que atravessamos. A dica é adaptar e considerar a realidade da sua escola, de seus alunos e de seus professores.

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