Gestão Escolar

Gestão Democrática: como a força do coletivo apoia as escolas até na pandemia

Duas escolas, uma na Região Norte e outra na Sul, mostram como a gestão democrática fortalece a resposta, até mesmo em situações de exceção como a ocasionada pela pandemia de covid-19

Ilustração de roda de conversa com entre funcionários da escola e familiares dos alunos.
Ilustração: Tayná Marques/NOVA ESCOLA

Não existem respostas fáceis nem soluções prontas para o desafio inédito de ser um diretor ou coordenador pedagógico durante uma pandemia global que já vitimou 700 mil brasileiros, interrompeu as aulas e distanciou alunos, professores e comunidade escolar. No entanto, ao romper o isolamento e abrir-se para a participação de todos, a escola que adota os princípios da gestão democrática fica mais fortalecida e capaz de lidar com as adversidades.

“A primeira coisa importante quando se fala em gestão democrática é que esta não é uma coisa dada, mas é construída. E precisa acontecer de forma que seja participativa e colaborativa” – observa a educadora e formadora de professores Maura Barbosa, do Centro de Estudo e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), de São Paulo.

Ao longo dos conteúdos desta edição, vamos conhecer os impactos da pandemia em escolas que já tinham essa construção coletiva de um ambiente democrático em duas experiências de gestão escolar que, cada uma ao seu modo e refletindo os anseios de comunidades específicas, uma localizada em Manaus (AM) e outra em Novo Hamburgo (RS), realizaram importantes transformações no clima escolar.

E quando veio a pandemia, no início de 2020, essas duas escolas estavam mobilizadas de forma, em uma corrente na qual ninguém soltava a mão de ninguém, que o estrago – na aprendizagem, nas relações sociais e no próprio estado de espírito de professores e alunos –, se era inevitável, foi menos demolidor. 


O que é Gestão Democrática?

Uma escola com gestão democrática é marcada pela descentralização, transparência e participação de familiares, professores, estudantes e funcionários em todos os aspectos da organização da escola.


“Os diretores, e coordenadores pedagógicos em geral, enfrentam um desafio imenso nestes tempos de pandemia porque estão gerindo uma escola diluída”, destaca Maura Barbosa. “Ele tinha 20 salas de aula, que agora se multiplicaram. Se cada uma tiver 20 alunos, são 400 salas de aula que agora precisam ser coordenadas. Tudo ficou mais complexo. Nesse cenário, estamos falando muito na importância do trabalho colaborativo, que cada vez mais vai precisar ser. Ou é colaborativo ou é colaborativo.”

O que a experiência nessas duas escolas mostra é que a democracia é o melhor dos ambientes para se enfrentar o desconhecido. Afinal, é menos traumático enfrentar uma situação tão inédita como esta, na qual a própria vida de profissionais da Educação e estudantes está em risco, como uma comunidade do que na solidão da sala de aula – agora multifacetada, cada professor ou professora com sua turma, seu programa, fechados no seu canto.

Como o papel do gestor escolar mudou 

Até a década de 1990, explica a formadora do Cedac, os diretores lidavam mais com questões burocráticas. De lá para cá, no entanto, passaram a lidar também com a saúde dos estudantes, a segurança no ambiente escolar, necessidades relacionadas ao transporte dos alunos e à alimentação, as necessidades tecnológicas, que se ampliaram com o ensino híbrido ou totalmente remoto no primeiro ano da pandemia, além de questões de relacionamento e pedagógicas.


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A direção tornou-se, aos poucos, a função mais estratégica em uma escola. 

“O diretor é aquele que vai legitimar uma política educacional em toda a escola. Nós, do Cedac, temos feito muitas reuniões com secretários de Educação por todo o país e a pergunta que sempre fazemos é esta: ‘Qual é o papel do diretor escolar na execução da política educacional desse município?’ Porque é muito grande. É mais do que fazer uma gestão da escola, é um papel de implementar a política de educação daquele município. Se há uma rede de 20 escolas, não é possível se trabalhar com algumas escolas de excelência, pois é preciso assegurar a todos o direito de aprendizagem”, observa Maura. 

“E como se assegura esse direito, que está no artigo 206 da Constituição, que diz que é preciso ter acesso, permanência e sucesso na aprendizagem? O que isso representa na gestão democrática? A resposta é simples: o acesso é para todos, e para cada um. E todos os alunos precisam permanecer estudando, e todos precisam aprender. Portanto, falar em gestão democrática é falar de direitos.”

Para Maura, os direitos de aprendizagem dos alunos têm de ser um compromisso da escola toda, um comprometimento que vale para todos, do vigia que se preocupa porque um menino não entrou até o professor que vai entender o que está acontecendo com um aluno que não tem aparecido nas aulas. “Um diretor precisa pensar: 'Como é que eu vou fazer a formação em contexto de trabalho e assegurar a qualidade de ensino? Como eu faço uma reunião de pais na qual eles possam sentir orgulho do que seus filhos estão aprendendo?'”, exemplifica Maura Barbosa. 

Sem filas nem reprovados

Uma gestão democrática começa pela pessoa encarregada de gerir aquela unidade. Mas, como lembra Maura Barbosa, não é algo dado, mas que se constrói, e isso se pode confirmar no depoimento da diretora Lucia Santos, da EMEF Professor Waldir Garcia, em Manaus (AM), que relata seus primeiros anos como diretora concursada, há 16 anos: “Quando cheguei havia um problema bem grave de evasão e de reprovação na escola. Eu era uma gestora muito focada em disciplina, bastante centralizadora, queria ter uma escola bem organizada. Mas o que eu via era que a reprovação não caía, nem a evasão”.

Localizada no bairro São Geraldo, a escola fica próxima a uma igreja ligada à Pastoral do Imigrante, onde há uma casa de apoio para quem chega na cidade. E Manaus na última década tornou-se o destino de milhares de haitianos, cubanos e venezuelanos, que buscavam na cidade uma nova oportunidade de vida. “É uma escola muito diversa, com alta vulnerabilidade social porque estamos em uma zona vermelha do tráfico, e tive muita dificuldade de pensar como mudar essa situação”, relata.

A mudança na cabeça da diretora centralizadora, que sonhava com uma escola bem organizada, deu-se  a partir da leitura de um pequeno livro escrito por Rubem Alves sobre a experiência de gestão democrática da Escola da Ponte, em Portugal, instituição pública dirigida pelo educador José Pacheco, relembra Lucia. Ao ler aquele relato, algo de sua formação se rompeu. “O livro sobre a Escola da Ponte foi a inspiração inicial. Começamos a estudar as metodologias ativas como uma forma de trabalhar melhor essa multidiversidade da nossa escola. E uma das primeiras atitudes que tomamos, em 2015, foi assumir a decisão de não reprovar mais nenhum aluno.”

Mal sabia ela que cinco anos depois a escola que dirigia, na qual se propunha compartilhar com todos a dor e a delícia de tomar as decisões de forma coletiva, se veria desafiada por um problema bem mais complexo do que cuidar de pais insatisfeitos com a “bagunça democrática” ou não deixar que nenhuma criança ficasse para trás na aprendizagem. 

A pandemia caiu, com a força das tragédias, também sobre a comunidade escolar da EMEF Professor Wadir Garcia. Mas encontrou ali um grupo coeso e decidido a permanecer coeso. E o cimento dessa liga chama-se democracia.

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