O que priorizar na relação com as famílias no retorno à escola
O acolhimento e a escuta humanizada terão papel importante para se planejar uma volta segura e que transmita confiança aos responsáveis
A chegada à escola após meses de isolamento social será um momento marcado por muita ansiedade. Famílias, crianças e educadores estarão diante de um novo cenário, pois a escola não está voltando a funcionar após um período de férias. O acolhimento, portanto, deve ser o foco nesse contexto, mais do que os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Evandro Tortora, professor de Educação Infantil e colunista de NOVA ESCOLA, e a pedagoga Maria Thereza Marcílio, fundadora da ONG Avante, respondem a algumas das muitas dúvidas que cercam o retorno às atividades presenciais.
1. Quais são os principais pontos a se abordar com as famílias na hora de planejar o retorno?
A escola deve aproveitar o momento que precede o reinício das atividades presenciais para investir no diálogo com os pais e responsáveis. Eles precisam estar tranquilos e seguros sobre a permanência das crianças nas creches e unidades escolares. “Mais do que tudo, é preciso ouvir o que pensam as famílias”, defende Evandro Tortora. “A escuta humanizada é essencial nesse processo, muito mais do que diz a BNCC sobre conteúdos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para essa faixa etária.” Compreender a ansiedade das famílias é fundamental para que a escola possa ajudá-las. Há de se levar em conta que alguns núcleos familiares podem ter passado por perdas significativas durante a pandemia. Isso significa desde o falecimento de pessoas próximas e queridas a perdas materiais.
Evandro e Maria Thereza são categóricos em afirmar que a Educação deve seguir as diretrizes da Saúde. Se não há segurança sanitária para o retorno, a escola não deve reabrir. E isso precisa ficar claro para as famílias. Por outro lado, há pais e responsáveis, especialmente aqueles em maior situação de vulnerabilidade social, que anseiam pela volta, pois precisam retomar sua rotina de trabalho. Encontrar o equilíbrio entre situações diversas, sem prejudicar ninguém e sem expor crianças ao risco, é o desafio. Cada escola deve avaliar com muita cautela a situação de sua comunidade e as condições de seu espaço físico. Essa questão, aliás, também deve ser tratada com muita transparência.
2. Como conversar com as famílias sobre os protocolos sanitários e garantir que haja um planejamento para uma volta segura?
Se ficar acertado que a escola vai reabrir, os educadores devem mostrar com clareza que tanto professores e funcionários quanto as instalações estão preparados para receber as crianças. Todas as adaptações que forem feitas devem ser expostas previamente. Os protocolos falam em distanciamento social: a escola tem de mostrar aos responsáveis como isso será feito na prática. “Uma boa solução é dividir a sala em ateliês, para trabalhos em grupos pequenos – de no máximo quatro crianças –; garantindo que elas não terão contato próximo umas com as outras e que todo o material será higienizado após o uso”, propõe Tortora.
“É preciso explicar em detalhes que as crianças, seguindo recomendação das secretarias da Saúde e da Educação, ficarão menos tempo na escola e em menor número, pois as turmas serão divididas”, lembra Maria Thereza. Além disso, dizem especialistas, a escola também tem de ser transparente e esclarecer às famílias que nem todas as atividades capazes de proporcionar uma Educação Infantil de qualidade serão possíveis neste momento. “Haverá perdas, mas é também o momento de valorizar outros aspectos do aprendizado: aquilo que as crianças aprendem em outros ambientes, em suas casas, também é muito importante”, pontua Maria Thereza. “Vai ser outra Educação Infantil”, acredita Tortora. Ainda segundo Tortora, e também Maria Thereza, é importante que a escola faça uma avaliação e veja se, dentro dos protocolos exigidos, estará conseguindo garantir os direitos de aprendizagem das crianças.
3. Quais estratégias adotar para se relacionar com as famílias que não querem a volta dos pequenos por medo ou insegurança?
É muito importante que a escola se antecipe e avalie com as famílias, desde já, como elas estão emocionalmente, de que forma estão enfrentando a pandemia de covid-19, quais são seus receios e preocupações atualmente e em relação à volta das crianças às escolas. Haverá aquelas que não querem retornar de forma alguma. É preciso respeitar, mas também acolher e tentar passar segurança para quem está com medo e mostrar os aspectos positivos de uma volta da criança para o ambiente escolar. Para tanto, a parceria com os responsáveis precisa ser mais forte ainda nesse momento. “É hora de se repensar como esse vínculo é construído diariamente”, afirma Maria Thereza. “Se houver confiança, o diálogo fluirá melhor.”
4. Como a comunicação desenvolvida com as famílias no contexto remoto pode ajudar no diálogo sobre o retorno?
Para tranquilizar as famílias sobre os protocolos de segurança, uma estratégia – especialmente para as famílias que temem mais a volta – é mostrar como a escola está se preparando para receber seus filhos. “Enviar por WhatsApp um vídeo com alguém explicando em detalhes como será o funcionamento da escola é algo que pode ajudar a tranquilizar”, sugere Evandro. Manter o canal aberto para diálogo com os pais também é essencial. Em sua escola, Tortora enviou às famílias, por WhatsApp, um formulário (pelo aplicativo de pesquisas Google Forms). No questionário, ele perguntou às famílias se concordavam ou não com o retorno. Foi a forma que encontrou de se aproximar delas e entender melhor suas angústias.
Esse mesmo tipo de estratégia pode ser feito de outra forma, como, por exemplo, o envio de mensagens de áudio por WhatsApp. O educador também enfatiza a importância de que a escola “se mostre” para os pais e responsáveis. Isso significa compartilhar de vez em quando vídeos dos professores e funcionários, dirigindo-se às crianças, conversando com elas, falando do retorno, explicando como será. A direção da escola e os professores devem estar em permanente diálogo com as famílias, especialmente nesse momento delicado.
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