Para pensar a prática

A importância de realizar a escuta das crianças

A escuta sensível dos educadores está relacionada ao engajamento, protagonismo e participação ativa da criança na vida escolar

Ilustração sobre fundo azul, mostrando momentos de afeto e carinho entre adultos e crianças. Representando a escuta ativa na educação.
Ilustração: Juliana Eigner/NOVA ESCOLA

Uma brincadeira, um livro, uma música, uma roupa... quando, onde e como fazer uma atividade ou então com quem brincar. Não importa o contexto, é fato que muitas vezes, até sem perceber, os adultos acabam passando por cima do desejo das crianças e daquilo que faz sentido para elas. Muito tem se falado, no entanto, sobre dar protagonismo e escutá-las de forma ativa para propor experiências educativas mais significativas para os pequenos. Mas o que realmente significa “fazer a escuta” das crianças da Educação Infantil?

Beatriz Ferraz, psicóloga e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que a escuta está relacionada ao princípio do engajamento, do protagonismo e da participação ativa da criança. “A escuta é o que vai permitir ao educador planejar contextos de aprendizagem que estão sintonizados com o processo da própria criança nas suas descobertas e aprendizagens”, ressalta. 

Adriana Friedmann, doutora em Antropologia, mestre em Educação e professora do curso de pós-graduação "A vez e a voz das crianças: escutas antropológicas e poéticas das infâncias", no espaço A Casa Tombada, em São Paulo, acrescenta: “Temos defendido a importância de escutar e observar crianças, sobretudo, por considerá-las atores sociais e autoras das suas próprias vidas”.

Para a pesquisadora, que também é autora do livro que dá nome ao curso, é importante compreender que escutar crianças é premente para poder conhecê-las a partir das suas próprias vozes e expressões e compreender o que vivem, o que sentem, quais seus interesses, repertórios, desejos e sentimentos. 

“Compreender a importância das crianças exercerem seu protagonismo no cotidiano das suas próprias vidas, em diálogo permanente com os adultos responsáveis que com elas convivem, constitui uma reflexão e mudança de postura urgente na nossa sociedade”, observa Adriana. 

Nesse ponto, vale ressaltar que escutar a criança vai muito além de ouvir suas expressões verbais. “Escutar é uma ação de atenção plena, genuína, naquilo que as crianças nos contam, seja por meio de suas ações, expressões, do repertório que trazem nas brincadeiras de faz de conta, nas perguntas que fazem”, explica Beatriz Ferraz. 

O conceito abordado pela educadora exige, segundo ela própria, um professor que realmente busque conhecer a criança para conseguir compreender aquilo que ela comunica, o que, na maioria das vezes, não é transmitido pelo verbal, mas sim pelos temas que ela traz em situações do dia a dia e por meio das diferentes linguagens que usa para aprender. 

Adriana, por sua vez, ressalta que, no que diz respeito ao desenvolvimento das crianças, escutá-las para conhecê-las nas suas singularidades é uma atitude fundamental para se ter um claro ‘diagnóstico’. Não somente do ponto em que cada criança se encontra no seu desenvolvimento integral (emocional, cognitivo, físico, social), mas também, para oferecer ‘pistas’ aos educadores do que elas já sabem, dos seus interesses e necessidades. 

A partir disso, diz, é possível oferecer um currículo feito “sob medida” para cada criança, grupo e contexto sociocultural. “Essa mudança de postura vai, sem dúvida, potencializar quaisquer propostas a chegarem mais perto de adequar-se à diversidade e às verdadeiras necessidades de desenvolvimento de cada criança e de cada grupo”, defende. 

A especialista chama atenção ainda para o fato de que, mais do que ficar formulando perguntas, a ideia por trás da escuta passa mais por estar atento e observar seus corpos, suas brincadeiras, suas preferências, suas escolhas, suas produções e seus comportamentos. 

“Ao dar espaço e tempo para as crianças terem autonomia e livre escolha de com quem, onde e com o que querem brincar, interagir, expressar possibilita-se a autenticidade que, através, sobretudo, de expressões e linguagens não verbais as crianças têm de comunicar das suas vidas”, garante. 

O primeiro grande desafio para ela é, então, criar tais possibilidades. A partir dessas escutas e observações e do seu registro, o educador terá um primeiro panorama das vidas dessas crianças e poderá pensar e criar propostas a partir dos interesses, habilidades e potencialidades expressos pelas crianças, o que não deixa de ser outro desafio. 

Já para Beatriz, outra necessidade é o educador se preparar para a escuta ativa das crianças. “Quando planejamos um contexto de aprendizagem ou quando pensamos em como vamos organizar a semana e as experiências a serem proporcionadas, é crucial que a gente também antecipe o que é importante de ser observado nesses contextos”, recomenda. “As perguntas que levamos para nos acompanhar ao longo da semana vão nos ajudar a ter essa escuta mais plena”, completa. 

A escuta como prática diária

Diretora do EMEI Dona Leopoldina, em São Paulo há quase 10 anos, a professora Marcia Covelo Harmbach acredita e aposta todos os dias na escuta ativa dos pequenos. Prova disso é o Conselho Mirim da escola, criado em 2012 para dar voz às crianças. Por meio de assembleias, elas decidem o que faz sentido para elas, desde o tema de uma brincadeira até a hora do sono.

“As escolas sempre foram adultocentristas, com um discurso de que sabem o que é melhor para as crianças, e não as colocam em igualdade de condições nas decisões que lhes dizem respeito”, critica a gestora. 

Para ela, “o Conselho Mirim caminha nos passos trilhados por Paulo Freire, apresentando às crianças possibilidades de pensar sobre suas realidades, levantar hipóteses possíveis e utópicas, inerentes à fase simbólica, descobrindo que é possível transformar o seu entorno, na busca da utopia tão conhecida pelas crianças, de que é necessário ter empatia pelo semelhante e lutar pelo bem comum”.

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