Precisamos falar sobre igualdade de gênero
Quando o tema adentra a escola, criam-se oportunidades para reconhecer e debater sobre a injusta realidade social global
Vivemos num mundo androcêntrico, ou seja, que toma o uso do gênero masculino como referência do que é normal, bom e desejável. Essa perspectiva gerou, ao longo do tempo – e ainda gera –, uma série de preconceitos e violências com quem não se enquadra nesse perfil.
Uma definição bem simples sobre igualdade de gênero é igualdade entre todas as pessoas, que devem ter seus direitos e deveres garantidos. “Isso é a base para a construção de uma sociedade que seja livre de preconceitos e discriminações”, afirma Flávia Vivaldi, doutora em Educação, integrante do Gepem, grupo de estudos sobre Educação Moral que congrega pesquisadores vinculados à Universidade Estadual Paulista (Unesp) e à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora de livros sobre o tema. “Homens e mulheres precisam ter suas liberdades de escolha e desenvolvimento de capacidades pessoais garantidos, sem nenhum tipo de limitação em razão de estereótipos”, completa.
Os gêneros na história
O conceito de igualdade de gênero tem origem entrelaçada à ideia do movimento feminista, que apontou o gênero como uma construção social – e não natural. Compreender que havia uma diferença entre masculino e feminino permitiu ver que o primeiro era privilegiado em detrimento do segundo.
Nesse sentido, o movimento feminista, desde sua primeira onda, à época da Revolução Francesa (1789), tinha em suas ações sempre uma tentativa de acabar com a opressão sexista e instituir a igualdade entre os gêneros. “Mais recentemente, a discussão foi ampliada e deixou de ser uma dicotomia entre masculino e feminino. Passamos a compreender a ideia de gênero neutro, não binário ou fluido”, diz Danila Di Pietro, mestra e doutoranda em Educação pela Unicamp, especialista em gestão escolar e competências socioemocionais, coordenadora do Grupo de estudos de raça e gênero (Gerage) e consultora deste especial sobre o assunto.
Apesar de o direito à igualdade de gênero estar consagrado no artigo 5º da Constituição brasileira e de diversos movimentos sociais já terem conquistado avanços importantes, ainda há muitos desafios a serem superados, como a desigualdade salarial e a sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico.
E o que a escola tem a ver com isso?
O espaço escolar pode ser muito importante para a superação de desigualdades porque a diversidade se encontra nele. E conversar sobre igualdade com a comunidade escolar é reconhecer que a realidade (bastante injusta) precisa ser modificada para incluir todas as pessoas e não apenas quem faz parte da ótica androcêntrica. Confira em Gênero É Assunto para Todo Mundo sugestões para incluir toda a comunidade escolar no debate e para promover o desenvolvimento de cada ator sobre o tema.
A pesquisa Por Ser Menina, realizada pela Plan International Brasil e divulgada em 2021, mostra dados que comprovam o tamanho da desigualdade entre os sexos desde a infância. O levantamento ouviu 2.589 meninas brasileiras de 14 a 19 anos e constatou que 69,4% delas revelaram sentir seus direitos desrespeitados por serem meninas/mulheres.
Dentro de casa, elas ainda realizam o dobro de trabalhos domésticos que os meninos (67,2% das meninas ante 31,9% dos meninos), o que valida a tese de que elas são precocemente responsabilizadas pelo cuidado com o lar e com as pessoas. “A escola não pode reproduzir isso, tem de conhecer dados como esses e agir na contramão de um modelo que já vem sendo alimentado há séculos. A escola precisa trabalhar na perspectiva da convivência ética”, explica Flávia.
A escola é apontada como um local de violência pela pesquisa da Plan. É no espaço escolar que as meninas declaram sofrer mais assédio (32,4%) e violência de gênero (25,4%) e o segundo local onde sofrem com a violência sexual (24%). “É necessário incentivar o trabalho com masculinidades positivas, mostrar que sexismo e machismo fazem parte de uma cultura tóxica de atribuições de papéis de forma distorcida, à força, num jogo de poder”, explica Raíla Alves, gerente de gênero e empoderamento econômico da Plan International Brasil.
Por onde começar?
Um caminho básico é desnaturalizar a ótica do senso comum, não corroborando com a ideia de brincadeiras ou filas de meninas e de meninos, por exemplo. Existem ainda hoje escolas que atribuem cor ao material para eles e para elas. Tal pensamento acaba, ainda que de modo sutil, incentivando humilhações, por exemplo, se um menino diz gostar da cor rosa.
Outras ações que devem ser planejadas, sequenciadas e ter um claro objetivo pedagógico são as de natureza curricular. Por exemplo, propor estudos e diálogos sobre os índices de pesquisas que envolvem o salário de homens e mulheres (com estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental) e fazer rodas de conversa sobre o porquê se diz que brincar com boneca é coisa de menina (com alunos da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental).
Já as ações de natureza interventivas são necessárias quando um conflito se apresenta. Como quando estudantes se xingam com termos como “viadinho” ou “biscate”. Nesses casos, investigar qual a causa do comportamento e pensar coletivamente em resoluções é um meio para contribuir com a igualdade de gênero.
Na EMEI Evaristo da Veiga, na capital paulista, o tema vem sendo abordado com o time de docentes, para fortalecê-los com informações e para lidar com as crianças e os familiares. A coordenadora pedagógica Rosemeire Reis explica que estão revendo, em momentos de formação, algumas cenas do Currículo da Cidade, como a que trata sobre duas meninas que barram a participação de um menino em uma brincadeira de casinha, pelo fato de ele ser menino. “Não se trata de incentivar ninguém a mudar de gênero. Temos de discutir a realidade em nome do respeito à diversidade”, reflete. Confira uma proposta de formação docente em Vamos Refletir Sobre Igualdade de Gênero?
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