13 perguntas e respostas sobre as dez competências gerais da BNCC
NOVA ESCOLA mergulhou no documento, buscou outras referências e conversou com uma especialista para esclarecer as dúvidas mais comuns sobre o assunto
Logo na introdução da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), lá estão elas: as dez competências gerais que devem nortear todo o trabalho da Educação Básica, assegurando o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes ao longo de sua formação escolar.
Embora a BNCC já esteja próxima de completar três anos desde o início do processo de implementação, ainda são comuns as dúvidas de professores e gestores sobre como trabalhar as competências gerais, que extravasam o currículo formal e devem perpassar toda a aprendizagem, independentemente de etapa escolar ou disciplina.
Para ajudar você, NOVA ESCOLA preparou esta lista de perguntas e respostas. Para sua elaboração, contou com a própria BNCC e o material disponível no site do Movimento pela Base, do Instituto Reúna, além do apoio da especialista em Educação Anna Penido.
1. O que são as competências gerais da BNCC?
A BNCC é a política pública que define os direitos de aprendizagem de todos os alunos do Brasil, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Para nortear o trabalho das escolas e dos professores em cada uma das etapas de ensino, a BNCC traz como pilares dez competências gerais que vão além dos saberes cognitivos, aqueles conhecimentos pautados pelos componentes curriculares como Língua Portuguesa e Matemática. As competências gerais apontam para o desenvolvimento integral do estudante.
2. Por que as Competências surgiram?
A Base aponta para a necessidade de os alunos serem capazes de utilizar os saberes adquiridos para darem conta do seu dia a dia, sempre respeitando princípios universais, como a ética, os direitos humanos, a justiça social e a sustentabilidade ambiental. Ela também indica que as escolas promovam não apenas o desenvolvimento intelectual, mas também o social, o físico, o emocional e o cultural, compreendidos como dimensões fundamentais para a perspectiva de uma Educação integral.
3. Quais são as dez competências gerais da BNCC?
As dez competências gerais da BNCC são: Conhecimento; Pensamento científico, crítico e criativo; Repertório cultural; Comunicação; Cultura digital; Trabalho e Projeto de Vida; Argumentação; Autoconhecimento e autocuidado; Empatia e cooperação; Responsabilidade e cidadania. Aqui, vale fazer a leitura do próprio documento, que descreve com clareza cada competência:
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbitos local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
BNCC, disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#introducao
4. Qual a diferença entre competência e habilidade?
Competência é a capacidade de, nas palavras do documento, “mobilizar” - isto é, utilizar - conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver questões da vida real, do dia a dia. Na BNCC, além das competências gerais, existem as específicas, em cada área do conhecimento.
Ao propor um ensino por competência e não fundamentado no conteúdo, a Base reconhece que adquirir informações ou apenas habilidades cognitivas não é o suficiente para o aluno. Por exemplo: na vida profissional não basta saber ler e escrever com maestria ou dominar cálculos matemáticos; é preciso saber conviver eticamente com os colegas, argumentar, levantar hipóteses diversas sobre a causa de um problema, recorrer a um repertório de conhecimentos para além da área profissional específica... Adquirir competências significa aprender a articular tudo isso para lidar com os desafios da vida.
Já as habilidades são os aprendizados específicos de cada área ou componente curricular, o que os alunos aprendem a fazer. Elas são sempre associadas a verbos de ação, como “identificar”, “classificar”, “descrever” e “planejar”. No contexto escolar, ler e interpretar um texto, apresentar um trabalho para os colegas e realizar operações matemáticas são exemplos de habilidades que os estudantes desenvolvem ao longo da evolução escolar.
5. O que difere as competências gerais das específicas?
As competências gerais são amplas e precisam ser desenvolvidas ao longo de toda a vida escolar, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Tudo que se aprende na escola, em alguma medida, deve contribuir para o desenvolvimento de uma das dez competências gerais. Elas são o objetivo final, a finalidade maior da Educação básica no Brasil. As competências específicas dizem respeito às áreas do conhecimento. Elas são a contribuição de cada área para o desenvolvimento das competências gerais, que são a soma de tudo isso.
6. Como ensinar as competências gerais aos alunos?
O mais importante é entender que, por tratarem do desenvolvimento integral, não é possível aprender as competências em aulas expositivas. Elas demandam a criação de oportunidades, vivências e experiências na escola, dentro e fora da sala de aula, que ajudem os estudantes a desenvolvê-las e entrarem em contato, na prática, com seus valores, suas atitudes, suas vocações, suas potências e desafios. Quando falamos de empatia, criatividade, criticidade, cidadania, responsabilidade, resiliência, determinação, todas são competências que demandam o acúmulo de experiências. O estudante deve ser exposto a atividades concretas em que ele vai precisar lançar mão destas competências para resolver problemas, lidar com conflitos, para propor soluções, inovar, tirar suas próprias conclusões a respeito dos mais diversos temas, lidar com a tecnologia e se expressar. São aprendizagens que se dão com a mão na massa, de maneira muito concreta e conectada com a vida.
7. Devo planejar aulas focadas em uma competência, como, por exemplo, uma aula de empatia e cooperação?
Não é necessário desenvolver aulas específicas sobre cada competência, mas é preciso que haja intencionalidade no planejamento, ou seja, que as experiências em sala de aula sejam propostas pelo professor tendo em vista o desenvolvimento das competências. Isso pode, inclusive, se concretizar em momentos nos quais as competências são discutidas de maneira explícita.
A competência 9, Empatia e Cooperação, por exemplo, pode ser trabalhada quando se pede aos alunos que desenvolvam trabalhos em grupo e, ao final, haja uma discussão a respeito da colaboração: ela funcionou ou não? Por quê? O que cada um pode fazer para que o trabalho em grupo flua melhor da próxima vez? Ao acrescentar a reflexão sobre o processo, os alunos reforçam a aquisição da competência e tomam consciência de que a estão desenvolvendo. O importante é que os professores entendam as competências gerais e todos os conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que cada uma delas compreende.
8. Se as competências gerais permeiam toda a aprendizagem, como promover uma colaboração eficiente entre as disciplinas?
As competências gerais não são responsabilidade de um único professor. Muito pelo contrário: elas precisam ser desenvolvidas pelo conjunto dos professores e até dos demais funcionários da escola. Por isso é tão importante que o planejamento seja feito de forma coletiva e que cada docente possa entender, a partir do seu próprio perfil e das habilidades que vai desenvolver na sua disciplina, que aspectos de cada competência geral ele pode desenvolver. É um trabalho muito interdisciplinar, coletivo, que exige alinhamento, colaboração, planejamento e a implementação conjunta de toda a equipe docente. Além disso, o trabalho deve extrapolar as paredes da sala de aula e se concretizar em iniciativas puxadas pela gestão escolar, como nos espaços de participação democrática dos estudantes (que podem ser os grêmios estudantis, por exemplo), as gincanas, os projetos institucionais, as atividades artísticas e tudo que permeia a vida na escola.
9. Há algum mecanismo de busca/categorização das competências para considerá-las no planejamento?
A própria introdução da BNCC dá algumas indicações de articulação. Mas há uma plataforma muito útil, que hoje está sob a gestão do Movimento pela Base. Esses dois documentos detalham um pouco mais as aprendizagens relativas a cada competência geral e indicam como essas aprendizagens evoluem ao longo do tempo, da infância à adolescência, associando as competências gerais com as habilidades de cada componente.
10. Entre as competências gerais, quais devem ser aplicadas em cada ano?
As competências gerais não se restringem a um ano ou devem ser trabalhadas de forma fragmentada. Elas precisam ser trabalhadas a todo momento, durante todos os anos, como forma de fazer com que os estudantes evoluam gradualmente. Trata-se de um processo de desenvolvimento humano que deve dialogar com a fase em que cada estudante está inserido.
Os documentos mencionados na pergunta anterior podem ajudar a entender com que grau de complexidade cada uma das competências pode ser trabalhada a cada etapa escolar. E vale reforçar que elas acontecem de maneira muito articulada com o que já se faz dentro da escola, não necessariamente de uma maneira isolada.
11. Qual a diferença entre competências gerais e competências socioemocionais?
As competências gerais da Base dialogam com cinco dimensões do desenvolvimento: intelectual, cultural, física, social e emocional. A intelectual é mais associada ao conhecimento e como utilizá-lo. Na cultural, explora-se como os alunos se conectam com a sua identidade, sua própria cultura e aprendem a valorizar e transitar por diferentes culturas, por diferentes manifestações artístico-culturais. Na física, estão as competências ligadas à capacidade de os alunos lidarem com seu corpo, sua qualidade de vida, seu bem-estar e o desenvolvimento de sua potência física. E existem as competências ligadas à dimensão socioemocional, que é a capacidade do indivíduo de lidar com suas próprias emoções e com suas relações. As competências socioemocionais estão contidas nas competências gerais, que são mais amplas. E tanto dizem respeito a uma dimensão mais sutil socioemocional quanto à dimensão cognitiva, além de uma dimensão mais híbrida, como criticidade, que mistura o cognitivo e o socioemocional.
12. Há professores na escola que não concordam com a Base. O que fazer?
É preciso entender por que esses professores resistem à BNCC. Quais são os fatos, dados e evidências que os fazem rejeitar o documento? Muitas vezes a rejeição parte de achismos e mitos, mas não de um conhecimento aprofundado e genuíno sobre o documento. Entendendo o porquê da rejeição, é possível abrir diálogo. E, mais do que tudo, é importante que todos entendam que a Base não é um documento perfeito, como nenhum é. Elaborar uma diretriz para todo o país exigiu contemplar diferentes visões de Educação e uma diversidade de segmentos, de maneira que sempre haverá espaço para debater melhorias. Cabe às redes e escolas, inclusive, refiná-lo na própria implementação.
A formação da equipe deve mostrar como a BNCC ajuda a clarear quais são os direitos de aprendizagem de todos os alunos, de Norte a Sul, nas cidades ou nas áreas rurais. A Base ajuda o professor a entender o que se espera dele e a promover a equidade, uma vez que todos precisam ter os direitos de aprendizagem assegurados.
13. Há algum tipo de viés ideológico que baseia as competências gerais da BNCC?
Não. As competências gerais da BNCC foram construídas com base em pesquisas sólidas sobre o papel da Educação ao formar pessoas para o mundo contemporâneo capazes de fazer escolhas em relação à sua vida pessoal, profissional e cidadã. Todas as competências dialogam com as dimensões intelectual, física, social, emocional, cultural do ser humano. Além disso, muitas dessas competências estão contempladas em currículos de diferentes países que têm diferentes vieses culturais, políticos ou religiosos. É um conjunto de competências que pretendem dialogar com valores universais e não valores de um grupo ou segmento da população.
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