Como trabalhar o futuro e o Projeto de Vida com os alunos de Fundamental 1
Neste momento da trajetória escolar dos estudantes, estimular o autoconhecimento, a autorregulação e a empatia é fundamental para que possam construir seus planos pessoais nas outras etapas
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê como uma das competências gerais da Educação Básica o Trabalho e Projeto de Vida, que busca estimular nos alunos a compreensão das relações próprias do mundo profissional e fazer escolhas alinhadas ao exercício de sua cidadania.
Geralmente, é na adolescência que a escola consegue trabalhar de forma mais sistemática essa competência, pois é nesta fase que se torna necessária uma construção mais efetiva da autonomia para responder existencialmente às perguntas sobre quem somos e qual diferença queremos fazer no mundo.
Ainda assim, a tarefa de construção de autonomia pode e deve começar muito antes disso, desde a Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Afinal, a competência vale para todas as etapas da Educação Básica.
Em qualquer momento da trajetória escolar, a abordagem de Projeto de Vida na escola precisa ser intencional e estruturada, defende Simone André, especialista e consultora em Educação. “Mesmo em uma abordagem informal, precisa haver intencionalidade ou não se cumprirá o papel do desenvolvimento de competências”, afirma. Além disso, na visão da educadora, trabalhar Projeto de Vida deve ser visto além da ideia de abordar futuros possíveis, pois ele inclui autoconhecimento, relacionamento com outros e com o coletivo, capacidade de planejar e persistir nos objetivos, escolhas presentes que impactam a vida agora, as incertezas e os conflitos que marcam a vida em todas as idades.
“Colocar a ênfase somente no futuro traz um gosto amargo demais para os mais jovens, e ainda mais para as crianças, que são levadas a pensar que precisam abandonar aquilo que dá sentido ao que são e os faz presentes no presente em nome de um futuro que mal conseguem projetar. Projeto de vida é o agora também”, resume.
Thais Vitale é especialista de conteúdo socioemocional do Projeto Pleno e tem trabalho voltado especialmente nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Ela acredita que nesta etapa devem ser abordadas competências socioemocionais que estão na base da construção de projetos de vida, como autoconhecimento, autorregulação, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável. “A partir do desenvolvimento de habilidades socioemocionais relacionadas a essas competências ainda na infância, é possível desenvolver temas e conteúdos que ajudarão, nos Anos Finais, e sobretudo no Ensino Médio, a aprofundar questões relacionadas a propósito, impacto, escolha e o fazer acontecer”, afirma.
Para a educadora, temas relacionados à identificação e nomeação de emoções e sentimentos, à empatia, às estratégias para lidar com emoções desagradáveis e aos valores desejáveis de universalização são algumas possibilidades de abordagem para o Fundamental 1.
Questionamentos sobre o futuro
Ainda segundo Thaís, a partir do trabalho com algumas competências da BNCC é possível realizar uma sistematizção progressiva para ajudar os alunos a se desenvolverem. As competências gerais 6, 8, 9 e 10 (saiba mais sobre elas aqui) possibilitam abordar com os estudantes do Fundamental 1 questões relacionadas ao futuro a partir de alguns questionamentos:
- Como as minhas ações me impactam e como impactam o outro?
- O que eu estou sentindo? Por que eu sinto isso?
- Como posso me organizar para atingir o meu objetivo?
- O que é respeitar o outro?
- Como as ações do grupo do qual faço parte impactam os outros seres vivos?
- Como é o mundo onde vivo? O que eu gostaria que fosse diferente? Por quê?
“Essas questões podem ser abordadas por meio de diferentes estratégias, como roda de conversa, registros por escrito, desenho, pintura ou colagem e elaboração de projetos, entre outras que respeitem a etapa de desenvolvimento dos estudantes”, sugere Thaís.
Dicas para trabalhar Projeto de Vida nos Anos Iniciais
Dentro deste contexto, Simone indica três pontos para auxiliar os professores do Fundamental 1 a iniciarem o trabalho com Projeto de Vida:
1. Trabalhe com identidade do estudante: Como é ser menina, menino ou o que a criança deseja ser; como é ser branca e não branca; como é ser filha/o de seus pais; como é morar onde moram? O que tem de bom e de desafiante nisso? Como confiar em si mesmo e se fortalecer com o que tem de bom, antes de se fragilizar com o que tem de desafiante?
2. Trabalhe com a visão, as crenças e aspirações que os adultos que a cercam têm sobre essa criança, de modo que seus sonhos infantis sejam acolhidos e alimentados positivamente por esses adultos. Já é bastante documentado o quanto as baixas expectativas de pais e professores impactam negativamente no aprendizado e no desenvolvimento dos estudantes e vice-versa. O futuro para as crianças se constrói a partir do que os adultos significativos cultivam em relação a elas.
3. Trabalhe a relação com a escola, o convívio e a aprendizagem. O que pensam e sentem em relação à escola? Se percebem pertencendo à escola? Têm espaço para trazer suas opiniões e serem escutados? Têm liberdade para errar e aprender com erros? Como percebem os preconceitos, a discriminação, o respeito e a colaboração no convívio entre as crianças, com os professores, funcionários e gestores? O que estão aprendendo e o que não estão aprendendo? Têm liberdade e confiança para trazer suas dificuldades e dúvidas?
Um mundo pós-pandemia
A pandemia acentuou o caráter imponderável do futuro para todos e as crianças podem sentir de maneira particular essas incertezas. Por isso, para além de imaginar futuros possíveis, o autoconhecimento, a autorregulação e a empatia, habilidades fundantes do Projeto de Vida, precisam estar entre os objetivos da escola.
Para Simone, o desenvolvimento do Projeto de Vida ajuda a dar sentido ao que se vive agora para que possa alimentar o futuro que aprenderão a construir. Quando pensamos na escola, reflete a especialista, não podemos considerá-la importante apenas porque ela supostamente traz recompensas para o futuro do estudante. A escola é importante e faz sentido no presente das crianças e, por ter grande significado em suas vidas, se torna relevante para o futuro.
É preciso, ainda, olhar para as condições sociais que afetam as vidas de todos nós e, mais cruelmente, dos mais vulneráveis desde pequenos, no presente. Elas precisam ser enfrentadas e ter seus efeitos trabalhados desde muito cedo. O mesmo vale para a criação de uma consciência assertiva sobre as condições ambientais.
Nesse sentido, é possível estimular a construção da responsabilidade das crianças como cidadãos, o que pode ser feito a partir de ações responsáveis no dia a dia, mostrando os fundamentos que as sustentam e as possíveis consequências dessas ações. “Para isso, é importante adotar uma abordagem rica e ativa, que coloque as crianças como protagonistas do processo de ensino-aprendizagem, e estimular a realização de projetos, pois eles podem ser implementados na escola e envolver a comunidade escolar, o que ajuda os estudantes a perceberem como suas ações podem fazer a diferença”, conclui Thaís.
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