PARA SABER MAIS

Além da frase: aprofunde-se em 6 ideias de Paulo Freire

Quer entender melhor o contexto de algumas afirmações do educador que costumam circular nas redes sociais? Confira uma seleção que fizemos com a ajuda de Dulce Ferreira, uma de suas maiores estudiosas no Brasil

Ilustração de Paulo Freire sendo reconhecido pelas pessoas.
Ilustração: Nathalia Takeyama/NOVA ESCOLA

Quantas imagens de Paulo Freire ao lado de uma frase atribuída a ele você já viu nas redes sociais? Mais do que a dúvida sobre a autoria, essa propagação de afirmações descontextualizadas abre margem para interpretações – e até aplicações – imprecisas. 

Para ajudar os educadores a saberem se as frases que circulam por aí são verdadeiras e oferecer uma interpretação real do que estas querem dizer, NOVA ESCOLA conversou com Dulce Ferreira, docente do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e uma das maiores estudiosas da obra de Paulo Freire no Brasil. Dulce nos ajudou a selecionar frases que resumem o pensamento freiriano, mas contextualizando as citações e dizendo onde encontrá-las na vasta obra do pensador. Confira:

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“Mudar é difícil, mas é possível.”
Pedagogia da Indignação - Cartas Pedagógicas e outros escritos. Editora Paz e Terra. Publicado pela primeira vez em 2000. 


Freire diz que, se nós temos a capacidade criadora de mudar as coisas, como fazer uma barragem ou nos proteger do frio, e se podemos mudar as coisas do campo da cultura de uma sociedade, por que não podemos mudar o curso da história? Para Freire, a história é feita das ações do cotidiano, então é na luta cotidiana que se constrói a mudança. Mas isso sempre se dará com muita dificuldade porque há resistência à mudança, um jogo de forças entre a regulação e a emancipação. É nesse jogo, na história, que podemos mudar, segundo o educador, o curso da política, pois para ele a história é o tempo da mudança do modo de viver. A dificuldade vem dos modos diferentes e divergentes de pensar o mundo, de pensar a existência, por isso a possibilidade apesar da dificuldade. 

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“Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o  diálogo.”
Pedagogia do Oprimido, página 45. Editora Paz e Terra. Publicado pela primeira vez em 1968.


Paulo Freire inicia Pedagogia do Oprimido oferecendo o livro aos esfarrapados do mundo. Ele dizia que, ao sofrerem, as pessoas se reconhecem no mundo e nos reconhecemos naqueles que sofrem. E quando nos reconhecemos naquele que sofre, lutamos com ele para que as coisas melhorem, para que o mundo melhore, para que as pessoas possam viver dignamente. “Esse é o amor que o Paulo Freire nos ensina. Amar o mundo não é um discurso piegas, amar a vida não é uma banalidade: é olhar no outro a possibilidade de vida”, afirma Dulce. Ela diz, ainda, que sem essa amorosidade, sem esse respeito, sem o reconhecimento do direito à vida do outro, é impossível o diálogo. “O ponto principal para pensarmos outra relação humana no mundo, outra relação com o mundo e no mundo é o amor ao outro, à vida, e esse amor se expressa no respeito e na busca pelos direitos humanos”, resume.

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“A pedagogia do oprimido é, pois, libertadora de ambos, do oprimido e do opressor. A verdade do opressor reside na consciência do oprimido”
Pedagogia do Oprimido, página 5. Editora Paz e Terra. Publicado pela primeira vez em 1968. 

A frase é encontrada também sintetizada como: 

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor.”


A frase resume a necessidade de se pensar uma pedagogia do oprimido. Freire diz que todos nós, de certa forma, sofremos as consequências do modo como a sociedade ocidental, capitalista, se impõe. Nesse jogo de força, vamos sendo vistos como impotentes e incapazes. Então, todo oprimido vai se recalcando e guardando num lugarzinho secreto seu desejo de estar no lugar do opressor, em vez de pensar em relações mais iguais.

Muitas vezes, o oprimido que não viveu a experiência da liberdade deseja se colocar no lugar do opressor. “Por isso, a educação libertadora é tão importante: se aprendemos a solidariedade, a igualdade, a liberdade de escolhas, o respeito ao outro, o diálogo, a valorização dos nossos saberes, não teremos nada recalcado, não teremos uma dor escondida querendo oprimir o outro”, reflete Dulce. A especialista afirma também que na relação libertadora nos educamos e formamos seres dialógicos, respeitosos e solidários, não pessoas que vão desejar oprimir o próximo.

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“A história é tempo de possibilidade e não de determinações.”

Política e Educação, Editora Paz e Terra. Publicado pela primeira vez em 2001.


Pensar a história como possibilidade é reconhecer a Educação também como possibilidade. Essa frase nos ajuda a pensar a vida como um processo que acontece na história. Por isso, não podemos olhar para o momento presente e achar que chegamos ao final da história, é preciso compreender o percurso histórico. Portanto, a história é possibilidade de ação para que um novo rumo possa ser criado.

Segundo Dulce, a história como possibilidade vai se refletir na Educação também como possibilidade, porque é na relação educativa que se aprende a compreender a realidade, a fazer a leitura da realidade, do mundo, já que a leitura da palavra envolve a leitura de mundo. “Antes de lermos as palavras, lemos o mundo e o entendemos para fazer escolhas. Por isso, a Educação também é possibilidade de construção de outra história, de outro mundo, de outra relação humana, de outro projeto de sociedade”, comenta Dulce. 

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“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”

Pedagogia do Oprimido, página 39. Editora Paz e Terra. Publicado pela primeira vez em 1968. 


Essa frase traz a concepção de Educação como prática de liberdade: uma educação libertadora e emancipadora. Ela significa que, na relação educativa, não existe a possibilidade de uma pessoa impor ao outro um modo de de existir, porque mesmo que se diga ao outro o que pensamos, o outro tem um ângulo particular de olhar, outra história e outra vivência. 

A relação educativa é sempre uma relação inter-humanos, com o modo como o educador traz seu olhar e o encontro do modo como o educando vê o mundo. “Não é possível imposição, é sempre na troca que os dois vão se constituindo. Do mesmo modo que eu não educo o outro, também não educo a mim mesma, porque sou um ser social, sempre estou em relação com os outros. Dentro de uma perspectiva libertadora como o Paulo Freire sugere, nós vamos nos libertando”, explica Dulce.

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“Não há esperança na pura espera.”

Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Com notas de Ana Maria Araújo Freire. Editora Paz e Terra. Publicado pela primeira vez em 1992.


Pelo pensamento de Freire, o sentimento da esperança é a crença de que é possível viver melhor. Mas como a esperança vai se concretizar? O que Freire reforça com essa frase é que, para conseguir o que se espera, é preciso movimento. Se a esperança for espera, esperar que algo aconteça, será uma espera vã. “Ele sugeriu usar o verbo ‘esperançar’, que é buscar e construir outro modo de vida. Enquanto caminhamos nessa esperança, criamos outro modelo de sociedade. Então, a esperança é movimento. Não é espera, é esperançar”, explica Dulce.

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