Para repensar a prática

Fundamental 1: O desafio da alfabetização no ensino remoto

Apesar dos desafios, professoras do Recife conseguem avançar durante o ensino remoto

A professora de AEE Adriana Cunha serve de exemplo e inspiração para seus alunos.Fotografias realizadas remotamente por Tainá Frota com o aparelho do professor Jair, respeitando o distanciamento social. 

"Ele não falava nada, não olhava para as pessoas, era muito agitado e não conseguia sentar para fazer as tarefas", relembra Maria Katiane Tavares de Mendonça, mãe de Kelwyn, de 7 anos, diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA). "Agora ele consegue. É difícil, mas eu luto muito com elas [as professoras]. Ele vai progredir como todas as crianças." Ao longo da conversa, Katiene reforçou muito a importância do trabalho da equipe da EM Professor Ricardo Gama, no Recife (PE). Ela conta que, apesar das dificuldades, o ensino remoto tem funcionado: o filho nunca deixa de fazer as atividades e os avanços são visíveis.

"Quando uma criança com deficiência chega na minha turma, eu só consigo olhar para ela como meu aluno, ele faz parte da minha turma", afirma Emiliana Rita Souza Ferreira, professora do 2º ano do Ensino Fundamental na escola. Essa é a máxima que guia todo o trabalho dela. Neste ano, Kelwyn faz parte da turma da educadora. 

Já no início do ano letivo, ainda nas aulas presenciais, a professora começou um trabalho focado em auxiliar Kelwyn em aspectos como concentração, coordenação motora e oralidade. Esse mesmo trabalho também era realizado com outros alunos sem deficiência. "Ele tem ótima sociabilidade", ressalta Emiliana.

Com o início da quarentena e a entrada da turma no ensino remoto, as estratégias tiveram de mudar. Uma das soluções encontradas para trabalhar a oralidade, por exemplo, são os áudios por WhatsApp. Em paralelo, as professoras do Atendimento Educacional Especializado (AEE) Adriana Cunha e Seine Reinaux enviam atividades diárias, focadas em alfabetização para os alunos que fazem parte da sala de recursos - entre eles, Kelwyn. A cada semana, é escolhido um assunto do cotidiano na quarentena para inspirar a atividade: já foi falado sobre alimentação, sobre brincadeiras em casa e - claro - sobre o novo coronavírus. 

Para que o trabalho funcione, Adriana e Seine ajustam o planejamento constantemente. Às sextas-feiras, as professoras têm um encontro individual com os pais ou responsáveis para verificar como foi a semana e se as crianças tiveram dificuldades. Quando alguma atividade não dá certo, a estratégia é revisada para a semana seguinte.

As propostas não são um  reforço ou substituição do conteúdo trabalhado em sala de aula - afinal, não é essa a função do AEE -, mas sim, um apoio pedagógico. 

Na escola, as atividades eram individuais, mas durante o ensino remoto foi preciso adaptar. As professoras enviam as mesmas propostas para todos os alunos. A diferença está na forma com que cada um vai trabalhar em cima daquele conteúdo. "Damos várias sugestões para que todos possam participar", explica Adriana. Isto é, todos terão a mesma proposta, mas os direcionamentos variam: alguns vão responder desenhando, outros escrevendo ou enviando um áudio, a depender do que se deseja trabalhar com o estudante. 

No entanto, e o convívio com os colegas, como fica neste momento de distanciamento? Para amenizar um pouco a falta que a socialização faz, Kelwyn e os amigos fazem toda semana uma "visita virtual" às professoras do AEE, por meio de uma chamada de vídeo, na qual todos conversam. Às quartas-feiras também há um encontro virtual, mais focado em estimular o movimento com brincadeiras musicais. "Eu tenho poliomielite e uso cadeira de rodas. Quando vamos brincar não tem problema eu estar na cadeira, o importante é não deixar de brincar", conta a professora Adriana. Ela enfatiza o quanto é importante que os alunos a vejam participando de todas as atividades. Essa atitude também acontecia na escola, quando Adriana participava das brincadeiras durante o intervalo. 

Parceria de sucesso

Apesar do pouco tempo de convivência  presencial com as turmas deste ano, a professora Emiliana, da sala regular onde Kelwyn estuda, conhece a trajetória do menino. Ela conta que, em dezembro, as professoras do AEE apresentam as turmas e as barreiras que impõem a cada aluno. "Fizemos uma seleção de vídeos e fotos que temos para contar quem é a criança. Temos de focar na pessoa, não na deficiência", diz Adriana. 

Neste momento de ensino remoto, as professoras do AEE participam do grupo de WhatsApp das professoras das salas regulares com a gestão da escola. Nesse espaço, as educadoras compartilham as atividades que vão propor para as turmas e a proposta é discutida. As professoras da AEE fazem uma análise da acessibilidade da atividade e fazem sugestões. Por exemplo: se em uma turma há um aluno com baixa visão, elas verificam o tamanho da fonte e a estrutura da atividade, antecipando possíveis barreiras que devem ser demolidas. "Tem dado certo. Elas [Adriana e Seine] defendem muito o vínculo e a musicalidade. Era algo que eu já fazia", relata Emiliana. As trocas entre as professoras da sala regular e a sala de recursos é constante. "As professoras estão dando um show", elogia Adriana.

O projeto político-pedagógico (PPP) da escola prevê que as professoras do AEE colaborem com a formação de toda a equipe da escola do ponto de vista da inclusão. Durante a quarentena, além das reuniões pedagógicas, elas organizam lives semanais com convidados e discussões formativas de assuntos variados para pensar a educação inclusiva. O projeto recebeu o nome de "Saber especial".

As trocas com as famílias também têm sido positivas. Emiliana conta que, além do contato pelo grupo de WhatsApp da turma, mantém mais constantes com Kelwyn e sua mãe, Maria Katiane. As professoras da AEE também estão constantemente em contato com os responsáveis para entender como está a situação e quais as dificuldades.

Com dificuldades na fala, Kelwyn aceitou enviar um áudio para a reportagem de NOVA ESCOLA. Como você já viu na abertura deste texto, a mãe contou que, no início do ano, o filho não conseguia pronunciar palavras como “mamãe”. Mas o resultado do trabalho realizado pela escola a distância apareceu no áudio: Kelwyn apresentou-se e pronunciou palavras como mamãe, papai e tia. "Eu vejo que ele está concentrado, entendendo, segurando o lápis com segurança. Quando falo, ele já sabe o que fazer, olha para mim", relata Emiliana. Apesar dos desafios do ensino remoto e das novas estratégias testadas, os resultados positivos são possíveis.

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