Para aprender com a prática

Ensino Médio: Caixas de ovos para incluir todos na aula de Matemática

Rozeli usa materiais do dia a dia para aproximar turma do conteúdo e auxiliar no aprendizado

A professora Rozeli usa materiais como caixas de ovos e barbantes para ensinar Matemática a Wellington, do 3º ano. Ilustração/ Julia Coppa

Dez entre dez professores sabem que a Matemática é vista por muitos alunos como um bicho de sete cabeças. No Ensino Médio, então, a antipatia pela disciplina costuma crescer ainda mais e prejudica até mesmo o envolvimento do estudante com o conteúdo. É por isso que Rozeli Imaculada Barrese, professora na Escola Estadual de São Paulo, na capital paulista, tenta desmistificar isso todos os dias.  

“Eu não apresento só a teoria para o aluno, quero que ele entenda que aquilo teve um motivo”, explica. Para isso, Rozeli começou a apostar em uma estratégia muito comum na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, mas que se perde com os mais velhos: o uso de materiais concretos, como caixas de ovos e de leite, barbantes e tampinhas de garrafa, para iniciar um conteúdo em sala. 

É uma abordagem que agrada e facilita a vida da turma toda, inclusive de Wellington Roberto Pereira de Melo, aluno do 3º ano do Ensino Médio. Ele, que tem um tipo de deficiência intelectual, participou ativamente de um dos grupos que fizeram o estudo. “Eu sei os alunos que tenho na minha sala, suas dificuldades e potenciais. Então, considero isso e sempre olho no meu entorno ferramentas que possam ajudar o desenvolvimento da atividade”, conta.

No ensino presencial, por exemplo, para ensinar um conteúdo sobre plano cartesiano, a docente utilizou caixas de ovos para criar esses planos, cujas coordenadas x e y são feitas de barbante. Os alunos foram divididos em grupos e ela fazia a explicação e mediação do que deveria ser feito após a confecção. “Eles montaram equação seguindo perguntas disparadoras que eu fazia ao longo do processo”, pontua.

E a proposta de ensino da Matemática diferenciada não impacta só o aprendizado de Wellington. “Ele desenvolveu muito nesses últimos três anos, mas todo esse projeto colabora para o aluno que tem uma dificuldade de visualizar ou aprendeu com bastante resistência nos anos anteriores”, reflete.


Incluir no Ensino Médio é difícil? 

Para Daniela Alonso, especialista em Educação inclusiva, o desafio de incluir pessoas com deficiência no Ensino Médio esbarra num problema que vale para todos: o modelo de ensino usado nessa etapa é conteudista, de maneira que os estudantes não veem sentido no que fazem dentro da escola. Por isso, Daniela sugere que é preciso repensar os formatos das aulas, que são feitas para um tipo de aluno apenas, e passar a dar espaço para as metodologias ativas, onde há maior espaço para a subjetividade e as diferentes formas de aprender. 

Assim como prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a especialista aponta que é necessária uma formação na qual os jovens reflitam sobre seus projetos de vida. Segundo Daniela, a maioria dos países com melhores resultados na aprendizagem toma esse caminho: “E o Brasil continua investindo na questão do conteúdo. Mas que conteúdo é esse que estamos trazendo para o Ensino Médio? Ele prepara o vestibular para participar apenas de uma seleção? Ou prepara para o jovem estar pronto para vida?”, questiona.


Com a chegada do ensino remoto, a interação entre os alunos e a forma de apresentar o conteúdo precisou ser adaptada, mas Rozeli continua no esforço de garantir a aprendizagem para todos. “Transformei minhas aulas em vídeos e estou tentando manter a mesma energia”, conta. 

Como Wellington tem dificuldades para acessar a plataforma, a representante da turma envia os vídeos pelo WhatsApp. Ele faz toda a comunicação com a professora pelo aplicativo: tira dúvidas e até envia fotos das atividades - um avanço, pois ele não conseguia manusear essa função do celular. “O mundo da escola é uma vida viva para Wellington, e ele já vem perguntando se pode visitar a escola nos próximos anos, mesmo depois de formado. Para ele, ali é um espaço muito importante”, diz Rozeli.

Daqui a pouco mais de quatro meses, o ciclo de Wellington na Educação Básica vai chegar ao fim. Rozeli deseja apoiar os sonhos e o desenvolvimento de muitos outros alunos: “Lapidar o conhecimento é uma construção diária. Jovens como Wellington têm muito para nos ofertar, e a gente não pode esquecer que se eles estão ali, então precisam aprender também”.

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