Ensino Médio

Diogo Jordão mostra que aula de Geografia é ocasião para falar de democracia

Projeto realizado em 2019 e premiado este ano expandiu a visão dos adolescentes sobre o que é a participação política cidadã

Professor de Geografia na CE Nelson Pereira Rebel, em Campos dos Goytacazes (RJ), Diogo Jordão debateu voto, eleição e democracia no projeto vencedor do prêmio Educador Nota 10. Foto: Nidiacris Ribeiro/Trupe Filmes

Pode acreditar: ainda há gente que pensa que exercer o papel de cidadão se resume a comparecer à zona eleitoral, teclar os números dos candidatos na urna eletrônica e voltar para casa o mais depressa possível. Mas para o professor de Geografia Diogo Jordão Silva, de 27 anos, é mais do que isso. Cidadania é pesquisar a trajetória de cada candidato, votar consciente naqueles que melhor representam sua cidade, estado ou país e cobrar quem foi eleito a cumprir as promessas de campanha. 

Formado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Diogo sempre se interessou pelo tema. O título de sua monografia foi Território e cidadania: Proposta de intervenção no ensino a partir da Geografia Política. Em 2019, quando participou do programa Missão Pedagógica no Parlamento, promovido pela Câmara dos Deputados em Brasília (DF), seu fascínio aumentou ainda mais. E deu a ele as ferramentas necessárias para construir o projeto Nos Trilhos da Democracia, que se propõe a debater voto, eleição e cidadania em sala de aula. Com o trabalho, Diogo entrou para o rol dos vencedores do prêmio Educador Nota 10 de 2020.

O projeto foi desenvolvido por uma turma de 2º ano do Ensino Médio do CE Nelson Pereira Rebel, no distrito de Travessão, em Campos dos Goytacazes (RJ), a 275 quilômetros da capital, onde Diogo dá aula há pouco mais de três anos. “É uma escola que tem a cara da comunidade escolar, onde todos participam e deixam sua marca”, diz ele. “Temos a oportunidade de desenvolver projetos de ensino que visam não apenas construir conhecimento, mas contribuir na melhoria da própria escola e da comunidade.” 

Este ano, ao contrário de 2019, quando foi realizado o trabalho, Diogo não conseguiu alcançar todos os alunos da mesma forma. Muitos deles, conta, não tiveram acesso à internet e a dispositivos como tablets ou smartphones. Resultado: a qualidade do ensino ficou aquém do desejado. “Na minha rotina, o quadro branco, os livros e as apostilas foram substituídos por computador, celular, aplicativos, vídeos e fotos. O alvoroço da sala de aula deu lugar ao barulho das teclas do computador. Apesar de todo o esforço, nada substitui a sala de aula e o contato presencial com nossos alunos”, reflete. 

Mesmo assim, Diogo acredita que algumas habilidades trabalhadas no projeto, como pesquisa na internet e manuseio de recursos de informática, estão sendo úteis durante a pandemia. “O isolamento social trouxe inúmeros desafios, principalmente para as escolas públicas, onde temos alunos com incontáveis carências”, avalia.

Entrando nos trilhos

Ao propor o projeto Nos Trilhos da Democracia, Diogo constatou uma “verdadeira aversão” em relação ao tema. Para surpresa do docente, a maior parte dos alunos associava política à corrupção. “Vivemos um momento bastante crítico. Há muitos ataques ao sistema democrático. Há pessoas, inclusive, pedindo a volta da ditadura. Conversar sobre democracia em sala de aula contribui para seu fortalecimento”, acredita. 

O projeto pode ser dividido em oito etapas, que se estenderam ao longo de 2019. Foram debates, pesquisas, atividades de pesquisa e de diálogo com a comunidade. Em uma delas, o professor convidou a vereadora Joilza Rangel (DEM-RJ) (detalhes de cada etapa no passo a passo abaixo).

A estudante Ester Viana dos Santos, de 19 anos, reconhece o valor do projeto. Até a eleição de 2018, admite, votava em qualquer um. Hoje, antes de votar em determinado candidato, pesquisa sua vida e analisa suas propostas. "Não podemos colocar no 'poder' uma pessoa que pode afundar nosso bairro, município ou até o país", dá o alerta. 

Este conteúdo está aberto para todos os educadores como um presente de NOVA ESCOLA, outras caixas de Nova Escola Box são exclusivas para assinantes. Caso queira ler mais e ainda não tenha uma assinatura, clique no botão abaixo e conheça nossas ofertas :) 

Quero assinar!

Para Sueli Furlan, selecionadora do prêmio Educador Nota 10, o maior mérito de Nas Trilhas da Democracia é ensinar que o sistema democrático é feito de sujeitos atuantes e não apenas de sujeitos votantes: “O mais bacana foi incentivar os jovens a participarem da vida política e social de sua comunidade. Mas, para isso, eles precisam aprender como se comunicar em cenários de participações institucionais e encaminhar reivindicações ao Poder Legislativo, nas audiências públicas e em outros fóruns democráticos do país”.

Perto do fim do ano, Diogo perguntou aos alunos o que aprenderam com o projeto e diz ter ficado satisfeito com o que ouviu. “Os estudantes se reconhecerem como parte de uma sociedade onde todos devem ser respeitados em suas diferenças. Além disso, desenvolveram valores e princípios democráticos que, certamente, os transformarão em cidadãos mais conscientes e compromissados com o bem comum”, reflete. 

Confira, a seguir, todas as etapas do projeto. Mais do que informações do trabalho de Diogo, são dicas para inspirar iniciativas como essa.

PROJETO NOS TRILHOS DA DEMOCRACIA

 Voto e participação cidadã nas aulas de Geografia


Componente curricular: Geografia

Indicado para: 2º ano do Ensino Médio

Materiais necessários: Vídeos e documentários, computador com acesso à internet, impressora, copiadora

Outros recursos: Ônibus para levar os alunos à Câmara de Vereadores

Na BNCC: EM13CHS602, EM13CHS603, EM13CHS605 e EM13CHS606


PASSO A PASSO 

1. Promova um cine debate: Reunidos em círculo, exiba para os alunos vídeos e documentários selecionados sobre temas, como cidadania e democracia. Diogo escolheu documentários como Cracolândia: O retrato do caos, exibido pela TV Record em 2017. Terminada a exibição, abra o debate e estimule a turma a expressar suas opiniões.

2. Desenhando “Qual é a minha bandeira?”: Distribua folhas em branco e peça aos alunos para desenharem as causas sociais que mais os preocupam. O objetivo é que os alunos expressem seus anseios em relação à liberdade de expressão e à diversidade de pensamentos. Na turma de Diogo, os temas mais lembrados foram meio ambiente, bullying e homofobia. 

3. Compare a lei e a realidade: No laboratório de informática, peça que os alunos acessem a Constituição Federal e escolham um item do artigo 6 (saúde, moradia, trabalho, etc.) e, em seguida, o confrontam com as condições do distrito onde vivem. Nesta etapa, o professor queria que os estudantes notassem que a luta pelos direitos não termina na elaboração de uma lei. 

4. Projetos de pesquisa: Divida a turma em quatro grupos e apresenta a eles quatro temas ligados à democracia: eleição, movimentos sociais, participação política e organização político-administrativa do Brasil. Para orientar os estudantes, Diogo deu algumas noções básicas de investigação científica aos alunos, como objetivos e metodologia, entre outros. 

5. Trabalhos de campo: Os alunos, então, saem às ruas no entorno da escola para ouvir a comunidade e, por meio de enquetes, perguntam aos moradores como eles avaliam os serviços públicos e o que pode ser feito para melhorá-los. Para os moradores de Travessão, distrito de Campos dos Goytacazes, os serviços públicos mais criticados foram saúde e transporte. 

6. Convide lideranças e moradores: De volta à escola, auxilie os alunos a tabularem os resultados da pesquisa, elaborando um relatório com as principais reclamações da população. Você pode organizar um evento para apresentar à comunidade escolar os resultados da pesquisa. Diogo foi mais longe: criou um evento chamado Café com Política, do qual participaram não apenas alunos, funcionários e professores, mas a vereadora Joilza Rangel. Os alunos tiveram a oportunidade de fazer perguntas e entregar um relatório com as melhorias propostas pela população.

7. Visita à Câmara: Depois do evento, Diogo levou a turma para participar de uma audiência pública na Câmara Municipal, na qual a vereadora apresentou as demandas da comunidade. Os alunos comparecem à sessão, assistem à audiência e conhecem alguns dos vereadores. Semanas depois, algumas demandas, como a falta de insumos e remédios no posto de saúde, foram atendidas pela Secretaria de Saúde. 

8. Jogo de tabuleiro: Por fim, a turma pode criar outras produções para consolidar os aprendizados. Os alunos de Diogo criaram um jogo de tabuleiro: em algumas casas, são citados exemplos positivos de atuação democrática. Em outros, exemplos negativos. Se o jogador cai numa casa com exemplo positivo, avança algumas casas. Se cai noutra com exemplo negativo, retrocede outras. E assim até chegar ao fim. O objetivo do jogo é avaliar o nível de aprendizagem deles e multiplicar o conhecimento pela comunidade.

Este conteúdo está aberto para todos os educadores como um presente de NOVA ESCOLA, outras caixas de Nova Escola Box são exclusivas para assinantes. Caso queira ler mais e ainda não tenha uma assinatura, clique no botão abaixo e conheça nossas ofertas :)

Quero assinar!

Mais sobre esse tema