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Violência contra a mulher: Como abrir o diálogo na escola durante a pandemia?

Mais isoladas e vulneráveis, as mulheres foram afetadas pela crise do coronavírus e pela piora dos índices de violência contra elas. Leia recomendações e caminhos para abrir o diálogo e ajudar a escola a ser um ponto de apoio e acolhimento para todos

Ilustração de mulheres escondidas atrás de nuvens.
Ilustração: Julia Coppa/NOVA ESCOLA

Com o aumento do número de casos durante a pandemia, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu criar o Projeto Carta das Mulheres, um canal de denúncias e orientações para que as vítimas busquem a justiça. Mais de 1,5 mil mensagens chegaram até meados de fevereiro de 2021. Denúncias de São Paulo, mas também de outros estados e até países. 

PONTO DE ATENÇÃO: Violência contra a Mulher é assunto sério, delicado e desafiador. Sempre procure estudar e falar com cuidado ao abordá-lo, além de buscar conhecer e sentir melhor seus próprios limites e direitos sobre o tema, bem como os das mulheres a sua volta. É essencial tratar do assunto de forma direta, embasada em informações oficiais e de especialistas. Se precisar, pesquise e troque com outras educadoras de sua confiança. Para algumas pessoas, o tema é sensível e pode causar sofrimento psíquico - se acontecer, procure ouvir sem julgar, acolher e buscar orientação.  

Quem são os agressores das mulheres?

Os agressores mais frequentemente identificados, segundo o levantamento do TJ, são maridos ou companheiros das vítimas - com 498 casos; ex-maridos foram citados em 476 casos. A lista de agressões tem ainda ex-namorados e namorados atuais. Filhos também.

O espaço público, do trabalho, do serviço de saúde, da comunidade, a escola, são historicamente os lugares de proteção e emancipação das mulheres. 

De todos eles, a escola é central, assim como o trabalho, por serem um dos locais mais frequentados pelas meninas e mulheres - mães, avós, tias, vizinhas.

Como resultado do confinamento em casa, os abusos duram mais tempo e se tornam mais graves, além da busca por ajuda e a denúncia ficarem muito mais difíceis. O espaço doméstico, portanto, pode representar risco para a segurança da mulher e dos filhos. 

A retomada das aulas, ainda que parcialmente, certamente será um momento importante de reencontro da comunidade escolar, e de muita escuta

Como a violência contra a mulher pode afetar suas alunas, alunos e família na pandemia? 

Segundo a Secretaria de Educação de Diadema e a professora Ana Lúcia Sanchez, o primeiro sinal e o mais nítido de que algo não vai bem é a ausência reiterada dos alunos

No ensino remoto esse controle ficou mais difícil, mas é justamente nessa situação de distanciamento que é mais importante buscar esse aluno faltante. 

“O aluno com baixa frequência, na maioria das vezes, vive numa condição - tanto a mulher quanto a criança - de violência. É o percurso da violência. Tem de fazer busca ativa com as famílias. A escola é lugar de proteção integral. Não só de aprender, mas de cuidar”, afirma. 

Em alguns municípios, para o caso da rede pública, os núcleos de assistência social são responsáveis por fazer o controle de frequência e acompanhar os casos. Mas mais uma vez: quem está no ponto é quem vai poder identificar e encaminhar o caso, então, a dica é avisar a coordenação, pedir reuniões com os outros pares e deliberar a busca ativa desses alunos. 

Para que essa rede se construa dentro da escola, a aposta é a sensibilização dos sujeitos. Que as professoras, principalmente, compreendam o seu valor, o seu papel, falem sobre suas dúvidas e angústias, construindo aderência em torno do tema.

No momento atual, o debate sobre a violência contra a mulher é um espaço de disputa de diferentes opiniões, visões, interesses e narrativas. Por isso, é importante munir-se dos materiais públicos disponíveis, como Cartilha Lei Maria da Pena, além de conteúdos informativos e reflexivos sobre o tema. 

Para os casos da rede pública, uma possibilidade é usar o Horário Pedagógico de Trabalho Coletivo (HPTC), obrigatório para todos os professores do país, para promover a discussão. Com as reuniões on-line, aumenta-se a possibilidade de convidar palestrantes especializadas no tema de todos os lugares.

Violência contra a mulher: como aproximar o assunto das aulas?

Para conversar com as alunas e alunos, é importante, segundo Ana Lúcia, fazer a “abordagem” do afeto. A ideia é falar de amor antagonicamente à violência

“Quem ama abraça, cuida, dá carinho. Quem ama não bate, não usa da força física, não assedia. É preciso trabalhar em todas as etapas da escola os valores fundamentais na formação desse cidadão”, explica.


A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) orienta:

No Ensino Fundamental 

EF09HI26 - Discutir e analisar as causas da violência contra populações marginalizadas (negros, indígenas, mulheres, homossexuais, camponeses, pobres etc.) com vistas à tomada de consciência e à construção de uma cultura de paz, empatia e respeito às pessoas.

EF09HI36 - Identificar e discutir as diversidades identitárias e seus significados históricos no início do século 21, combatendo qualquer forma de preconceito e violência.

No Ensino Médio

Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.

EM13CHS503 - Identificar diversas formas de violência (física, simbólica, psicológica etc.), suas principais vítimas, suas causas sociais, psicológicas e afetivas, seus significados e usos políticos, sociais e culturais, discutindo e avaliando mecanismos para combatê-las, com base em argumentos éticos.


Os especialistas afirmam, ainda, que é possível expor o assunto em todas as matérias, de todos os anos, desde que a professora e o professor queiram. Seja contando histórias de feitos das mulheres relativos às matérias, seja promovendo rodas de conversa e de escuta, e, principalmente, dando sequência ao trabalho.

De toda forma, antes de mais nada, relembra Ana Lucia, a escola deve construir coletivamente um documento que oriente sobre os sinais que a violência dá. Essa construção deve ser coletiva, primeiramente porque certamente todos terão contribuições a dar, segundo para que o combate à violência contra as mulheres esteja institucionalizada e internalizada na vivência das professoras e professores. 

“Insisto que devemos evitar não fazer nada, cruzar os braços ou restringir o assunto a burburinho.”


Saiba mais

Como fazer uma denúncia ou buscar acolhimento - Governo Federal
Caso precise, disque o número 180. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil, gratuitamente, de qualquer telefone fixo ou celular. O serviço está disponível diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados.

Reportagem: Aumento dos casos de violência na pandemia (30/4/2020 - TV Cultura)

Denúncias de violência contra a mulher cresceram 9%, diz ministra - Agência Brasil (2/4/2021)

A violência contra a mulher negra não começou na pandemia, Joice Berth (Revista Piauí - 8/2020)

Entrevista com Gabriela Manssur, promotora de Justiça e criadora do Instituto Justiça de Saia - Podcast b9

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