Na prática

Após um ano difícil, um encerramento para ficar na memória dos alunos

Atividade que mistura encontro ao ar livre, exercício de reflexão e piquenique foi a escolhida pela professora de Artes da EE Doutor Pompílio Guimarães, localizada em Piacatuba, distrito de Leopoldina (MG)

Ilustração de protocolos sanitários de higienização.
Ilustração: Rafaela Pascotto/NOVA ESCOLA

A professora Cida Furtado, 56 anos, acredita muito no poder de uma boa acolhida dentro da sala de aula. Quando criança ela sofreu com o oposto, ou seja, com a falta de apoio. Numa época em que a escola usava punições como ferramentas didáticas, Cida, por gaguejar na leitura, sofria com críticas severas dos professores, que podiam culminar até mesmo em atos violentos.

“Tive professores que batiam na minha mão com régua”, recorda. Esse tempo de dor, que a fez desistir dos estudos quando estava na então 8ª série, foi transformado depois de adulta. 

Há quatro anos, Cida é professora de Artes na mesma escola em que concluiu os estudos da EJA, na EE Doutor Pompílio Guimarães, em Piacatuba, distrito pertencente ao município de Leopoldina (MG). 

Ali, no mesmo lugar em que foi acolhida para concluir os estudos, percebeu que teria de reforçar seu trabalho de atenção aos alunos de 6º ano até a Educação de Jovens e Adultos (EJA), desde o fechamento dos portões da escola por causa da pandemia, em 2020.

De cara, o primeiro desafio foi manter o atendimento aos estudantes. Do total de 210 alunos da escola, 40% não tinham acesso à internet em casa. Cida fez parte da equipe escolar que se mobilizou para, mensalmente, entregar os materiais impressos nas casas dos alunos, mesmo nos períodos mais críticos da circulação do vírus. 

Também apoiou os professores regulares nas aulas remotas, e ainda abriu as portas de casa para acolher quem estava com muitas dificuldades. Na mesa do jardim, a céu aberto, serviu muitas xícaras de café com leite ou achocolatado, acompanhadas de lanches, para quem buscava ali acompanhamento para superar as defasagens de ensino. 

Em agosto, com a retomada parcial das aulas presenciais, sentiu o que se confirmou com a retomada completa – e que já havia notado nos encontros isolados em sua casa: a carência das turmas. 

“Os estudantes voltaram precisando conversar”, conta. Atualmente, além das suas aulas de Artes, a professora também participa de programa de estudo tutorado, organizado pela rede estadual, que determina acompanhamento a estudantes que apresentaram atestados médicos (por doenças crônicas, por exemplo) e têm direito ao ensino fora da escola, com apoio de docentes da escola. Hoje são três alunos (entre crianças e adultos do EJA) nessa situação na escola e que recebem esse atendimento. 

O olhar do outro

Essa necessidade de ouvir e ser ouvido inspirou sua atividade de encerramento do ano. Na última semana de aulas, pretende levar cada uma das turmas para um encontro na praça localizada em frente à escola. Sentados em roda no chão, cada aluno colará uma folha A4 nas costas do colega. 

“A ideia é que cada um escreva o que acha daquele colega, em algumas linhas, naquela folha de papel. Um elogio, um incentivo, algo que traga alegria”, explica. 

“Não vai ser possível saber quem escreveu a mensagem, dando chance para os estudantes se soltarem”, afirma. A própria Cida também participará da dinâmica. “Depois, cada um vai ler o que foi escrito sobre ele. É uma oportunidade de se conhecerem melhor, de aumentar a autoestima, que é o que eu acho que os alunos estão precisando no momento”, afirma.

Para fechar, Cida organizará um piquenique, numa acolhida parecida com a que oferece a quem ainda hoje marca de ir à casa dela, pedindo apoio nos reforços. Também pretende organizar, por conta própria, pequenas lembranças com bombons ou balas. “O ano foi muito difícil. Quero que este encerramento fique marcado na lembrança deles.”

Ainda neste encontro, já vai embalar uma nova reflexão, pensando na abertura dos trabalhos do ano letivo de 2022. Ela está preparando fichas para que os estudantes preencham nas férias e tragam na primeira semana de aulas. 

Nelas, todas feitas à mão – o que Cida faz questão de fazer –, haverá três perguntas: o que preciso melhorar? O que preciso conquistar? O que não devo fazer? Todas as fichas preenchidas serão agrupadas em quadro que será fixado na sala de aula. 

“E, numa roda de conversa, vamos conversar sobre os desafios do próximo ano e de como podemos conquistar nossos objetivos, todos juntos”, conta. 

Mais do que superar as defasagens no ensino, o ano será de apoio mútuo e essa percepção a professora Cida já tem desde quando começou a dedicar a vida ao magistério, que a reconectou com a essência do ambiente escolar e a afastou das más lembranças da escola do passado.

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