Entrevista com especialista

"A avaliação na Educação Infantil não é de aprovação"

Para a especialista Karina Rizek, o educador deve observar o quanto e como cada criança se aproximou daqueles objetivos de aprendizagem

Karina Rizek: "O processo de observação deve ser contínuo e permanente". Foto: Mariana Pekin

Karina Rizek entrou na Educação quando ainda na faculdade de Psicologia, estagiou na etapa de Educação Infantil da Escola Viva, em São Paulo. “Me encantei e nunca mais saí. Vi a Educação de dentro e fora da escola, do ponto de vista da formação de professores, do MEC e das políticas públicas municipais e nacionais.”

Karina aprendeu tudo o que sabe na prática, com as oportunidades que surgiam nas escolas por onde passou: "Foi a partir de reuniões pedagógicas, registrando, produzindo, refletindo, construindo conhecimento e, claro, lendo muito". Hoje, ela trabalha como formadora da Escola de Educadores. NOVA ESCOLA conversou com Karina para entender o processo de avaliação na Educação Infantil.

Nova Escola Box: Como a observação, o registro e a avaliação aparecem na BNCC de Educação Infantil?

Karina Rizek: 
A Base de Educação Infantil tem a maior parte do texto dedicada ao que é essencial para cada corte etário. De maneira sucinta, o texto dá indícios sobre essas questões. Nela, aparecem questões fundamentais. Por exemplo, ela diz que cada professor precisa observar, registrar e fazer um acompanhamento muito de perto das aprendizagens, das aproximações das crianças e como elas vivem todas as propostas a partir dos campos de experiência e dos objetivos de aprendizagem.

Qual é o papel do professor na Educação Infantil?

De modo geral, é um papel que abandona aquela ideia de um professor que sabe o começo, o meio e o fim das propostas, essa visão conteudista. O primeiro desafio que a Base nos traz é que o professor é uma pessoa que apoia a criança, garante condições espaciais, materiais e emocionais. Ao tirar o protagonismo do professor e o colocar na criança, o que importa é muito mais o processo. Nunca vamos saber qual vai ser o fim, já que ele fica na mão das crianças. Ele precisa estar aberto às questões de mundo, visões, questionamentos e curiosidades. É um professor coadjuvante e coparticipante que garante, através de uma boa organização de espaços e materiais, a exploração das crianças. Não quer dizer que ele não tenha um papel, mas que ele precisa estar atento, fazer anotações, observar, pensar novas organizações de espaço e materiais, novos apoios emocionais que até então não tinha identificado de maneira a possibilitar novas aprendizagens.

O que muda no planejamento?

É preciso se dedicar muito mais para pensar no espaço que as crianças vão brincar e interagir. Durante esses momentos, [o professor] tem poucas intervenções, sendo apenas aquelas que ajudam as crianças a resolver seus conflitos e que precisam do apoio do professor. Ele precisa pensar boas perguntas que incitem o pensamento e a troca. É uma Educação Infantil que está alinhada ao jeito de as crianças estarem no mundo e se desenvolverem e que, fundamentalmente, confia na competência das crianças aprenderem e se desenvolverem.

O que o professor precisa observar?

Ele precisa organizar bons instrumentos para identificar o que precisa ser observado. A partir do momento em que realizo uma atividade que está relacionada aos objetivos de aprendizagem é que vou conseguir pautar o meu olhar. Não é um olhar aleatório, ele precisa estar voltado à proposta para avaliar, inclusive, se a maneira que ele propôs aquela situação garantiu efetivamente as condições de aprendizagem, de desenvolvimento e de brincadeira. Eu acho que a Base nos dá dicas, por exemplo, com os direitos de aprendizagem. Eles são um bom ponto de partida quando pensamos no olhar. Então, que o professor pense se, ao longo do dia, ao longo das atividades da semana, as crianças estão tendo o direito de exercer esses direitos. E, a partir da garantia ou não garantia desses direitos, repensar sua prática. Outra dica é perceber se, na maior parte do tempo, as crianças têm boas oportunidades de brincar livremente e interagir.

Esse olhar muda entre os grupos etários?

A observação em si não, mas a abertura que o adulto tem de ter para entender as manifestações das crianças, sim, porque com as crianças de 4 e 5 anos, por exemplo, muitas conversas, produções, pesquisas que as crianças fazem dão muito indício. Porém, muitas vezes o professor dessa faixa deixa de observar o que com os bebês é a questão do corpo e dos movimentos, que dizem muito sobre o desenvolvimento da criança. Quando crescem, ficam mais centrados em perceber as coisas mais intelectuais e deixam de olhar para esses outros sinais, mas é necessário entender que o corpo também é inteligência nessa faixa etária. O mesmo se aplica do outro lado, então, que o professor de bebês perceba que, mesmo que não falem, eles também produzem gestos e manifestações. Por isso, é preciso garantir que o professor desenvolva um olhar amplo para todas essas múltiplas linguagens, de maneira a perceber as manifestações de quem as crianças são, como elas veem o mundo, como sentem e interpretam.

"O primeiro desafio que a Base nos traz é que o professor é uma pessoa que apoia a criança, garante condições espaciais, materiais e emocionais", diz Karina Rizek. Foto: Mariana Pekin/Nova Escola

Quais são os instrumentos de observação?

Em um primeiro momento, quando ele planeja uma atividade e vai realizá-la, é se colocando no papel de observador. É claro que não somos esse observador o tempo todo, pois há outras coisas acontecendo que precisam de atenção. Então, para ter esses momentos de observação, [o professor] precisa se organizar e escolher momentos estratégicos da rotina e atividades que necessitam de um olhar e um registro. É importante que ele faça perguntas para si mesmo para entender qual é a intenção dele ao propor aquela situação e, assim, pensar no olhar que precisa ter. Em um segundo momento, entender como vai registrar, então, a partir do que ele quer responder com aquela observação, escolher as estratégias de registro para aquele momento. Por exemplo, às vezes é melhor fotografar ou, se for uma roda de conversa e ele quer saber o que cada criança falou, será melhor gravar. Por fim, entender qual a finalidade daquela observação, se é para si, para outros professores, para a coordenação, para construir um portfólio, para uma reunião de pais, ou até mesmo fazer pesquisa científica. No entanto, a finalidade principal deve ser sempre garantir a qualidade da prática pedagógica, o replanejamento, a reflexão e a nova prática.

Quando registrar? O que é importante registrar?

Tem uma parte que é o acompanhamento de cada criança e o registro do coletivo para ter uma noção do todo. Ao longo do ano, tem momentos em que se vai olhar para grupos menores, para isso é necessário ter uma boa organização do que observar. Os registros são diversos, mas escrever é fundamental. A escrita possibilita a reflexão e dá acesso à interpretação do professor. Um vídeo, por exemplo, não garante fazer essa análise, então é interessante fazer anotações pontuais durante as atividades e no final do dia elaborar. Também é necessário considerar que o professor teve uma ideia, mas a atividade pode tomar outro rumo, e isso não quer dizer que ele não precisa continuar registrando.

O que avaliar?

A avaliação na Educação Infantil não é de promoção, aprovação ou continuidade. É uma avaliação a partir desse olhar do professor que procura observar o quanto e como cada criança se aproximou daqueles objetivos de aprendizagem. Pessoalmente, prefiro o termo acompanhamento, que diz respeito a avaliar o trabalho pedagógico e o desenvolvimento das crianças. Deve-se pensar em como manter a continuidade, e por isso essa avaliação não tem de acontecer em novembro, mas desde fevereiro, de maneira a sentir a turma e ter tempo de trabalhar em cima do que foi observado.  

Podemos falar em avaliar crianças bem pequenas ou bebês?

A diferença é que nos bebês não vai ter a produção em si, mas é possível ver o desenvolvimento. Tem diferentes formas, o que é diferente é a questão da abstração, da representação que vai ganhando mais corpo, mas não quer dizer que as outras sejam menos importantes.

Como avaliar?

É o fruto da observação, mas com evidências variadas, sejam elas registros escritos, fotográficos, filmagens ou produções das crianças. Sempre que vou planejar uma série de atividades, eu tenho de prever sempre quais são as formas de avaliação e penso na materialização disso. A avaliação traz aspectos coletivos que são subjetivos, mas as evidências fundamentam esse olhar. É necessário ter diretrizes claras do que vai ser avaliado, é um combinado da escola, por isso é necessário criar os instrumentos e os resultados esperados. No entanto, essa avaliação tem de vir muito do professor, pois é ele quem estará em sala e o que vai ser avaliado tem a ver com o que vai ser dado.

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