O que mudou

O que são os Campos de Experiência da Educação Infantil

Eles propõem uma nova organização curricular e colocam a criança como centro do processo educativo

Os cinco Campos de Experiência apoiam o planejamento da prática intencional. Ilustração: Rita Mayumi / Nova Escola

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece cinco Campos de Experiência para a Educação Infantil, que indicam quais são as experiências fundamentais para que a criança aprenda e se desenvolva. Os Campos enfatizam noções, habilidades, atitudes, valores e afetos que as crianças devem desenvolver de 0 a 5 anos e buscam garantir os direitos de aprendizagem dos bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas. Ou seja, o conhecimento vem com a experiência que cada criança vai viver no ambiente­ escolar.

Dessa forma, os Campos estão organizados de forma a apoiar o professor no planejamento de sua prática intencional. “As atividades propostas à criança devem ser bem planejadas, o próprio cuidar não pode ser algo mecânico. A criança precisa ter tempo e espaço para se expressar e o professor tem de estar aberto para acompanhar as reações dela, que serão sempre únicas e pessoais”, explica a assessora pedagógica e formadora Silvana Augusto.

Em outras palavras, é importante que as práticas do professor estejam diretamente comprometidas com as necessidades e os interesses da criança, para que a vivência se transforme em uma experiência e tenha, de fato, um propósito educativo.

“É preciso lembrar que a aprendizagem da criança se dá nas situações cotidianas, sempre de forma integrada, em contextos lúdicos, próximos às práticas sociais que lhes são significativas”, complementa Beatriz Ferraz, consultora do Time de Autores de NOVA ESCOLA. Assim, mesmo quando o objetivo é apresentar conhecimentos culturais e científicos às meninas e aos meninos da creche, é preciso levar em conta os Campos, como núcleos integradores das propostas a serem trabalhadas em sala de aula, além de considerar as interações e a brincadeira como formas de viabilizar o aprendizado das crianças.



Conheça os Campos de Experiência
Confira os principais objetivos e um exemplo na BNCC de cada um dos cinco Campos

1. O eu, o outro e o nós

Destaca experiências relacionadas à construção da identidade e da subjetividade, as aprendizagens e conquistas de desenvolvimento relacionadas à ampliação das experiências de conhecimento de si mesmo e à construção de relações, que devem ser, na medida do possível, permeadas por interações positivas, apoiadas em vínculos profundos e estáveis com os professores e os colegas. O Campo também ressalta o desenvolvimento do sentimento de pertencimento a determinado grupo, o respeito e o valor atribuído às diferentes tradições culturais.

Exemplo: (EI02EO02) Demonstrar imagem positiva de si e confiança em sua capacidade para enfrentar dificuldades e desafios.


2. Corpo, gestos e movimentos 

Coloca ênfase nas experiências das crianças em situações de brincadeiras, nas quais exploram o espaço com o corpo e as diferentes formas de movimentos. A partir daí, elas constroem referenciais que as orientam em relação a aproximar-se ou distanciar-se de determinados pontos, por exemplo. O Campo também valoriza as brincadeiras de faz de conta, nas quais as crianças podem representar o cotidiano ou o mundo da fantasia, interagindo com as narrativas literárias ou teatrais. Traz, ainda, a importância de que as crianças vivam experiências com as diferentes linguagens, como a dança e a música, ressaltando seu valor nas diferentes culturas, ampliando as possibilidades expressivas do corpo e valorizando os enredos e movimentos criados na oportunidade de encenar situações fantasiosas ou narrativas e rituais conhecidos.

Exemplo: (EI02CG02) Deslocar seu corpo no espaço, orientando-se por noções como em frente, atrás, no alto, embaixo, dentro, fora etc., ao se envolver em brincadeiras e atividades de diferentes naturezas.


3. Traços, sons, cores e formas

Ressalta as experiências das crianças com as diferentes manifestações artísticas, culturais e científicas, incluindo o contato com a linguagem musical e as linguagens visuais, com foco estético e crítico. Enfatiza as experiências de escuta ativa, mas também de criação musical, com destaque nas experiências corporais provocadas pela intensidade dos sons e pelo ritmo das melodias. Valoriza a ampliação do repertório musical, o desenvolvimento de preferências, a exploração de diferentes objetos sonoros ou instrumentos musicais, a identificação da qualidade do som, bem como as apresentações e/ou improvisações musicais e festas populares. Ao mesmo tempo, foca as experiências que promovam a sensibilidade investigativa no campo visual, valorizando a atividade produtiva das crianças, nas diferentes situações de que participam, envolvendo desenho, pintura, escultura, modelagem, colagem, gravura, fotografia etc.

Exemplo: (EI01TS01) Explorar sons produzidos com o próprio corpo e com objetos do ambiente.


4. Escuta, fala, pensamento e imaginação

Realça as experiências com a linguagem oral que ampliam as diversas formas sociais de comunicação presentes na cultura humana, como as conversas, cantigas, brincadeiras de roda, jogos cantados etc. Dá destaque, também, às experiências com a leitura de histórias que favoreçam aprendizagens relacionadas à leitura, ao comportamento leitor, à imaginação e à representação e, ainda, à linguagem escrita, convidando a criança a conhecer os detalhes do texto e das imagens e a ter contato com os personagens, a perceber no seu corpo as emoções geradas pela história, a imaginar cenários, construir novos desfechos etc. O Campo compreende as experiências com as práticas cotidianas de uso da escrita, sempre em contextos significativos e plenos de significados, promovendo imitação de atos escritos em situações de faz de conta, bem como situações em que as crianças se arriscam a ler e a escrever de forma espontânea, apoiadas pelo professor, que as engajam em reflexões que organizam suas ideias sobre o sistema de escrita.

Exemplo: (EI03EF06) Produzir suas próprias histórias orais e escritas (escrita espontânea), em situações com função social significativa.


5. Espaço, tempo, quantidades, relações e transformações 

A ênfase está nas experiências que favorecem a construção de noções espaciais relativas a uma situação estática (como a noção de longe e perto) ou a uma situação dinâmica (para frente, para trás), potencializando a organizacção do esquema corporal e a percepção espacial, a partir da exploração do corpo e dos objetos no espaço. O Campo também destaca as experiências em relação ao tempo, favorecendo a construção das noções de tempo físico (dia e noite, estacões do ano, ritmos biológicos) e cronológico (ontem, hoje, amanhã, semana, mês e ano), as noções de ordem temporal (“Meu irmão nasceu antes de mim”, “Vou visitar meu avô depois da escola”) e histórica (“No tempo antigo”, “Quando mudamos para nossa casa”, “Na época do Natal”). Envolve experiências em relação à medida, favorecendo a ideia de que, por meio de situações-problemas em contextos lúdicos, as crianças possam ampliar, aprofundar e construir novos conhecimentos sobre medidas de objetos, de pessoas e de espaços, compreender procedimentos de contagem, aprender a adicionar ou subtrair quantidades aproximando-se das noções de números e conhecendo a sequência numérica verbal e escrita. A ideia é de que as crianças entendam que os números são recursos para representar quantidades e aprender a contar objetos usando a correspondência "um-a-um", comparando quantidade de grupos de objetos utilizando relações como mais que, menos que, maior que e menor que. O Campo ressalta, ainda, as experiências de relações e transformações favorecendo a construção de conhecimentos e valores das crianças sobre os diferentes modos de viver de pessoas em tempos passados ou em outras culturas. Da mesma forma, é importante favorecer a construção de noções relacionadas à transformação de materiais, objetos, e situações que aproximem as crianças da ideia de causalidade.

Exemplo: (EI01ET05) Manipular materiais diversos e variados para comparar as diferenças e semelhanças entre eles.



Divisão por idades
Dentro de cada Campo, em vez de habilidades, há objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, que a BNCC vincula a três grupos etários:

1. Bebês (de 0 a 1 ano e 6 meses)
2. Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)
3. Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) 

A divisão em três grupos foi pautada pelas características e necessidades diferentes dessas faixas etárias. Há especificidades que merecem ser tratadas com mais atenção nos diferentes grupos etários que constituem a etapa da Educação Infantil. Apenas um ano de diferença entre crianças pequenas representa possibilidades muito distintas de interação com o mundo e com as pessoas.

Por exemplo, uma criança de 1 ano e 6 meses já sabe andar, mas ainda não tem muita destreza, fala algumas palavras e elabora frases curtas, usa fralda, come com ajuda, morde os colegas quando algo acontece e lhe desagrada. Já uma criança de 2 anos e 6 meses é capaz de construir frases mais longas, usa formas verbais simples para resolver os conflitos, pode comer sozinha, sabe correr, saltar, pode já ter aprendido a usar o banheiro ou começar a demonstrar muito incômodo com a fralda, é capaz de se envolver com histórias curtas etc. São competências básicas que transformam radicalmente e para sempre a relação da criança com o mundo. O currículo deve ser pensado considerando essas diferenças, para que o educador possa focar justamente no que é necessário em cada faixa etária, de modo que a criança se desenvolva, respeitando a individualidade de cada um.

“Essa divisão considera as principais conquistas de desenvolvimento na primeira infância. Nessa etapa, o currículo deve estar voltado à promoção de aprendizagens e conquistas de desenvolvimento, respeitando os diferentes ritmos, interesses e necessidades que as crianças manifestarem”, explica Beatriz Ferraz. 



É sempre bom lembrar: Base não é currículo
Para facilitar o entendimento da maneira como está estruturada a Educação Infantil, hoje, podemos aproximar a construção dos conceitos que a orientam na construção de uma casa. As Diretrizes Curriculares Nacionais representaram o telhado, trazendo um referencial teórico importante para o desenvolvimento da BNCC que, no exemplo citado, fez as vezes do solo – ou a base estrutural, como o nome sugere. As paredes da casa, no entanto, ainda precisam ser construídas, são os currículos a serem discutidos pelas redes estaduais, municipais, pelos gestores e educadores de cada escola. A metáfora é de Maria Thereza Marcilio, coordenadora da Avante, instituição voltada à educação e à mobilização social.

Com isso, a educadora reforça a ideia que precisa ser disseminada e compreendida pelos professores de todo o País, de que a Base não é um documento de orientação didática/pedagógica. Seus objetivos específicos não devem ser tratados como um checklist e simplesmente incorporados ao dia a dia da escola. Os eixos de interação e brincadeira e os Campos de Experiência criam novas estruturas para que essa concepção seja colocada em prática e, de fato, os direitos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças sejam alcançados. Isso permite, inclusive, que os professores tenham autonomia para planejar suas atividades, porém, tendo mais clareza das aprendizagens que precisam ser favorecidas, a cada fase.

 

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