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6 pontos para entender como as crianças processam o luto

Psicólogas esclarecem como os pequenos de até 6 anos entendem a questão da finitude da vida

Até os 6 anos, as crianças não entendem muito bem as metáforas e levam as palavras ao pé da letra. Ilustração: Julia Coppa/Nova Escola

“Abrindo um antigo caderno foi que eu descobri: Antigamente eu era eterno”. O haikai de Paulo Leminski nos remete diretamente para a infância, período em que a noção de finitude ainda está em construção. 

É importante o adulto saber que esse e outros conceitos não são claros para os pequenos e cabe a ele ajudá-los a desenvolver significados e entendimentos. Com esse suporte, o aprendizado pode ocorrer de maneira natural. 

As psicólogas Isabela Hispagnol, doutora em Psicologia Clínica pelo Laboratório de Estudos sobre o Luto (Lelu) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Luciana Mazorra, também doutora em Psicologia Clínica, também pela PUC-SP, e coorganizadora do livro Luto na Infância: Intervenções psicológicas em diferentes contextos, trazem informações que esclarecem como as crianças de até 6 anos processam questões como morte e luto.

1. O conceito de morte
Há vários componentes para entender o conceito de morte que são claros para os adultos, mas precisam ser construídos pelas crianças. Até os seis anos, ela não entende a universalidade da morte, ou seja, que todo ser vivo um dia morre. Até porque, ela está em fase de aprender a diferença entre seres animados e inanimados. 

Daí a dificuldade de assimilar, por exemplo, que o corpo no caixão não tem vida. No enterro, muitas perguntam como a pessoa vai respirar dentro do caixão ou embaixo da terra. E podem ficar angustiadas com essa ideia. “É necessário explicar a funcionalidade do corpo, que ao morrer a gente para de respirar, não precisa comer e nem sente frio”, diz Isabela.

Outro ponto em construção é a noção de irreversibilidade. Nessa fase, a criança compreende a morte como um fenômeno temporário e reversível. Por isso, é comum perguntas como: “Fulano não pode desmorrer só um pouquinho?” ou “Ele pode voltar só para minha festa de aniversário?”

Nesses momentos, é importante ter paciência para repetir várias vezes a mesma coisa. A causalidade da morte, saber que algo a provocou, também deve ser explicada para que a criança não pense que o morto escolheu não estar mais ali. “A criança tem um desafio maior do que o do adulto, porque o conceito de morte ainda está em desenvolvimento. Então, é importante o adulto explicar e oferecer espaço para ela fazer perguntas”, afirma Luciana.

2. O significado das palavras
Até os 6 anos, a criança não entende bem metáforas, explica Isabela. Nem eufeminismos, completa Luciana. Elas levam as palavras ao pé da letra. Quando dizemos que alguém morto está dormindo ou descansando, foi viajar ou virou estrelinha, a criança vai achar que é literalmente isso que a pessoa está fazendo. E as perguntas feitas por ela seguirão esses raciocínios. 

Por isso, é importante utilizar palavras como “morreu” ou “morte” e explicar que a pessoa não vai voltar. E que ela não escolheu morrer. Falar a verdade de maneira clara evita, por exemplo, a criança pensar que a pessoa foi embora sem se despedir e não voltou por opção, o que abre brecha para interpretações que causam sofrimento enorme. “A criança trabalha muito melhor com a informação concreta e clara do que com esses caminhos mais longos que, às vezes, a gente faz para contar uma questão. Isso só a confunde”, afirma Isabela.

3. A crença em um mundo autocentrado
Nesta faixa etária, as crianças são bastante autocentradas. “Elas acreditam que as coisas do mundo acontecem porque ela quis ou desejou daquela forma”, explica Isabela. Assim, é necessário estar atento para perceber como ela está construindo o significado da morte de alguém próximo e desfazer confusões que podem perdurar se não forem conversadas. “A criança pode achar que a morte ocorreu porque ela estava brava com a pessoa, porque elas haviam brigado ou por ela ter desejado algo ruim”, diz a psicóloga. Por isso, é importante perguntar como a criança está entendendo o que ocorreu.

As psicólogas Luciana Mazorra e  Isabela Hispagnol. Foto: Acervo Pessoal

4. A oscilação nos estados de tristeza e alegria
É normal a criança estar triste e cinco minutos depois ir brincar. “A oscilação entre voltar-se para as questões da perda e depois para o cotidiano é mais rápida na criança do que no adulto. Isso não significa que a dor já passou ou que ela não entendeu o que aconteceu”, explica Isabela. Ao adulto, cabe prestar atenção e ficar disponível para quando ela estiver no momento de vivenciar a perda e quiser perguntar ou compartilhar algo.  

5. O corpo como expressão de sentimentos
Neste momento de pandemia, o luto não se resume à morte de alguém. O afastamento dos amigos e de parentes próximos e a impossibilidade de sair de casa também são perdas. Tudo que causa abalo no sentimento de segurança da criança pode ter impacto em seu comportamento. “A criança pode chorar e ficar triste por estar com medo de ela ou alguém que ela gosta ficar doente ou por estar com saudade dos amigos e de parentes. Pode demonstrar raiva ou ansiedade com a situação toda. É também comum regredir em alguns aspectos. Assim, aquela criança que já estava usando penico, talvez precise voltar para a fralda ou peça novamente a chupeta”, afirma Luciana. 

Quando ela não consegue traduzir em palavras o que está sentindo, muitas vezes, a criança vai se expressar por meio do corpo. Perda de apetite, dificuldade no sono, dor de cabeça ou de barriga são outras manifestações. “O mais importante, nesses momentos, é conseguir acolher os sentimentos da criança e ser empático a eles. O adulto pode sentar para conversar e perguntar o que está deixando ela tão brava ou triste. ‘Será que é porque você não pode ver seus coleguinhas ou seus avós?’ Pode dizer que também está sentindo saudades e propor, por exemplo, ligar para aquela pessoa. A ideia é mostrar que esses sentimentos são normais”, completa Luciana.

6. A mudança de percepção
“Conforme a criança cresce, ela vai ajustando as informações que tem do mundo e sobre ela mesma. Então, não é incomum ela revisitar a própria história e, depois de alguns anos, voltar a questionar a morte de alguém”, diz Isabela. “Vão ser perguntas diferentes e, se desde o início a gente plantou a semente da abertura, da comunicação, ela irá se sentir confortável em falar. Isso a ajuda a adquirir novas perspectivas e percepções sobre o que aconteceu”, completa. 

Se a possibilidade do diálogo não foi construída, a criança pode não se abrir para sanar as novas dúvidas. “Isto pode resultar em irritabilidade, raiva, dificuldade de aprendizagem ou distúrbio do sono – todos comportamentos considerados normais no processo inicial de luto, mas que, se as questões não forem resolvidas, podem estourar lá na frente e nem sempre o adulto fará a conexão com o que ocorreu, por conta da distância no tempo”, explica a psicóloga.

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