Rituais de homenagem: a criança deve participar?
Envolvê-la no luto da família é uma maneira de reconhecer sua dor. Mesmo com distanciamento físico, há opções de despedidas virtuais
Como conseguir homenagear alguém que perdemos em um período de imposição de distanciamento físico? Em muitas cidades, há restrições no número de participantes e no tempo para velórios e enterros, o que tem restringido os rituais de despedida apenas aos parentes mais próximos. E, às vezes, nem a eles. As medidas sanitárias adotadas para proteger a população dos riscos em relação à covid-19 também têm impossibilitado a visita a pacientes internados em hospitais de todo o País. Ainda assim, há opções para rituais virtuais.
Para muitas famílias, a dúvida gira em torno de incluir ou não as crianças pequenas nesses rituais. “Quando a criança perde alguém significativo para ela, é importante que ela se sinta incluída no luto da família. Então, ela pode ser convidada a participar”, diz Luciana Mazarro, psicóloga e psicoterapeuta, doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e co-organizadora do livro Luto na Infância: Intervenções Psicológicas em Diferentes Contextos.
O mais importante é respeitar a vontade da criança de participar ou não. Mas, para decidir, ela precisa ter a informação do que vai encontrar. “Quando velório e enterro são possíveis, o adulto deve explicar com palavras realistas, mas de maneira calma. Contar, por exemplo, que a pessoa vai estar deitada em um caixão de madeira, o corpo não vai mexer e ela não vai falar nem sentir fome ou frio. Deve-se falar que as pessoas estão ali para se despedir e dizer tchau, algumas vão estar chorando e outras conversando e assim por diante”, diz a psicóloga Isabela Hispagnol, doutora em Psicologia Clínica pelo Laboratório de Estudos sobre o Luto (Lelu) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em velórios, ela aconselha que os pais ou responsáveis escolham um horário mais tranquilo para levar as crianças, evitando, por exemplo, o momento do fechamento do caixão, quando as pessoas ficam emocionalmente mais alteradas. E deixem a criança escolher se quer ou não se aproximar do corpo, dar um abraço ou colocar um bicho de pelúcia, desenho ou carta dentro do caixão. “Na minha experiência, quando os pais estão tranquilos em relação à participação da criança, e explicam o que acontecerá, ela acaba querendo ir, o que torna a experiência boa para concretizar a morte e ela entender o que está acontecendo”, completa Luciana.
O mesmo raciocínio vale para os rituais virtuais: explicar o que vai acontecer para que ela possa definir se quer ou não se envolver. “Esse tipo de informação dá controle e insere a criança na conversa sobre a morte, pois é uma oportunidade para ela fazer perguntas”, diz Isabela. Confira algumas possibilidades:
Enviar mensagens ou desenhos para quem está internado
Com o impedimento de visitar parentes internados em hospitais, a solução é utilizar a tecnologia para se comunicar a distância. Oriente as famílias a perguntarem se a criança quer gravar uma mensagem de áudio ou vídeo para o pai ou responsável enviar por ferramentas digitais como o WhatsApp. Outra opção é estimular a realização de um desenho, que pode ser fotografado e também compartilhado pelo celular.
Participar de encontros virtuais de homenagem
Muitas famílias têm optado por realizar eventos virtuais para homenagear a pessoa que morreu. As crianças podem ser convidadas a participar e até mesmo ajudar nos preparativos. Escolher uma música para tocar na ocasião ou contar alguma história são ações possíveis. Nesse caso, vale perguntar: o que a gente pode falar da vovó ou do vovô (ou outro parente)? O que você lembra que ele mais gostava?
Quando a morte é de algum funcionário da escola ou um dos coleguinhas, professores e gestores devem contar para as crianças e informar o motivo da morte. Eles também podem organizar um ritual virtual, com a foto da pessoa e o compartilhamento da história dela. É uma maneira da turma aprender a dividir sentimentos.
Criar uma caixa de recordações
Organizar um ritual em casa, apenas com as pessoas que moram juntas, é outra opção. A família pode criar, com a ajuda da criança, uma caixa de recordações, em que cada um escolhe objetos ou fotos que lembram quem morreu. Neste caso, os pais ou responsáveis devem dizer à criança que ela pode olhar a caixa sempre que esteja com saudade.
Acompanhar rituais religiosos mesmo a distância
Uma vez que os rituais religiosos públicos estão restritos, elaborar versões para interações a distância pode ser um caminho para lidar com a perda. Nesse caso, a escolha deve ser aquela que faça sentido para a crença da família: realizar orações coletivas por meio de videoconferência, marcar horário para que as pessoas façam preces ou acendam uma velas etc.
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