PARA REPENSAR O ANO

Garantindo que crianças e famílias em locais vulneráveis não fiquem para trás

Escolas podem oferecer kits de materiais às famílias para atividades e ajudar na articulação de programas de distribuição de merenda

O CMEI Fúlvia Rosemberg, em Maceió, faz vídeos curtos de celular para driblar as dificuldades de acesso à internet das famílias. Ilustração: Nathália Takeyama / Fotos: Equipe CMEI Fúlvia Rosemberg 

O isolamento social impôs a professores do mundo todo o desafio de reinventar suas práticas e propor aulas e atividades a distância, principalmente pela internet. Entretanto, para educadores que trabalham em escolas cuja comunidade se encontra em maior vulnerabilidade social, as dificuldades de oferecer ensino remoto são ainda maiores. No caso da Educação Infantil, é importante considerar, ainda, a necessidade de estabelecer uma relação muito próxima com as famílias, que são o elo entre educadores e crianças.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) - Tecnologia da Informação e Comunicação 2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet - em áreas urbanas,  o percentual é de 20,6% e, no campo, o número sobe para 53,55%. Só esse dado já demonstra o tamanho do empecilho para a oferta de Educação a todas as crianças e adolescentes durante a pandemia. 

Rozana Machado Bandeira de Melo é gestora pedagógica do CMEI Fúlvia Rosemberg, localizado em um bairro de baixa renda em Maceió (AL). Ela conta o que mudou com a chegada do novo coronavírus: “Enquanto gestora, eu não acreditava que grupos em redes sociais pudessem funcionar, mas mudei essa visão. Hoje, o trabalho está sendo feito pelo WhatsApp, que é o único meio de comunicação que as famílias usam”. 

Assim como boa parte da população brasileira, a equipe de Rozana foi pega de surpresa pelo fechamento das escolas e, segundo ela, estava bastante assustada no início da quarentena. Os educadores precisaram se esforçar para aprender a lidar com a tecnologia. Agora, eles se reúnem regularmente para discutir questões relacionadas à pandemia e pensar em práticas e propostas de brincadeiras. “Fazemos vídeos curtos porque sabemos que o celular de algumas famílias têm dificuldade em rodar vídeos. Estou notando aumento na participação, mas, mesmo assim, menos da metade das famílias dá uma devolutiva.”

“Mesmo sem irem à creche, as crianças estão em uma fase de desenvolvimento, e é importante que elas vivam experiências concretamente, não de forma virtual. Mais importante do que levar atividades impressas às casas é redistribuir os materiais disponíveis na escola e orientar as famílias”, sugere Roberta Borges Tavares, professora do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp. 

Uma estratégia é organizar kits de materiais (sulfite, lápis de cor, massinha de modelar, tintas, livros infantis) e combinar com os pais, por redes sociais ou ligação telefônica, um momento para buscá-los na secretaria da escola. As educadoras podem identificar as famílias que não estão presentes nos grupos de mensagem e anexar ao kit um documento impresso com sugestões de atividades e brincadeiras para serem feitas em casa. 

A coordenadora Rozana conta também que propostas enviadas nas sextas-feiras são mais realizadas. Muitos familiares das crianças do Fúlvia Rosemberg são trabalhadores autônomos, o que pode explicar esse fato. Segundo dados do mês de maio da Pnad covid-19, apenas 5,2% das pessoas que trabalham por conta própria e 1,9% dos trabalhadores familiares auxiliares estão trabalhando remotamente. 

A escola precisa saber com quem a criança passa a maior parte do seu dia. Por exemplo, se os pais estão trabalhando fora e, durante a manhã e à tarde, ela está aos cuidados de uma tia, é recomendável que a professora verifique a possibilidade de conversar com esse parente também. “Em alguns casos, a escola precisará entrar em contato com o Conselho Tutelar para que verifiquem como a criança está sendo acolhida pelas famílias, pois não pode ficar abandonada”, diz Roberta. 

Além da Educação, outro serviço essencial interrompido pelo fechamento das escolas foi a distribuição diária de merenda escolar. Em 7 de abril de 2020 foi promulgada uma lei que garante a distribuição dos alimentos da merenda às famílias dos estudantes da rede pública que estejam com as aulas suspensas em razão de situação de emergência ou calamidade pública. Infelizmente, ainda há famílias que encontram dificuldades para receber esses alimentos, fazendo com que elas recorram às professoras e gestoras para solicitar ajuda. 

“A escola fechou, mas isso não significa que não esteja viva e tendo de prestar um serviço às crianças e às suas famílias. Os direitos das crianças e dos adolescentes permanecem. A Educação é dever do Estado, da família, da escola e da sociedade. Agora é um excelente momento para descobrir e fortalecer esses laços”, comenta Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante. 

Do ponto de vista educacional, a alimentação faz parte do cuidado que a criança precisa receber. Os educadores não podem realizá-lo diretamente, mas podem orientar os pais a respeito. Mas, para isso, as famílias primeiro precisam receber alimentos. Portanto, gestores e professores devem saber informar os pais sobre como o governo municipal ou estadual da sua rede estão organizando a distribuição de cestas assistenciais. Caso seja possível articular com a Secretaria de Educação, uma estratégia para garantir que um número maior de crianças receba os kits de material escolar ou documentos impressos organizados pela escolas é entregá-los junto com as cestas básicas. 

“Eu tenho de pensar em aprendizagem a partir do que acontece no mundo e com a vida de cada criança. Me parece alienante insistir em continuar tudo como era antes e deixar o que está alterando o mundo inteiro passar batido”, defende Maria Thereza. “Professores e famílias têm de ficar mais tranquilos em relação à aprendizagem. Crianças aprendem porque estão vivas, porque estão no mundo e interagem. A preocupação é em acolher, principalmente as que estão em situação de risco.”

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