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Isolados, mas próximos: como uma escola no Complexo da Maré tem apoiado as crianças

Creche no Rio de Janeiro tem mantido vínculo com a maioria das famílias e articulado programas de assistência social

 A maioria das crianças e famílias da escola tem feito atividades e dado retorno. Ilustração: Nathália Takeyama / Fotos: Equipe EDI Medalhista Olímpico Éder Francis Carbonera

O Complexo da Maré, localizado no Rio de Janeiro (RJ), conta com 44 escolas públicas que oferecem da Creche ao Ensino Médio. Os dados são do Censo Populacional da Maré 2019. O levantamento mostra que as escolas locais ficaram fechadas por 25 dias em 2016 e 35 dias em 2017, devido a enfrentamentos entre polícia e grupos que dominam o comércio de drogas ilícitas. Durante a pandemia, outra luta foi estabelecida, agora contra o vírus que se espalha pelo país e também pela comunidade. No que diz respeito às aulas, o resultado é o mesmo: escolas fechadas e crianças sem acesso direto a Educação. 

Uma dessas escolas é o Espaço de Desenvolvimento Infantil Medalhista Olímpico Éder Francis Carbonera, localizado na comunidade Salsa e Merengue, uma das últimas a ser constituída no Complexo da Maré. Taina do Carmo, diretora da unidade, conta que na Educação Infantil o foco principal é em brincadeiras e atividades de interação, o que impossibilita a criação de tarefas sistematizadas para as crianças fazerem a distância. “Estamos em contato com as famílias por Facebook e WhatsApp para manter o vínculo. Recomendamos atividades lúdicas, contação de história e brincadeiras. Encaminhamos as apostilas do Conselho Municipal de Educação para elas, mas o retorno não é obrigatório”, explica Taina.

Mesmo com a dificuldade de acesso à internet (muitas companhias não prestam serviço para a região, moradores dividem o acesso e a conexão é lenta), 19 das 25 crianças da turma de Educação Infantil da professora Eliene dos Santos estão realizando as propostas em casa e suas famílias dão retorno para a escola. “É um número muito significativo para mim. Procuro manter o vínculo afetivo através de videochamadas, leitura de histórias e sugestão de links com conteúdos interessantes. A família faz essa ponte e às vezes até consigo falar um pouco com as crianças.”

Além dos cuidados específicos com o desenvolvimento das crianças, uma das preocupações das educadoras é com as condições financeiras e de saúde de seus familiares. Segundo elas, grande parte precisou continuar trabalhando fora durante a pandemia. “Não podemos fingir que nada está acontecendo. Fala-se em distanciamento social, mas há famílias aqui com cinco pessoas num mesmo cômodo. Na comunidade é difícil o distanciamento e o uso de máscara”, relata Taina. “Mas eles também se mostram muito preocupados com as crianças, principalmente com a possibilidade do retorno à escola.”

As dúvidas quanto a esse retorno também preocupam as educadoras. Das 21 pessoas da equipe escolar, três são do grupo de risco e não poderiam voltar ao trabalho presencial. Por ora, não há previsão de substituí-las. Mas na CEI Éder Francis Carbonera os momentos de dificuldades e incertezas mostram que educadores e famílias são parceiros e têm como principal objetivo o acolhimento mútuo. “Passei por problemas na minha família recentemente e pedi desculpas para os pais por me ausentar do contato com eles. Depois, me perguntaram se estava tudo bem comigo. Sou muito feliz por receber esse retorno deles e acho muito importante falarmos quando um de nós ou as crianças não estão bem.”

Além do apoio em questões pessoais, a escola, junto à Secretaria de Educação, articulou a entrega do cartão-alimentação e de leite (este último, sempre distribuído durante recessos escolares). No contexto da pandemia, todos os cuidados foram tomados para evitar a propagação do vírus: uso de máscara e álcool em gel, além do uso de um vidro de separação no contato entre educadores e responsáveis.

Apesar dos altos índices de violência da região, Eliene diz que sua maior insegurança para voltar ao trabalho antes do surgimento de uma vacina contra a covid-19 está no medo de contrair ou passar a doença para algum colega, criança ou familiar. “Quando fui trabalhar na Maré, conhecia só pela mídia e tinha muito receio. Foi trabalhando lá com as crianças e as famílias que vi que a Maré é uma potência enorme. Cheguei com medo e hoje não saio de lá.”

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