Os desafios de atender crianças de uma comunidade quilombola na pandemia
Com as dificuldades de acesso à internet, escola em Garanhuns distribui apostilas impressas e sugere atividades com materiais fáceis de serem encontrados em casa
“Tenho 19 crianças na minha turma e apenas cinco famílias participam do grupo de WhatsApp”, diz Macieli Silva, professora de Educação Infantil na Escola Virgília Garcia Bessa, em Garanhuns, no agreste de Pernambuco. A unidade está localizada na comunidade quilombola de Castainho, criada por negros vindos do Quilombo dos Palmares após a morte de Zumbi. Atualmente, grande parte da comunidade trabalha em atividades de agricultura familiar, criação de animais e comercialização de mandioca e seus derivados, como farinha e tapioca.
A escola atende as etapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos (EJA). Precisou criar estratégias para alcançar as famílias que não possuem acesso à internet. Na Educação Infantil, soma-se a essa dificuldade o fato de que é preciso que todo o contato com as crianças seja realizado por meio da mediação com os pais. “O acesso à internet aqui não é muito bom. Poucos têm wi-fi em casa e a rede 3G não funciona em todos os locais. Muitos alunos estudam com celulares emprestados por familiares, vizinhos, ou precisam esperar os pais voltarem do trabalho para acessar as propostas de atividades”, conta Danielle Ferreira, coordenadora pedagógica da escola.
Segundo Danielle, muitos pais têm dificuldades em ceder os celulares para os filhos, o que é justificado pelo fato de que em alguns casos é preciso dividir o tempo de uso do aparelho entre quatro crianças e jovens. “Estamos ligando individualmente para cada família para tentar engajá-los. Reforçamos o quanto a Educação é importante para o desenvolvimento das crianças e pedimos que eles tentem dar uma atenção especial a isso”, diz Danielle.
Para atender as 14 crianças da sua turma cujas famílias não têm acesso à internet ou ao WhatsApp, a professora Macieli organiza apostilas quinzenais impressas que são retiradas pelos pais na escola. “No início do ano fizemos uma reunião e as famílias começaram a participar mais da vida escolar, mas com a chegada da pandemia essa participação regrediu. Agora, me esforço para organizar dicas bem escritas e detalhadas, porque as crianças não contam mais com a minha assistência como professora.”
Para ela, o maior desafio sempre foi o de conscientizar as famílias sobre a importância da Educação e desenvolvimento infantil, o que se tornou ainda mais necessário quando as escolas foram fechadas devido à pandemia. “Eu também sou natural de uma comunidade do campo e sempre trabalhei em comunidades rurais. Percebo que algumas pessoas pensam que a criança não é um ser humano ainda, que vai se tornar no futuro. Por isso, o estudo pode não ser visto como essencial para elas. Além disso, há muitas demandas de trabalho para se preocupar”, comenta Macieli.
Outra necessidade foi pensar nas famílias que precisam receber auxílio-alimentação. “No começo da pandemia, com a escola já fechada, ainda oferecíamos a merenda. As cozinheiras preparavam aqui na escola e as famílias vinham pegar a comida pronta”, relembra Danielle. Depois, o município passou a entregar kits emergenciais de alimentação, primeiro para as famílias já inscritas em programas de assistência social, e em um segundo momento quem não estava cadastrado.
No caso da Educação Infantil, é preciso também pensar na necessidade de entregar kits de materiais para que as famílias possam realizar as brincadeiras propostas pelas professoras. “Eu penso o máximo possível em atividades que podem ser feitas com coisas que eles tenham em casa, como recortar palavras e letras de embalagens”, diz Macieli. “Recentemente, sugeri que fizessem uma massinha de modelar caseira. A receita levava farinha de trigo, e algumas famílias não tinham esse ingrediente. Fiz um teste e percebi que seria possível fazer com farinha de mandioca.”
Macieli lamenta que o bom trabalho que vinha desenvolvendo com as crianças precisou ser interrompido, mas se mostra confiante para a volta ao presencial. “Vou buscar os objetivos que eles mais precisam desenvolver e escolher o que priorizar. Vamos ter de trabalhar com todos, mas focar em quem tem mais dificuldade.”
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