Como os professores podem contribuir para a comunicação familiar na pandemia
A experiência acumulada e a paciência dos docentes podem render bons conselhos, mas é importante respeitar a intimidade das crianças
Durante a pandemia de covid-19, as denúncias de violência doméstica aumentaram no Brasil. Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em abril, após um mês de isolamento social, a violência contra a mulher aumentou 40% em relação ao mesmo período de 2019. Em maio, um relatório da organização não governamental (ONG) World Vision estimou que até 85 milhões de crianças e adolescentes, entre 2 e 17 anos, poderiam se somar às vítimas de violência física, emocional e sexual nos três meses seguintes em todo o planeta.
“Violência não brota do nada e não é a primeira coisa a acontecer. Antes dela há um acúmulo de estresse, raiva e coisas não ditas”, comenta Yuri Haasz, mestre em Ciências Sociais com foco em Inovação Social Sistêmica e primeiro brasileiro certificado pelo Centro Internacional de Comunicação Não Violenta. “É possível criar uma cultura nos ambientes familiares em que a escuta verdadeiramente aconteça, assim fica mais difícil escalar para uma situação de violência.” Ele diz também que quando a criança não tem seus sentimentos e necessidades acolhidos, seu desenvolvimento social e psicológico pode ser afetado.
É preciso entender que muitos responsáveis são pais de primeira viagem e estão descobrindo e aprendendo a lidar com o universo infantil. Nessa tentativa, acabam reproduzindo automaticamente o modo como foram criados, sem refletir se aqueles são os valores que realmente desejam passar para seu filho. Soma-se a isso o contexto pandêmico de luto social e familiar, aumento do desemprego, distanciamento social e convivência intensa com a família, o que pode estressar adultos e crianças, deixando a relação ainda mais difícil.
A experiência dos professores
Nesse sentido, professores podem usar sua experiência profissional e acadêmica para orientá-los. Afinal, seu trabalho consiste justamente em lidar diariamente com várias crianças com sentimentos e comportamentos diferentes, por várias horas e sem perder a paciência. “Nunca, em hipótese alguma, podemos partir para uma comunicação ou atitude violenta. Em âmbito escolar isso é visto diretamente como crime. O professor precisa desenvolver e encontrar formas de resolver as situações e de se deixar envolver pelas crianças”, comenta Vládia Pires, supervisora pedagógica da rede municipal de ensino de Campina Grande (PB).
Enquanto as escolas permanecem fechadas, os professores podem realizar reuniões de pais ou responsáveis e fazer desses momentos oportunidades para que eles compartilhem, caso se sintam confortáveis, como está sendo a convivência familiar, quais descobertas fizeram, quais sinais de desenvolvimento notam nas crianças e quais dificuldades ou dúvidas têm sobre como lidar com elas. A troca entre famílias, mediada pelo educador, pode favorecer muito o entendimento sobre o papel de alguém responsável por uma criança, que inclui felicidades e dificuldades.
Porém, atenção: assim como a escola pode orientar os pais a estabelecerem uma escuta atenta e respeitosa com seus filhos, é importante que o mesmo aconteça entre professores e responsáveis. “É preciso ter muito cuidado, mesmo a distância. É como bater na porta deles e pedir licença para entrar. Devo dizer: você pode falar agora? Posso te ligar? Queremos saber como você e como as crianças estão”, sugere Valquiria Regina Fagundes, professora da Educação Infantil na rede municipal de São Paulo. Além disso, mesmo que as intenções da escola sejam as melhores, é preciso ser respeitoso ao fazer sugestões. “As famílias também sabem cuidar de seus filhos. Antes de tudo, precisamos escutar o que elas estão fazendo. Se não estão conseguindo, precisam saber que continuamos trabalhando e ver na escola um lugar de escuta e apoio”, aconselha a docente.
Além de ser pedagoga e mestre em Educação, Valquiria também se interessa e participa de cursos de Comunicação Não Violenta (CNV). Segundo ela, seu desejo é difundir esse conhecimento para todas as camadas sociais, o que tem feito através de práticas concretas na creche onde atua. Ela fez um baú de celebrações, no qual as crianças podem colocar (escrito ou simbolicamente) algo que as deixa muito contentes e algo que as deixa muito tristes. “É muito fácil a relação adulto/criança se tornar autoritária. É fundamental olhar para essa criança como um sujeito de direitos e deveres, como um ser humano permeado por sentimentos, desejos e frustrações”, diz Valquíria. Isso pode ser feito em casa e os adultos também precisam colocar seus sentimentos no baú.
Quando o diálogo e a conexão empática não funcionam, ou quando a escola já toma conhecimento de uma situação de violência em uma família, é preciso intervir. Yuri Haasz comenta: “Há uma dimensão da CNV chamada 'uso protetivo da força'. São ações que precisam ser tomadas quando o diálogo não tem condições de acontecer, tornando necessário usar os meios de denúncia e intervenção. Sendo assim, a diretoria da escola precisa acionar o Conselho Tutelar quando perceber alguma situação de maus-tratos a uma criança. “Isso não deve ter uma perspectiva de justiça punitivista, mas protetiva”, diz ele.
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