Para refletir a prática

Mulheres: as condutoras da Educação Infantil no país

Elas são maioria dentre os docentes desta etapa de ensino e, no contexto da pandemia, temem retrocessos, como evasão e desvalorização do trabalho escolar

Ilustração abstrata com retratos de professores dentro de celulares, de formas geométricas e brinquedos.
Ilustração: Nathalia Takeyama/NOVA ESCOLA

A maioria dos docentes da Educação Infantil no país é de mulheres. Segundo o Censo da Educação Básica 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 96,4% dos postos são ocupados por elas. O resultado mostra que o reconhecimento da importância desta etapa como parte essencial da Educação Básica não foi suficiente para atrair os homens. É o público feminino que continua se identificando mais. 

Uma explicação possível talvez esteja nos primórdios da profissão. Por muitos anos, a Educação Infantil foi encarada como um período apenas de assistência ou recreação e, portanto, um espaço feminino, doméstico. Foi somente a partir da década de 1980 que esta etapa de ensino conquistou reconhecimento dentro da Educação Básica. A Constituição Federal de 1988 determinou que o atendimento em creche e pré-escola a crianças de zero a 6 anos passasse a ser dever do Estado. 

De lá para cá, avançou o entendimento de que a Educação Infantil não é apenas cuidar, é um período de desenvolvimentos específicos importantes no processo de ensino e aprendizagem das crianças. A conquista mais recente foi a inclusão na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz orientações para integrá-la às demais etapas da Educação Básica.

Também nesses últimos 40 anos mudou a formação: antes apenas ligada à conclusão do nível médio (Ensino Médio normal/magistério), subiu ao Ensino Superior – hoje 76,5% dos profissionais têm licenciatura e 2,6%, bacharelado, de acordo com o Censo da Educação Básica 2020. 

As experiências das crianças no centro da aprendizagem  

A visão consolidada na BNCC ajuda a compreender o caminho percorrido. As práticas do docente devem estar diretamente comprometidas com as necessidades e os interesses da criança, de maneira a transformar as vivências em experiências com propósitos educativos.

Nesse contexto, o papel do educador muda: “Abandona-se a visão conteudista, em que o professor sabe o começo, o meio e o fim das propostas. O primeiro desafio que a Base nos traz é o de colocar o docente como uma pessoa que apoia a criança, garantindo a elas condições espaciais, materiais e emocionais”, afirma Karina Rizek, consultora da Avante Educação e Mobilização Social e formadora da Escola de Educadores, em entrevista dada a NOVA ESCOLA à época do lançamento da Base. “Ao tirar o protagonismo do professor e o colocar na criança, o que importa é muito mais o processo. Nunca vamos saber qual vai ser o fim, já que ele fica na mão das crianças. O docente precisa estar aberto às visões de mundo, questionamentos e curiosidades delas.”

A pandemia e a redução da interação com a turma

Numa proposta tão calcada nos vínculos com as crianças e nas interações presenciais, como garantir os seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento preconizados pela Base – conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se – no contexto da pandemia, com ensino remoto? Este é, há um ano, o questionamento diário dos mais de 593 mil docentes da Educação Infantil no país, e que se mantém agora com a retomada de aulas presenciais limitadas pelos protocolos sanitários.

Apesar do legado positivo trazido pelo uso das tecnologias na aprendizagem – reconhecido pelos professores como um ganho –, não dá para negar que o ensino remoto distanciou o educador das crianças, analisa Lia Glaz, diretora de políticas educacionais do Instituto Península. A percepção está baseada nas quatro pesquisas feitas com docentes da Educação Básica ao longo de 2020. Os dados foram incluídos nas duas edições do Informe “Retratos da Educação no Contexto da Pandemia do Coronavírus”, organizadas pela Fundação Carlos Chagas, e que englobam resultados coletados em parceria com outras instituições ligadas à educação. “Os professores relataram maior engajamento com os familiares, pelo WhatsApp ou outras plataformas, e menos contato direto com as crianças”, explica. Comparada a outras etapas de ensino, os docentes de Educação Infantil foram os que relataram ter menos interação com as próprias turmas.  

O distanciamento físico das crianças também trouxe, de acordo com as pesquisas, a preocupação com a evasão nessa etapa de ensino, alerta Lia. O temor de retrocessos na compreensão da importância da Educação Infantil está presente também na fala das profissionais ouvidas por NOVA ESCOLA, e que podem ser conferidas nos demais conteúdos desta Caixa especial. Diretora, professora e pedagogas contaram como tem sido a atuação delas antes, durante a pandemia e, agora, em um cenário de retomada incerta de encontros presenciais. 

Para Marcia Covelo Harmbach, diretora da EMEI Dona Leopoldina, em São Paulo (SP), a realidade atual impõe várias reflexões para o planejamento das ações escolares. “A criança pequena é corpo, ela pensa com o corpo e, na escola pós-pandemia, ela encontrará um lugar muito diferente daquele onde interagia livremente. Os espaços, os objetos e a relação com os demais, de repente, mudarão. Os protocolos recomendam distanciamento de 1,5 metro entre as crianças, por exemplo”, explica a diretora. “Será um desafio encontrar metodologias possíveis sem voltar a uma escola individualista e até autoritária”, completa, receosa.

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