Apresente à turma brincadeiras e histórias do Norte do Brasil
Ao difundir a riqueza cultural do país, o professor contribui para ampliar o repertório das crianças, além de promover o respeito e a valorização da diversidade
O momento é de apreensão. O mundo trava uma batalha contra um inimigo capaz de promover o caos, um vírus ainda pouco conhecido que a humanidade começa a aprender a combater. A pandemia tem feito manchetes sombrias e atingido de modo mais feroz algumas regiões do país. Manaus enfrentou a morte de pacientes por falta de oxigênio e leitos, moradores do Amapá passaram dias seguidos sem energia elétrica, o Acre viu cidades alagadas por enchentes e o estado do Amazonas sofreu com uma onda de incêndios.
Se o Norte ganhou destaque no noticiário nacional por conta de tantas adversidades, por outro lado continua a ser uma região de grandes riquezas naturais e culturais, um território onde crianças de todas as idades exercem um dos mais legítimos direitos da infância: brincar. É este aspecto que o professor de Educação Infantil pode apresentar para suas turmas.
“A criança conjuga os verbos brincar e viver de forma misturada, a vida está no brincar e o brincar vai para a vida”, diz a escritora, jornalista e documentarista Gabriela Romeu, autora, dentre outros trabalhos, do premiado Mapa do Brincar, um amplo registro de brincadeiras Brasil afora. “O brincar não se ensina, não se aprende, ele se vivencia, está na ordem da experiência. Os adultos precisam garantir tempo e espaço para as crianças brincarem, pois é aí que o corpo se manifesta. O brincar é livre, é a pura liberdade”, afirma Gabriela.
Brincar é um dos seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil, ao lado de conviver, participar, explorar, expressar e conhecer-se. A brincadeira, ou seja, a experiência de brincar, forma, com interações, o eixo estruturante das práticas pedagógicas indicadas no documento. “Todo o currículo de Educação Infantil é voltado para o brincar, que favorece o desenvolvimento de forma integral”, afirma Raescla Ribeiro de Oliveira, pedagoga e professora na rede municipal de Educação de Manaus.
A BNCC estimula o acesso à produção cultural de outras regiões, que deve ser planejado, intencionalmente, pelos professores. “As brincadeiras são a principal forma de expressão na infância, ampliam o repertório cultural, contribuem para a interação, favorecem a oralidade e a imaginação. Difundir esse brincar do Norte colabora para o enriquecimento cultural, promove o respeito, a autonomia, a curiosidade e a fantasia”, afirma Francisca Janice Silva, coordenadora pedagógica de escolas da rede pública de Paragominas, no Pará.
Quanto mais variedade, melhor
A professora Raescla ressalta que a diversidade amazônica (crianças em contextos urbanos, ribeirinhas ou em escolas indígenas) não permite indicar quais são as brincadeiras prevalecentes. “A Amazônia é um imenso território do brincar, com especificidades intimamente ligadas a aspectos como classe, etnia e região”, afirma a professora. O ideal, então, é apresentar opções variadas de brincadeiras e histórias (confira, aqui, dicas de sites, livros e filmes para conhecer mais da região), lembrando de contextualizá-las para as crianças.
“Parte das brincadeiras que ocupam o dia a dia das crianças manauaras é de contribuições dos povos indígenas, como peteca e cabo de guerra. Os pequenos têm contato desde cedo com nossas lendas e a escola tem contribuído para isso”, conta Raescla. Ela também cita como exemplo a brincadeira do Curupira, em que uma criança representa o guardião das matas, é vendada e fica no centro da roda. As demais perguntam “o que é que tu perdeu?” O Curupira deve fazer um pedido, se ninguém puder atender ele tira a venda e corre atrás dos colegas. Quem for pego, vira Curupira na próxima rodada.
Em boa parte da Região Norte o grande quintal das crianças é a Natureza, capaz de fornecer matéria-prima para todo tipo de brincadeira. Folhas, raízes, cipós, tudo é um convite a esse exercício libertador. “No Norte, árvores viram grandes trampolins na água, outros materiais naturais se transformam em barquinhos. Isso ocorre entre os ribeirinhos e também em comunidades periféricas em aldeias de diferentes etnias. São cenas que se repetem”, comenta Gabriela. No Pará, ela observou crianças procurando cipó no chão para transformar em corda. Desde as bem pequenas até as maiores, elas se envolvem na brincadeira que exige destreza corporal na hora de pular sem tropeçar.
“É importante ressaltar que as brincadeiras não têm fronteira. O brincar não é delimitado, o que acontece é que conforme o lugar ele pega um jeito, um sotaque. O pega-pega, por exemplo, é comum em todo o Brasil, mas no Norte vira Pira”, explica a jornalista. Outra brincadeira é a peteca, em que a diferença está no material utilizado. “O povo xikrin faz petecas lindas com palha trançada. Já em outras regiões interioranas do país, crianças recolhem penas de galinha para construir o brinquedo”, conta Gabriela. “Um retalho de tecido (25 cm por 25 cm), jornal e barbante também são materiais fáceis de encontrar em qualquer lugar e é bem gostoso construir uma peteca com a criança”, completa.
Francisca frisa a importância das brincadeiras simbólicas, de faz de conta, e as que demandam seguir regras (leia aqui uma sugestão para apresentar às crianças). Ela cita a Roladeira, em que se prende um barbante numa lata, preenchida de areia e tampada em seguida. “A criança puxa o brinquedo pelo barbante, que sai rolando e abrindo uma estradinha, como se fosse um carrinho de verdade”, explica a coordenadora.
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