Para se inspirar

Pipoca, jacaré, abacaxi: a herança indígena na nossa linguagem

Por meio de livros, brincadeiras e pesquisas, mostre para as crianças as palavras que estão no cotidiano delas

Ilustração de crianças escrevendo sílabas e palavras que são herança indígena na língua portuguesa.
Ilustração: Thiago Lopes (Estúdio Kiwi)/NOVA ESCOLA

Segundo dados do Censo 2010 (o último realizado no Brasil), há 274 línguas indígenas faladas por indivíduos pertencentes a 305 etnias diferentes no país. Os números não são um consenso entre especialistas em linguística e antropólogos, pois acredita-se que algumas das línguas podem ser apenas variações de uma mesma e que certas etnias declaradas podem constituir subgrupos ou segmentos de uma mesma etnia. Independentemente do número exato, o fato é que muitas dessas línguas ajudam a constituir o que chamamos de Língua Portuguesa, que, apesar do nome (referência direta ao país europeu), também tem influências de línguas indígenas e africanas. Que tal mostrar essa herança para as crianças? 

Os bebês podem ter contato com essas línguas por meio da musicalidade e de histórias, já as crianças bem pequenas e pequenas podem receber do professor uma contextualização mais aprofundada. Comece perguntando se em todos os lugares do mundo as pessoas falam a mesma língua e quais elas já ouviram falar: inglês, espanhol, chinês, francês? Depois, conte que, mesmo no Brasil, existem várias línguas faladas por diferentes povos indígenas que vivem em diversas regiões do país.  

Para que as crianças não pensem que a língua pode afastá-los dessas culturas, é preciso explicar que a maioria dos indígenas também fala Português (76,9%) e que nem todos falam uma outra língua (apenas 37,4%). Conte para a turma que elas também sabem palavras de línguas indígenas. Provavelmente, as crianças ficarão surpresas ou não acreditarão nessa afirmativa, o que tornará o processo de descoberta ainda mais interessante. 

O Brasil conta com dois troncos linguísticos indígenas: o tupi e o macro-jê. A maior influência indígena na Língua Portuguesa falada hoje vem do tupi. Mas o que é um tronco linguístico? São unidades que reúnem famílias de idiomas com a mesma origem. Por exemplo: a Língua Portuguesa está associada ao tronco linguístico indo-europeu, assim como o curdo, o grego e várias outras. Dentro do tronco, ela faz parte da família das línguas românicas (também conhecidas como línguas neolatinas e latinas), como o espanhol, o italiano e o francês. Há também línguas que não pertencem a nenhum tronco ou família. Para deixar tudo mais claro e atrativo para as crianças, é possível fazer essa explicação utilizando ilustrações que apresentam os troncos macro-jê, tupi e indo-europeu (acesse neste site). 

Mostre as palavras indígenas usadas no cotidiano

Para as crianças da Educação Infantil, conhecer os desenhos que ilustram os troncos e famílias linguísticas é uma curiosidade interessante, mas o foco principal é mostrar quais palavras de origem indígena elas usam em seu cotidiano. Pensando nisso, Cláudio Fragata escreveu o livro infantil O tupi que você fala, em que revela, de forma divertida, algumas palavras indígenas que falamos sem nem perceber. “Selecionei as palavras mais cotidianas de origem tupi para que, quando as crianças as falassem, lembrassem de onde elas vieram e tivessem consciência da história e da riqueza da nossa língua”, explica Cláudio. “Eu gosto muito de um verso do Caetano Veloso que diz ‘Minha pátria é minha língua’.”

O livro começa com a frase “Aposto que você sabe falar tupi e eu provo aqui.” Segundo o autor, crianças e adultos se surpreendem ao descobrir que palavras como samambaia, peteca, pipoca, amendoim, paçoca, capivari e abacaxi são desse tronco linguístico. “Pensei o livro para um público de crianças pequenas, usei uma linguagem muito direta e uma estrutura narrativa simples para que o texto chegasse a elas por inteiro”, explica Cláudio, que também diz receber muitas mensagens de mães cujos bebês ouvem a leitura do livro e estabelecem uma relação muito forte com as ilustrações, feitas por Maurício Negro. No final da leitura, diz, todos ficam felizes ao descobrir que sabem sim falar palavras em tupi. 

Os educadores que tivrem acesso ao livro podem explorá-lo em rodas de conversa, por exemplo. Outra opção é o professor pedir a ajuda das crianças e de seus familiares para investigarem palavras de origem indígena presentes no cotidiano da turma, como nomes de pessoas, de lugares ou de objetos. É possível perguntar: alguém conhece alguma Mayara, Iara, Kauã, Caique ou Taianara? As crianças já ouviram falar das cidades de Aracaju (SE), Guarulhos (SP), Itajaí (SC) ou Araxá (MG)? Alguém já visitou o Parque do Ibirapuera (SP)? São todas de origem indígena. Basta investigar para descobrir outras e depois usá-las em brincadeiras de rima, por exemplo. 

Segundo Cláudio, o trabalho com a língua é uma maneira de aproximar as crianças da cultura indígena e de criar respeito por ela. “Existe uma ideia de que os indígenas não nos deixaram nada, mas isso não é verdade. Eles estavam aqui muito antes dos portugueses chegarem e, ao resgatar essas palavras, você também entra em contato com essa história”, afirma o escritor, que, ressalta o fato dessas palavras fazerem parte do vocabulário e da vida de todos os brasileiros, independentemente da origem. “Eu tenho muita esperança em relação ao futuro do Brasil e não tenho dúvidas de que ele está na mão das crianças, que depois de conhecerem isso vão se lembrar da contribuição e da presença indígena no nosso cotidiano”, completa.

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