Como trabalhar a cultura indígena na Educação Infantil
Tema pode estar presente no planejamento do ano inteiro, com brincadeiras, jogos, músicas e histórias que ressaltam a multiplicidade dos povos e evitam estereótipos
O dia 19 de abril já é bastante conhecido no calendário escolar. Mas o que devemos usar: Dia do Índio ou Dia dos Povos Indígenas? O uso do termo índio começou a ser questionado pela sua origem: ele é fruto de um erro dos colonizadores europeus, que, ao chegarem à América, acreditavam estar nas Índias. E também pela carga de preconceito acumulada ao longo da história. O escritor Daniel Munduruku, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), declarou em várias ocasiões que “índio” carrega duas imagens, a do indivíduo preguiçoso ou a daquele ser folclórico, que vive no mato, anda nu e precisa ser preservado como algo do passado. A preferência seria, então, por “indígena”, que significa originário, alguém que está ali antes do outro. Utilizar “povos indígenas” também é uma maneira de ressaltar a diversidade, afinal, há inúmeras etnias no país.
A data foi instituída nacionalmente em 1943 graças às recomendações do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que havia sido realizado em 1940 no México por representantes de povos daquele país e também do Panamá, Chile e Estados Unidos.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) indica que o planejamento pedagógico deve ter o “[...] compromisso de reverter a situação de exclusão histórica que marginaliza grupos – como os povos indígenas originários e as populações das comunidades remanescentes de quilombos e demais afrodescendentes [...]”. No entanto, antes da implementação do documento, a Lei nº 9.394, de 1996, já indicava que o ensino de História do Brasil deveria contemplar as contribuições das matrizes indígenas, o que foi reforçado pela Lei nº 10.639, de 2003.
Em muitas escolas, essas contribuições só são apresentadas em meses ou dias específicos, o que torna o trabalho superficial e desvalorizado. “A cultura indígena deve ser lembrada sempre, pois, com uma abordagem coerente e atual, que olha para os indígenas do século 21, as crianças crescem com mais respeito à diversidade", comenta Aparecida Queiroz, indígena do povo Pankararu e professora de Educação Infantil na cidade de Osasco (SP). Segundo Aparecida, os educadores devem inserir essa cultura no cotidiano escolar de modo simples, a partir de objetos com os quais as crianças possam interagir (maracá, apito, peão, artesanatos etc.), da contação de histórias, de músicas e de brincadeiras.
Estudar essas outras culturas (que são plurais graças à imensa variedade de povos) também permite aos professores repensarem o processo de ensino e aprendizagem, o que refletirá em sua prática pedagógica e nas experiências proporcionadas às crianças. Juliana dos Santos Santana – ou Amanayara Tupinambá, seu nome étnico –, atua na Educação Infantil do Colégio Estadual Indígena Tupinambá Amotara, localizado em Ilhéus (BA). Ela explica que a educação praticada por eles tem muito a contribuir para a convencional. “A educação indígena é a junção do nosso conhecimento tradicional com o científico. Aprendemos sobre as especificidades da nossa cultura, do nosso povo, e ouvimos muito os mais velhos”, diz a educadora, que vê na ampliação das experiências e no respeito à cultura do outro grandes diferenciais.
O que fazer e o que não fazer
Na escola de Ilhéus, segundo Juliana, o contato das crianças com a natureza é constante. Além de muitas aulas ocorrerem sob as árvores, eles veem momentos como o de plantio de um alimento como oportunidade de aprendizado. Assim, a conversa sobre uma planta como o jenipapeiro, por exemplo, pode desencadear uma série de pesquisas: como ele se insere na cultura indígena? Onde é encontrado? Qual a quantidade de jenipapos necessária para preparar uma receita ou fazer uma pintura corporal?
Por outro lado, as duas professoras indicaram ações ainda comuns, mas que não deveriam ser adotadas nas escolas: fazer pinturas nos rostos das crianças; confeccionar ou comprar cocares de cartolina; fazer sons batendo a mão na boca; se referir aos povos indígenas como algo do passado; não deixar claro para as crianças que há vários povos no Brasil com características e culturas distintas e contar suas narrativas como algo fantasioso. Tais atitudes não contribuem para a ampliação cultural e para o conhecimento histórico das crianças, reproduzem estereótipos, incentivam a apropriação cultural indevida e são ofensivas.
“A Educação Infantil é o primeiro momento em que o educador pode ajudar na construção do ser, de sua ética, da valorização do próximo e de si mesmo. Iniciar esse processo ensinando o respeito é importante porque, assim, podemos formar pessoas mais conscientes, empáticas e que não sejam preconceituosas e racistas”, afirma Juliana.
Para desmitificar a visão desatualizada que muitas pessoas têm, o professor pode, por exemplo, pesquisar com as crianças imagens de como os portugueses se vestiam quando chegaram ao Brasil em 1500 e conversar sobre como as vestes sofreram muitas mudanças ao longo dos séculos. Se essas roupas mudaram, por que acreditar que todos os indígenas ainda ficam nus? Com a ajuda de mapas, vídeos e imagens, explique para a turma que há indígenas morando em todos os estados brasileiros, alguns na mata e outros nas cidades.
“Ao não reproduzir estereótipos, o professor já está contribuindo muito na construção da visão que temos dos povos indígenas. É preciso falar sobre nós na atualidade, mostrando que há indígenas professores, militantes, universitários, escritores, médicos e muito mais”, defende Aparecida. Ela recomenda também que os gestores convidem indígenas para conversar com a equipe docente e com as crianças e, quando possível, organizem visitas a uma comunidade próxima à escola para que todos percebam que os indígenas não estão tão longe e não são tão diferentes quanto se imaginava.
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