Para usar com as crianças

Como fazer da roda de leitura um espaço para também falar de sentimentos

Os livros proporcionam que a criança tenha contato com as mais diversas emoções humanas, o que permite a ela identificar e expressar o que está sentindo. Confira as sugestões para escolher o livro, organizar a atividade e conduzir a conversa com a turma depois da leitura

Ilustração de professora mediando conversa entre crianças que estão em um momento de conflito.
Ilustração: Renata Miwa/NOVA ESCOLA

Certa vez, um menino de 5 anos estava na escola quando disse que passava mal e precisava de um médico. Com as mãozinhas no peito, falou para a professora que estava doente e morrendo. Alarmada, a docente pensou que ele poderia ter algum problema cardíaco. Um tempo depois, no entanto, descobriu-se o diagnóstico: era saudade da mãe. 

Essa história aconteceu de verdade. “Era a primeira vez que a criança estava na escola em tempo integral e, por conta desse acontecimento, o menino percebeu a falta da mãe como uma dor física”, lembra Fernanda Maria Macahiba Massagardi, professora e pós-doutora em Artes pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Muitas crianças têm dificuldade para expressar o que sentem, muitas vezes por não compreenderem tais sentimentos”, observa.

Nessa hora, pode entrar em cena um aliado tanto das crianças quanto dos professores: os livros infantis. “Os livros falam da condição humana no mundo e os personagens vivem uma realidade de aspectos muito parecidos com os que vivemos. Assim, uma criança pode aprender, a partir de situações externas e literárias, sobre aquilo que sente. Além disso, é mais fácil falar em terceira pessoa do que em primeira”,  reflete Fernanda, que é autora da tese de doutorado Percursos da Literatura na Educação – Ensinar contando histórias.  

A pedagoga Maria de Lurdes Martins, professora na rede municipal de Santos, no litoral de São Paulo, e pesquisadora da prática de leitura de poemas na Educação Infantil e no Ensino Fundamental 1, reforça que a literatura lida com as questões humanas, o que inclui os mais diversos sentimentos. Mas faz uma ressalva. “Os textos nos tocam, nos impactam, falar sobre isso é uma boa porta de entrada, mas a escola não pode parar na porta de entrada. Ler literatura é muito mais do que falar de nós, é lidar com a arte da palavra e das imagens e se entregar e se encantar com ela, tenha o leitor a idade que tiver”, enfatiza. 

Embora para ela a literatura não esteja a serviço de nada a priori, é possível usá-la como estratégia para também trabalhar competências e habilidades socioemocionais. Maria de Lurdes reforça que as rodas de leitura devem fazer parte da rotina diária das crianças para que, a cada novo texto, elas aprendam a lê-lo em suas diferentes camadas e considerar essas observações nas suas opiniões e interpretações. 

“É no conjunto das leituras que elas vão avançando. A ideia não é conversar para ver quem entendeu ou não entendeu, mas para que, na troca entre as crianças, todas possam compreender mais e melhor a narrativa”, ressalta. O hábito da leitura, com a mediação do professor e a liberdade de pensamento sobre o que a obra instiga em cada um, permite às crianças construírem o próprio aprendizado sobre elas mesmas e sobre o momento que estão vivendo. 

A pedido de NOVA ESCOLA, as especialistas elencaram uma série de dicas para realizar uma boa roda de leitura para também falar (e refletir) sobre sentimentos. As sugestões foram pensadas, principalmente, para o ensino remoto, mas são válidas, também, para quem está com atividades presenciais ou parcialmente presenciais. Confira a seguir:

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A escolha do livro

1. Aposte na diversidade das obras. É importante que a criança tenha diversidade de opções de leitura (autores, formatos, ilustradores, gêneros literários, estilos, técnicas, etnias, temas, paleta de cores, fontes e projetos gráficos) e, quando possível, possa manusear os livros. Quanto mais rico o repertório, maior o universo de situações e sentimentos com os quais a criança terá contato. Também é interessante fugir das histórias óbvias, com personagens simplistas, rasos e estereotipados; e linguagem infantilizada demais.

2. Observe texto, projeto gráfico, ilustrações, autor e editora. Tudo deve estar em harmonia e ser um convite ao pequeno leitor. Uma boa forma para começar a exercitar suas escolhas enquanto educador é consultar sites que trabalham com o livro infantil, o fomento à leitura e a formação de leitores infantis. 

A organização da roda

3. Proponha atividades curtas. O ensino remoto é um desafio, ainda mais na Educação Infantil. Por conta disso, o ideal é investir em atividades mais curtas, para que não fiquem cansativas. Os encontros podem ser realizados por meio de plataformas como Zoom e Meet. Caso o momento síncrono não seja viável, uma boa sugestão é gravar vídeos e enviar para as crianças e suas famílias.

4. Encarne o personagem. A entonação de voz e, principalmente, direcionar o olhar para quem está observando do outro lado também são fundamentais para uma boa contação! Olhar demais para baixo ou para os lados denota falta de atenção. Para conseguir colorir a leitura com entonações diferentes é essencial conhecer bem a obra, o que é possível ao ler diversas vezes sozinho em voz alta antes de apresentar o livro para a turma. 

5. Certifique-se de que todos terão acesso às imagens. No remoto, é preciso cuidar da visualização das imagens do livro para que todos possam ver e apreciar as ilustrações, aproximando e afastando da câmera, caso necessário.

6. Incentive a interação das crianças. É possível envolver as crianças pequenas e bem pequenas no enredo e deixar a experiência mais interativa. Convide-as a abrirem a câmera e expressarem com o rosto o que o personagem da história está sentindo, seja alegria, tristeza, raiva, nojo etc. Se a atividade for assíncrona, peça para gravarem vídeos com as expressões ou que exercitem na frente de um espelho.

7. Peça para desenharem as emoções dos personagens. Outro recurso que pode ser explorado é pedir para a criança desenhar, se necessário com a ajuda de um adulto, as expressões de alegria e tristeza no polegar e, durante a contação de história, pedir para que levante o dedo com a emoção do personagem correspondente ao trecho lido. Essa mesma estratégia pode ser usada com plaquinhas, feitas pelas próprias crianças, sozinhas ou com o auxílio de familiares.

8. Mantenha o diálogo e a interação costurando as falas. As interações entre as crianças também mudam no ensino remoto porque elas têm de abrir o microfone para falar e depois fechar, o que às vezes leva um tempo. Então, é necessário se atentar para manter o diálogo e a interação, costurando as falas. Isso pode ser feito, por exemplo, socializando uma fala interessante com todos, devolvendo para o grupo a pergunta de uma criança, relacionando dois comentários feitos ou confrontando duas opiniões contrárias para o grupo discutir. 

Depois da leitura

9. Evite explicações prontas ou lições de moral. A criança precisa de tempo para pensar sobre o que ouviu. Por isso, muitas vezes é importante não trazer as explicações do que foi lido, como se houvesse uma única possibilidade interpretativa. O diálogo, nesses casos, deve ser natural e livre e não uma lição de moral, como acontece nas fábulas. 

10. Conduza uma boa conversa. Para conduzir uma boa conversa é preciso considerar alguns pontos: 

- Ouvir, respeitar e acolher as opiniões e impressões das crianças; 

- Estar aberto às diferentes impressões, tendo o texto como termômetro de validação delas;

 - Estabelecer uma relação horizontal entre leitores, ou seja, mesmo o professor sendo o leitor mais experimente e quem preparou a atividade, sua opinião não vale mais do que a de outros leitores;

- Cuidar da interação entre as crianças, pois a questão não é garantir que todas falem, mas que todas se escutem, conversem e comentem sobre o que cada uma está trazendo sobre o que está pensando;

- Fuja das perguntas óbvias que têm uma única resposta, essas as crianças já sabem e não trazem as diferentes camadas que um bom texto comporta;

- Procure explorar essas diferentes camadas. Às vezes, elas estão num personagem secundário que permeou toda a história e passou despercebido; na fala repetida de uma personagem; na capa; na diagramação do texto e uso das fontes: no final aberto ou, ainda, no final inesperado.


Dicas de sites que trabalham com livros infantis

A Taba

Revista Emília

Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

Blog A Cigarra e a Formiga

Cátedra de Livro Infantil Unesco/PUC-RJ

Instituto Quindim

Prêmio Jabuti de Literatura Infantil



Para saber mais

Curso - Literatura na Educação Infantil - Como planejar atividades de leitura

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