Por que promover o desenvolvimento socioemocional desde a Educação Infantil?
Ajudar as crianças a identificarem as próprias emoções e expressarem seus sentimentos, entre outras habilidades, é essencial para a formação de pessoas autônomas e com pensamento crítico e criativo
Na sacada de um prédio, um menino joga bola com a parede por trás da rede de proteção. Do lado de dentro do portão de uma casa, uma menina corre atrás de seu cachorro e inventa histórias. Pela janela de um apartamento, é possível observar duas crianças montando um quebra-cabeça no chão da sala. Cenas como essas, vistas sempre de longe, tornaram-se muito comuns em tempos de isolamento social. Mas, diante de tantas mudanças, o que será que se passa na cabeça dos pequenos depois de mais de um ano de pandemia e qual a importância de falar sobre isso com eles?
“Desde o ano passado vivemos um momento muito desafiador, no qual tivemos de, primeiro, entender que fomos tomados por uma avalanche de emoções e sentimentos que também são sentidos pelas crianças”, afirma Sandra Dedeschi, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora do Programa Semente, iniciativa que trabalha com formação socioemocional. “É indispensável que o adulto entenda ser necessário reconhecer e legitimar tais emoções, ter uma comunicação mais empática e acolher essas crianças”, completa.
Mas, para além da pandemia, trabalhar com competências e habilidades socioemocionais na Educação Infantil é essencial porque o desenvolvimento das crianças envolve não apenas o aspecto intelectual, mas também o social, o físico, o emocional e o cultural, compreendidos como fundamentais para a perspectiva de uma educação integral. É o que já vinha sendo discutido e defendido por muitos profissionais da educação e que foi registrado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“As habilidades socioemocionais que são desenvolvidas na primeira infância são fundamentais para a qualidade de vida das crianças, para que se formem e atuem como pessoas com pensamento crítico e criativo, que podem tomar decisões, viver e pensar com autonomia”, afirma Beatriz Ferraz, psicóloga e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). “É papel da escola e do professor colocarem intencionalidade nas propostas para apoiar o desenvolvimento dessas habilidades”, completa.
Para Beatriz, o distanciamento social pode trazer algumas dificuldades para esse trabalho porque, no contexto do isolamento, as crianças ficam restritas, geralmente, ao próprio grupo familiar. Por conta disso, acabam tendo menos oportunidades de desenvolver essas habilidades que implicam contextos diversificados e, também, um cotidiano de interações e convivência em grupo.
Nesse sentido, a BNCC tende a ser a bússola que guiará as ações dos professores, especialmente em um momento de tanta turbulência. Das 10 Competências Gerais, algumas estão ligadas de forma mais direta às socioemocionais, como Argumentação, Autoconhecimento e autocuidado, Empatia e cooperação e Responsabilidade e cidadania, mas é importante ressaltar que as demais também envolvem aspectos do desenvolvimento socioemocional. E que elas estão interligadas. "Quando se fala de autoconhecimento e autocuidado, o foco é o eu, ou seja, a subjetividade, o desenvolvimento do próprio indivíduo. Quando olhamos para a competência que envolve empatia e cooperação, nós nos deslocamos para o outro para valorizar a diversidade, reconhecer o outro, acolher a perspectiva que ele traz, aprender a dialogar. Essas duas competências formam um par”, explica Mazé Nóbrega, consultora em metodologia de Língua Portuguesa de NOVA ESCOLA (leia entrevista completa com ela aqui).
O papel do ambiente e das vivências
“Como chegar a essas competências? Mais do que ter um momento específico para trabalhar determinada competência, precisamos ter na escola um ambiente que favoreça o desenvolvimento de todas elas”, observa Sandra. Isso porque o aprendizado passa por vivências e exemplos. Não adianta o professor falar de cooperação, por exemplo, e as crianças não perceberem isso como atitude usual na instituição. Vale também lembrar que a aprendizagem das competências e habilidades socioemocionais é um processo que começa desde cedo e segue ao longo de toda a Educação Básica e da vida.
Outro passo, de acordo com Sandra, é colaborar para que as crianças aprendam a identificar os próprios sentimentos, o que está intrinsecamente ligado a um processo de autoconhecimento. “Começa nas crianças menores com o reconhecimento de emoções básicas, como alegria, tristeza, medo, raiva e nojo, mas isso não quer dizer que outras emoções não vão aparecer”, diz Sandra. A ideia é de que os pequenos passem a ter contato com as emoções que sentem e, aos poucos, vão relacionando cada uma delas às próprias reações.
Para isso, é necessário pensar em atividades que, com intencionalidade, permitam que a criança reconheça e expresse seus sentimentos, regule suas emoções, comportamentos e atenção, desenvolva o sentido de si mesmo, a própria identidade, a autonomia, autoconfiança e a autoestima. Na primeira infância, o planejamento do professor também deve incluir propostas que promovam, por exemplo: desenvolver o interesse social; considerar a perspectiva do outro nas conversas, ações compartilhadas e atividades de grupo; fazer amigos; aprender a resolver problemas sociais e pessoais; desenvolver a empatia; cooperar com os colegas; e construir atitudes positivas no processo de aprendizagem, como persistência, engajamento, curiosidade e criatividade (leia aqui como os campos de experiências propostos pela BNCC colaboram na promoção dessas habilidades).
Esse trabalho está diretamente relacionado aos 6 direitos de aprendizagem propostos pela BNCC (conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se) que, segundo Beatriz, sistematizam o que o professor precisa garantir no cotidiano em termos de experiências e contextos de aprendizagem que respeitem as peculiaridades sobre como a crianças se expressam, se comunicam, aprendem e se desenvolvem nessa etapa de suas vidas.
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